terça-feira, 28 de dezembro de 2010

And what is worse, I really do.

O sentimento não se cala, tem voz e vontade própria. Apaga quando quer, ressurge quando eu não quero. Incontrolável, é por isso que eu odeio tanto o amor, e amo tanto odiar aquilo que não controlo.

Sua beleza, seu olhar, seu sorriso e sua voz são como agulhas. Ainda assim, eu te amo. E o pior é que realmente te amo.

Não me interessa. Não tenho você, mas tenho a mim e as palavras que guardei pra te dizer. Quem sabe, num dia desses?

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A caixa de carvalho e o Coração em chamas

Seus pais eram pobres e o único pedaço de terra que lhes restou ficava dentro da densa floresta. Sempre escura e sempre distante. Lá, ele podia ouvir o que ninguém ouvia nas ruas movimentadas do centro da cidade.

A tristeza que cobria seu coração com um fino véu não era resultado da separação. Nunca teve grandes amigos, sempre solitário, brincava com o assovio do vento se no dia fosse chover. Sonhava que um dia seria capaz de colocar seu coração dentro de uma caixa. Achava que a prisão do mesmo pudesse libertar a alma do peso que carregava. Era apenas um garoto que não buscava respostas.

Na primeira noite, sentou-se perto do lago e observou a água correr. Era um dia cinza, o mais belo de todos, e as cores se recolhiam ao mais simples olhar. As folhas secas cantavam baixo e a pequena raposa se aproximou de seu braço. Sem nenhum medo, olhou diretamente para os olhos amarelos e brilhantes. O animal parecia reconhecer aquele menino de pele morta. Disse "desconfie" e então desapareceu.

Nunca contava para a mãe o que acontecia durante o dia. Evitava o pai, pois sabia que ele sabia. Escutou algo bater no vidro de sua janela. Quando afastou a cortina, percebeu que um vulto negro lhe observava. Abriu uma parte e então conheceu o corvo. Agitado e como se estivesse com pressa, disse para o garoto "desafie". Quando abaixou os olhos para pensar, o animal havia desaparecido, assim como a raposa.

Nos caminhos da floresta, seguia a trilha das formigas. Um rio vermelho de passos velozes e inquietos, indiferentes ao gigante que passeava sem rumo. Ele sentia que o peso do coração estava cada vez pior e tentava encontrar madeira para fazer uma caixa. Das mais lindas caixas, ele sempre escolheu as feitas de carvalho. Achou um velho tronco e resolveu arrancar uma lasca para fazer a nova morada do seu amor. Quando tocou a superfície rústica, sentiu que uma criatura delicada e silenciosa saia de dentro da madeira.

Olhos enormes e expressivos, com um brilho maravilhoso. O animal era um cervo. Parecia que rasgava um sorriso no canto de seus lábios negros e não recuou um passo. O menino, paralisado, esperou por uma palavra, algum sinal de que sua presença ali não era em vão. Mas nada foi dito. Com suas longas pernas, o cervo partiu.

Incapaz de construir a caixa, deixou a madeira no local e foi procurar outra coisa para fazer. Percebeu que o coração era a essência de sua expectativa e também o senhor da frustração. Aprendeu que a vida existe para ser contrariada e surpreendida. Mais uma vez, ficou claro que não era dono do futuro, nem de longe. E que como os três animais, estava apenas atuando no enorme teatro do destino, onde não existe diferença entre protagonista e coadjuvante.

Não sei como essa fábula surgiu dentro da minha mente. Mas sei que ela diz tudo o que eu gostaria de ouvir. Se não existe um alguém que me diga tais coisas, faço questão de dizer eu mesmo. Pois ao caminhar por aquela floresta, pude entender o porquê de não ter terminado a caixa de carvalho: ela jamais prenderia um coração que está em chamas.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

'Cause nothing even matters at all

Se você não tivesse insistido pela terceira vez, jamais teria compartilhado a mesa.

Quinta-feira, sempre o dia mais odioso da semana. Choveu muito, mas agora só sobraram as gotas atrasadas e a brisa refrescante. Por que não sair para tomar uma cerveja? Sou muito sistemático: o mesmo caminho, o mesmo bar, a mesma cerveja. Sim, eu odeio a "mesmisse" e também tudo o que é previsível, mas faço questão de reproduzir os dois. Talvez, assim eu consiga preservar aquela esperança. Sabe? Aquela!

A cada garrafa, o pensamento fica afiado e o olhar procura um ponto de fuga. A profundidade de campo traz sempre as piores visões. O todo não é nada, prefiro sempre o Macro e sua visão penetrante. Mas era uma quinta-feira. Não poderia esperar muita coisa.

Você entrou, olhou para minha mesa (duas cadeiras, uma pessoa) e não foi previsível. Ao invés de pedir para retirar a cadeira, você simplesmente pediu para sentar comigo. Já na terceira garrafa, olhei nos teus olhos como se partisse sua alma em dois pedaços, e fiz "não" com a cabeça. Primeira tentativa.

Quando você entrou no bar e procurou outro local, percebi que já não conseguia mais pensar em outra coisa, senão naquela atitude muito valente da sua parte. Três minutos depois lá estava você, diante de mim, com uma garrafa de cerveja na mão. Mais uma vez, você não foi previsível (mas não foi surpreendente, vale lembrar) e disse que iria beber de pé, na minha frente. Fingi que não escutei e continuei bebendo e fumando meu cigarro. Segunda tentativa.

Quinze minutos e nada. Eu já estava começando a perder a paciência. Gosto de observar, não de ser observado. Você focava em cada movimento meu. Irritante, arrogante, interessante demais. Pedi mais uma bebida, dessa vez, vodca. Parece que isso te surpreendeu, pois vi que um sorriso de constrangimento cortou seu rosto. Agora, resolvi investir com o golpe final: Fui eu quem começou a focar no seu olhar. Parecia que eu buscava qualquer sinal de fraqueza ou resposta que justificasse aquela pessoa parada, de pé. Não escutava mais as pessoas ao redor, nem mesmo as via. Foi então que tomei uma atitude. Ainda olhando fixamente para seus olhos castanhos, disse: Sente-se. Terceira tentativa. Primeira conquista.

Conversamos bastante, eu ouvia, vc me ouvia, nós ouvíamos o casal apaixonado na outra mesa e tudo se encaixava. Só faltou "aquela" música tocar. Sabe? Aquela! É, então. Quando voltei para casa, o veneno já havia me dominado. O cheiro era do seu perfume. As músicas falavam de você e as imagens me faziam rir sem motivo. Não preciso falar dos filmes. De qualquer forma, não cultivei expectativas, sabia que te ver novamente seria outra obra do acaso, cansado de ser apenas mais um caso. Então, resolvi caminhar sem rumo durante a noite. Cansado dos meus discos e filmes, queria ver o imprevisível. Me lembrava de você, mas não com tanta força assim.

Cheguei naquele mesmo boteco. Como era um pouco mais tarde, eu fiquei sem opções de mesa. Justamente aquela em que sempre fico estava ocupada. Eu já preparava o olhar de ódio, quando percebi que quem estava lá, no meu lugar, no meu pequeno mundo, era você. Não pedi para sentar, apenas me acomodei. Lembro que você não disse nada. Ficou me olhando e aos poucos foi aproximando sua mão da minha. Meu rosto pegou fogo e o estômago congelou. Não consegui dizer nada, assim como não me movi. Estava na teia da aranha, amarrado e feliz, pois não sabia o que aconteceria. Quando sua pele tocou a minha sorrimos juntos. Eu, que odeio demonstrações de afeto em público, levantei, fui até você e dei um beijo na sua testa. Sei lá, sabe aquela maneira de dizer "sim", meio desajeitada? Sabe? Aquela! Isso, foi o que fiz.

Depois disso, nada mais importou, nem o tempo e nem os locais. O meu lugar é o seu e vice-versa. Agora, temos uma mesa só para nós.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Vejo muitas coisas, olho para poucas

Lá fora, a chuva. Aqui dentro, um calor infernal.

Não sei mais o que te dizer. Perdi as palavras. Talvez, tenha que esperar o frio voltar. Pode ser apenas uma "coisa" de tempo. Clima, de repente.

Até penso que tenho certos assuntos a serem tratados com você. Só que o silêncio parece mais cômodo. Para ambas as partes, isso está claro. Perdemos a criatividade. E eu ainda não sei o que fiz para você. Assim como também não sei o que fiz comigo. Só deixei acontecer. Queria ver no que ia dar.

Olho para mim! Ainda vejo aquela parcela da existência com grandes dificuldades em se expressar. Sempre inserida em suas metáforas e palavras ambíguas, sentindo que a insatisfação vem da falta de cobiça por algo que está no cotidiano. A falta de fé aliada ao cansaço mental e solidão compõem as notas dessa música. Trilha sonora de um coração que existe porque é assim que tem que ser. Não há uma opção ou melhor, até existe, mas o preço é alto.

Meus sonhos estão fragmentados como se o espelho que refletisse o rosto tivesse levado um tiro. Vejo pedaços da infância silenciados pelo tempo. Também vejo o presente correndo livre, sem que eu possa controlá-lo. Na verdade, não quero controle. O que eu estou buscando, então? O que eu quero? O que me falta? Não sei. Se soubesse, também continuaria agindo como se me fosse desconhecido. Não mais ouço aquelas vozes que diziam "Ah, você tem que seguir adiante, tem que continuar. Bola pra frente!". Palavras vazias. Quem disse que eu parei com minha vida? É difícil perceber que eu não vivo no mesmo ritmo que as outras pessoas? Às vezes, eu preciso me sentir triste.

E quando a necessidade de alegria surge, acabo ficando irritado. Ir em festas, reuniões de amigos, idas ao parque, não. Não existe fórmula exata e permanente que faça com que a alegria sempre chegue na hora que você mais precisa. Não são apenas essas coisas que me farão sorrir. A minha alegria é aleatória. Se hoje ela vem da fotografia, amanhã pode surgir de um cigarro num banco de madeira.

Já não falo mais em simplicidade. Admito que a complexidade em que fui construído faz tudo soar familiar. Com isso, olho todas as ideias e afirmações como se não passassem de elementos óbvios para compor a felicidade de qualquer humano. Vivi muitos anos dentro do meu mundo. Agora, me sinto um forasteiro no seu. E no de todo mundo.

Barulho, muitas pessoas que não param de falar e os problemas alheios. Contribuição indispensável para o desgosto. Não me interessa se filósofos, religiosos ou psicólogos disseram algo sobre tudo o que já senti e falei. O peso que o mundo tem é algo que varia de pessoa para pessoa. Nunca saberão. No máximo, vão tentar adivinhar e ganhar dinheiro e reconhecimento com isso. Uma forma de alcançar a alegria.

Toda vez que estou no Metrô e alguém me pergunta sobre alguma estação, eu me embaralho. Parece que tudo some da minha mente, mesmo que eu esteja indo para o mesmo local que a pessoa. A mesma coisa acontece com as horas. Não entendo o idioma deles, nem seu jeito invasivo de perguntar as coisas, mesmo com placas e relógios por todos os lados. Como se a confirmação de um ser humano fosse mais confiável do que a precisão mecânica das máquinas. Humano, demasiado humano.


Vejo muitas coisas, mas olho para poucas.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Just hold on to me






Desde o início todos foram contra. Família, a(ini)migos, o mundo. A Ordem perdeu seu valor quando decidimos traçar um destino diferente daquele que Deus especificou em seu Masterplan. Eu nunca disse que seria fácil. Os primeiros dias serão os mais felizes e também os mais difíceis. Mas confie em mim.

O que mais incomoda A Ordem é saber que nem todos vivem o mesmo estilo de vida que seus integrantes. Irrita saber que existem diversas vias para se alcançar a felicidade e nem sempre será simples de compreender. A partir daí, passam a sufocar qualquer tipo de sentimento revolucionário, que na verdade não passa de mais uma forma de dizer o que todo mundo já sabe. Se amor tivesse uma tradução, eu faria questão de nunca procurá-la e principalmente, de entendê-la.

Eles destroem, condenam, amaldiçoam, agridem, matam, ridicularizam etc. Incapaz de sentir empatia, a maioria reivindica os direitos que já tem. O direito de ser branco, de ser católico, de ser heterossexual, de ser norte-americano. Não percebem que eles já tem TUDO. Não percebem que as minorias vivem a mercê de suas decisões e, principalmente, do egoísmo. É como se a maioria se sentisse ofendida por não ser absoluta.

Mas não interessa, pois existe aquele momento de individualidade em que você pode berrar até estourar as cordas vocais. Momento em que você pode entrar em um circle pit e girar até cansar. Pular, dançar, lutar, sempre haverá um lugar para você ser o que é. Independente das normas e condições. Talvez, a moradia da esperança seja aquele espaço que você escolheu como seu. Ou como nosso.

Ninguém percebe que olhamos sempre para o mesmo céu e somos banhados pelos mesmos raios de sol. Aliás, até percebem, mas deixaram de valorizar as coisas simples para criar questões complexas, na intenção de enaltecer a capacidade cognitiva. É uma pena. Conhecimento não é nada sem sabedoria.

Sei que nada vai mudar, pelo menos não enquanto viver. Sei também que é preciso não aceitar, ir de encontro mesmo que o medo seja maior. Também sei que, como já disse em outros textos, eu partiria o mundo em dois por nós. Mesmo que essa metáfora pareça exagerada, acredite, você vai poder segurar e mim quando estivermos destruídos, sujos de sangue e cheio de hematomas. Vou olhar nos seus olhos, dar um sorriso e dizer: "Um dia, haverá um lugar para nós".

Eu sei que haverá. Confie em mim.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

To||Day






Quanto tempo faz que não escrevo sobre o Hoje. Parece que meus últimos textos apenas retratavam a constante fuga da realidade. Talvez eu esteja escutando música demais. Talvez não o bastante.

O ano está prestes a acabar, mas não foi isso que me trouxe aqui. De fato, foram 365 dias de muitas descobertas. Ambíguas, claro. Mas foi bom, apesar de tudo ainda me reconheço diante do espelho. O que mais pesa é o coração, pra variar. Mas agora ele está em silêncio, acho que resolveu dormir... Cansado, sabe?

Os estudos continuam. A vida continua. O emprego me permite ter espaço para escrever e isso vale muito. Muito mais que o próprio salário, tenho que confessar. Pouco me importo, pois me sinto vivo quando decido transcrever meus pensamentos. É algo que me faz pulsar.

Acredito que não tenho mais tanto a dizer sobre 2010. E quanto a mim? Bem, resolvi viver à deriva. Posso falar do agora, mas do futuro pouco sei. Pouco sei, mesmo. Só sinto o que tem para se sentir hoje. Se é para ficar triste, então ficarei até o sentimento passar, afinal, não é assim quando estamos felizes? Sempre passa, sempre.

Good times are like bullets. They come, they go and let us a scar.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Moonspell







Ao anoitecer, resolvi sair e caminhar um pouco. O céu estava bem azul, repleto de estrelas e a Lua envolvida por nuvens. Me senti tão confortável quanto ela. Os pensamentos negativos desapareceram. Foi aí que deitei sobre a grama e dei voz aos meus pensamentos.

Ela sempre esteve ali. Silenciosa e imponente. Na verdade, nunca disse se era ela ou ele. Apenas existia sem se importar com seus admiradores. Quantos corações ela/ele partiu? E quantos outros ela/ele encheu de amor e esperança? Não sei, não procurei saber. Banhava minha pele de um prateado único. Esfriava o solo como se cantasse o sono em notas suaves. Misticismo por trás de três faces.

As cores frias predominavam. Os olhos, cansados da iluminação exagerada, agradeciam pelo "silêncio". Os lábios beijavam o rosto, bem no local onde as lágrimas costumavam escorrer. Neste instante, as folhas das árvores balançavam como se batessem palmas e seus galhos dançavam, livremente. Eu ainda estava parado na grama, sentindo e não mais pensando.

Se tapei os ouvidos, foi para poder ouvir a música. Se os olhos foram selados, é porque queria sonhar, apenas. Se a boca ficou calada, é porque aprender se fez mais necessário do que dizer tudo aquilo que no fundo nunca soube. Talvez, o passo mais próximo do abismo da morte que dei. A ausência preencheu meu ser.

E ela sorria, entre abraços e o sopro do Zéfiro. Eu também sorri. Aquele azul profundo e misterioso alimentava minhas veias como se o universo inteiro precisasse se refugiar dentro de mim. No peito, o calor de um sol aprisionado, incompreendido. Nos olhos, o brilho da Lua.

Nos lábios, a canção que só nós sabemos a letra. Quantas letras para dizer apenas uma única palavra: Silêncio.

E então, todos os problemas se transformaram em poeira.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Seus lábios têm gosto de veneno







Fiz tudo errado e agora estou aqui, sem nenhum ressentimento. Sei que é isso que mais irrita a todos. Foda-se.

Milhões de pessoas espalhadas pelo mundo lutam para fazer parte da maioria. Criam padrões, regras, leis, dogmas, monstros e vários salvadores. Definem valor como dinheiro, honra como genocídio e paz como pretexto para guerra. Excluem as minorias e estas apenas esperam a chance de virar o jogo. No fundo, serão tão assassinas quanto seus algozes. E eu assisto a tudo enquanto sobrevivo aos dias comuns e ridículos. A perfeita reprodução da falta de criatividade pregada por uma estrutura social mecânica e pseudo-democrática.

Os mestres são covardes, os alunos arrogantes. Os governantes desconhecem a ética e os religiosos ainda lutam contra os próprios demônios, sem deixar o moralismo de lado. O que é O Bem? O que é O Mal? Aprovação e reprovação. Yin e Yang. O contraste fundamental entre as cores.

Não há fórmula definida. Ainda bem.

No fundo, o medo é quem condiciona as ações humanas. Até o mais valente tem medo. Medo de demonstrar suas fraquezas. Tão inseguro, tão frágil. Tsc Tsc Tsc. Nem Deus, nem masterplan vão te salvar, acredite.

O veneno. Substância tóxica que resulta em diversos efeitos negativos no corpo. Paralisa, sufoca, queima, corrói, faz sangrar sem parar, explode o coração e esfaqueia o estômago. Uma gota e está feito. Admiro.

Ele nada mais é do que o sangue humano. Vermelho, pode causar todos esses males e ir além: é capaz de se reproduzir em larga escala. Ele carrega os registros de todas as nossas impurezas. Todos os pecados. Lamento, mas ninguém está livre do próprio veneno.

O amor é o mais poderoso deles. Sem uma receita precisa, ele domina a alma e controla o corpo. Você passa a gaguejar, seu coração bate mais rápido, fica ofegante, o estômago gela, os olhos não conseguem manter o foco, a boca fica seca e a pele queima. Viu? Sempre falamos de veneno. No final, sabemos que ele prejudica. Causa ilusões, delírios vindos da febre maldita, conhecida nos cartões de Dia dos Namorados como "paixão". Febre, é isso que é. I've Got to say.

E o antídoto? Sempre partirá do próprio veneno. A cura sempre estará em si mesmo. Eu sou a cura para o meu próprio veneno e você é a do seu. Quando seus lábios envenenados tocam os meus, ambas as toxinas se encontram. Qual a saída? Aproveitar os últimos momentos de vida. E quando você sussurrar nos meus ouvidos? Todos os pensamentos vão morrer como flores secas.

Um dia, tem que acabar.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sobre machados e pincéis




Sempre atento. Olha tudo a sua volta, como se esperasse o movimento mais sutil. Ação e reação. Mantém o foco sem deixar que os pés sejam acorrentados na superfície fria da realidade.

"Você é maior do que eu" (desapontado). Eu acho que não, sinceramente.

O que mais me chama a atenção é aquilo que me surpreende, uma vez que espero sempre o pior de qualquer criatura desconhecida. Talvez seja a natureza humana tomando conta de mim, talvez não. E de fato, me surpreendi bastante. Positivamente, vale ressaltar.

De tempos em tempos encontro pelo caminho aquele universo paralelo ao meu, que se mantém em constante explosão/expansão. Fico parado, muitas vezes observando as histórias e imagens que me proporciona. São cores e mais cores, pinceladas sutis que casam tons e sensações. Consigo visualizar as bordas do infinito quando as ideias nascem feito planetas, prontos para serem habitados. Há uma troca de energias tão poderosa que é capaz de gerar vida, ou de manter a minha, que por muitas vezes fica por um fio.

São pincéis que falam mais do que qualquer texto.

"Os artistas são eternos solitários". Eu acho que não, sinceramente. Mas me conforta, mesmo assim.

O que seriam dos corações se não fossem selvagens e indomáveis? Apenas um órgão vital, coisa que de fato é. O real sentido deles está na sua simbologia, no que ele não é, mas representa. Deixá-lo assim tão solto faz com que as emoções de engano ganhem espaço. Lutar, às vezes, se torna inútil. Você pode ter olhos verdes, castanhos, pode morar perto, pode ter feito as melhores promessas, que ainda assim não vai conseguir o que realmente quer. E será que quer? E o que você quer? Nessas horas, a pequena célula revolucionária se torna dura como rocha, e a mente, dona da razão, se transforma em machado, afiado, pronto para cortar o que for preciso. Ainda assim, como já foi dito antes, a semente faz nascer a árvore. Contudo, é preciso tomar cuidado, pois o machado (razão) pode matar o broto (coração). É preciso mantê-los selvagens e indomáveis, para que vivam o que tiver para ser vivido. é isso que aguardo.

"Não quero ser o 'novo problema'". Eu acho que não, sinceramente. Não será.

Enquanto eu escrevo compulsivamente, alguém tira do branco a condição de absoluto. Mancha com cores aquele plano morto. E cada letra que digito insere o preto que contrasta com a sensação de ausência. Estamos próximos, mesmo tão distantes. Assim deixo fluir o que está dentro de mim, sem a censura de quem um dia teve medo de respeitar o que sentia. Nem todo mundo precisa se pronunciar, só quando chegar a hora. E que horas são?

Entre machados e pincéis eu deixo a minha humilde contribuição: as ...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Cigana Madalena






Precisava checar se o corte no meu rosto era profundo e me mataria. Nas mãos, apenas a faca imunda. Consegui algum reflexo. A cicatriz que me acompanharia até o túmulo era vermelha e intensa, como o coração que minha mãe pariu.

O deserto me chamava, mais uma vez. O pior odor não era o dos cadáveres na beira da estrada. A maldita fragrância do sangue de outra pessoa fazia meu corpo parecer um poço de lixo. E o calor fazia evaporar cada gota do líquido amaldiçoado. Ainda me restavam sete cigarros e seis goles de tequila.

A visão estava turva como se a qualquer momento a ilusão conseguisse me pegar pelas mãos. Eu, filho das areias secas, batizado pelo fogo durante a celebração pagã em que cascavéis dançavam, sabia que os olhos do pai apunhalavam minhas costas, igual a adaga cigana. Nunca tive nada, nem mesmo cheiro.

O meu rastro só podia ser detectado caso fossem reconhecidos os corpos que tentaram me silenciar. Abandono a racionalidade assim como o padre abandona a castidade ao sentir o gosto da sedução. Não me sinto distante das santidades, na verdade, elas sempre estiveram no mesmo patamar que eu. São vazias, de pedra e têm o maldito olhar que te desafia. Se o que fiz foi pecado, tenho certeza que tal classificação foi dada por aqueles que tanto desejaram fazer o mesmo, mas nunca tiveram coragem.

O inferno foi a única verdade na minha vida.

"Ela gritava desesperada, era hora do parto. Praguejava com toda força enquanto expelia de seu corpo jovem aquele caroço. Os cabelos negros brilhavam como nunca e os lábios eram mordidos até que o sangue escorresse. Nasceu o pequeno garoto, em silêncio. Os mais velhos se espantaram, pois mesmo sem emitir som, o garoto respirava e demonstrava estar bem. Tão bem que já podia entender o desprezo da mãe.

Não pensou duas vezes: pegou a adaga cigana e deixou a lâmina bem próxima do pequeno pescoço. Contou até sete e perfurou seu próprio coração. Cuspiu o sangue na cara do bebê e disse para que todos ouvissem: "Aqui está minha vingança".

Foi criado no meio do deserto, sem nenhum tipo de afeto. Comia, dormia e trabalhava apenas.

Um dia, olhou para o horizonte e decidiu largar toda a porcaria que o envolvia. Antes de sair, foi até a velha igreja da cidade e encarou o padre. Aproximou-se dele, e sussurrou em seu ouvido: "Quanto vale a sua fé?". O imundo homem de Deus ergueu sua mão para golpear a cara do jovem e com a mesma adaga cigana que perfurou o coração da bruxa, teve a garganta cortada. O problema dele nunca foi com o Todo Poderoso, mas sim com seus malditos lobos vestidos de ovelhas.

O que ele queria mesmo era uma Desert Eagle, nova e reluzente. "



Anoiteceu. Encontrei uma cabana enquanto andava. Dentro, um velho índio e suas histórias irritantes. Como não tinha opção, deitei próximo à fogueira e fingi estar interessado no que dizia o bode vermelho. Me olhava com espanto, talvez porque eu estava mais destruído do que sua tribo. No dia seguinte nem cabana nem índio estavam no local. Encontrei uma lanchonete. Precisava comer algo além de tabaco.

Ao entrar, nada de novo. Pessoas estúpidas e limpas. Hipocrisia e vontade de matar. Comi qualquer coisa gordurosa e nojenta apenas para não morrer de fome, forma ridícula de perecer, diga-se de passagem. Quando estava saindo percebi que dois homens me seguiam. Parei, encarei aquelas caras de merda e esperei que dissessem algo. Nada. Apenas o sorriso cretino que já explicava tudo. O primeiro é sempre o mais panaca. Veio muito rápido e já deixou claro como seria a investida. Típico movimento de quem não sabe brigar: pulou em cima de mim tentando socar minha cabeça com os braços abertos. Antes que conseguisse tentar pela terceira vez, quebrei 12 dentes dele com uma joelhada. Enquanto tentava respirar e vomitar o que lhe restava de arcada dentária o outro tentou ser mais esperto. Tentou.

Tirou a faca do bolso e como qualquer coiote covarde achou que naquele momento era lobo. Eu que já conhecia os lobos, sabia que aquilo ali era no máximo um bezerro querendo ser carnívoro. Ataca o peito, ataca o pescoço, estava tão nervoso que mesmo se acertasse minha pele, o máximo que conseguiria é um corte dentre milhões que tenho. Sem paciência e com o cigarro quase acabando, fui em sua direção e arranquei a rótula de seu joelho com um chute bem dado. Depois peguei minha cigana e cortei seu calcanhar. Acabaria com ele por último, antes tinha que resolver o problema do banguelo.

Já estava pronto para o 2º Round. Desta vez, pegou um cano velho e veio até mim como uma locomotiva. Acertou minhas costelas e depois meu braço. Olhei para a velha tatuagem e percebi que estava arranhada. Sim, ele conseguiu arrumar uma briga feia. Na investida seguinte, tomei um golpe no pescoço, mas estava tão tenso que pouco senti. Puxei o objeto e com ele veio o braço do infeliz. Quebrei seus dedos e depois o antebraço. Puxei ele mais um pouco e quando estava próximo chutei seu ombro até deslocá-lo. Tombei o corpo e comecei a pisar no rosto, o que desfigurou aquela maldita face. Tentou se proteger, então resolvi finalizar. Me afastei, olhei bem para o seu crânio, comecei a correr e quando estava próximo pulei. Caí com os dois pés sobre a cabeça do idiota. Pronto. Próximo.

Incapaz de ficar de pé, tentou fugir se arrastando. Andei lentamente até alcançá-lo. Peguei o restante de bebida que tinha na garrafa e o fiz engolir grande parte. Tirei do bolso o isqueiro que ganhei de um coração selvagem e coloquei fogo em sua boca imunda. Ele gritava e gritava. Quando me cansei da patifaria, arranquei parte de seu escalpo e durante a "fase agonizante" também arranquei os olhos. Cravei a cigana em sua nuca e sussurrei em seu ouvido: "Quanto custa sua valentia?".

Nunca precisei de direção. Sempre optei pelo caminho da esquerda. Rumo aos Baphomets.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Coração de vidro

Ele adorava ir ao cinema, mas quase sempre se atrasava para a sessão. Para cada momento de sua vida, utilizava um roteiro como alicerce, dando espaço para a imaginação. Talvez por este motivo seus sentimentos fossem sempre selvagens e incontroláveis. A desordem permitiu que voasse mesmo com asas de cera. O sol não foi forte o bastante para derretê-las. Nem ao menos foi capaz de secar as lágrimas.

(...)

Final de semana, feriado, trabalhos e ensaios. Precisava mesmo tirar um tempo para fazer as coisas que gosto, sem deixar de lado as obrigações. Sim, este é o modelo mais comum de vida, a eterna flexibilização das próprias atividades. Em outras palavras, vc se divide em três.

Nunca fui bom para contar sobre meus dias, sendo totalmente fiel ao realismo. No sábado passei grande parte do dia trabalhando com manipulação de imagens e ilustrações. Olhar aquelas páginas digitais em branco me dava vontade de liberar a criatividade, sem nem ao menos considerar os padrões técnicos e tudo mais. Foi assim que fiz.

Depois? Escrever... Consegui ensaiar com a banda. Minha voz está indo embora, cada vez mais rouco, mais grave. Não me importo, que seja eterna enquanto dure. Telefonemas, solidão, angústia. Coisas naturais que não surpreendem mais. Nem me fazem querer morrer.

Não tenho muito o que dizer. Aquilo que não escrevi aqui está guardado num lugar que não precisa de registro. Está no coração de vidro. Estou chateado e vou me sentir assim até que tal sensação me abandone. Tudo poderia ser diferente, não é mesmo? Só que sabemos que não é.

Será que realmente não me faz querer morrer?

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

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Por trás da complexidade de cada estrutura formada por átomos está a superfície lisa da anulação de conceitos e explicações. Surge a supernova de incertezas que de tempos em tempos lembra a todos de que sabedoria não quer dizer supremacia. Cada passo fazia ecoar por quilômetros o barulho da madeira rangendo. O final do corredor parecia não ter fim. A luz no fim do túnel era o sol que se despedia naquela tarde única, como todas as outras tardes.

Os graves envolviam meus ouvidos. Imagens em câmera lenta e os movimentos eram leves. Livres de gravidade. Existe alguma gravidade? Na sacada, apenas o horizonte em constante transformação como se estivesse insatisfeito consigo mesmo. Dele, nasce o olhar do perdido. O sol se vai e a chuva chega, como sempre, para tirar as marcas dos dedos humanos. A terra agradece.

Era a segunda camada da consciência:

Mais para o fundo. Mais profundo. Por debaixo das camadas desconhecidas. O que vi?


"Ruínas. Toda a arquitetura humana reduzida a pó. Casas, prédios, memórias, carros, proezas, conquistas, vitórias, vergonhas, histórias, resistência. Tudo no chão. Na linha limite entre a ausência total de matéria e a plenitude do abstrato. Chovia constantemente. Não havia população, logo, somente a natureza conseguia quebrar o silêncio. Os espelhos não refletiam mais o mundo. Estradas e mais estradas de rastros não batizados. Aquele lugar permitia que a mente se ampliasse. Assim como suas lacunas.

E como voltar? O que me prendia nas camadas superiores? Quem estava me chamando? Alguém tentou me acordar? Para. Deixa o pensamento fluir. Deixa...

O homem apenas registrou sua decadência e tendência suicida.

Desespero e ansiedade
(Inspira)
Já não está tão difícil de entender
(Expira)
A razão abandonou o argumento
(Inspira)
A desordem deu sabor à imaginação
(Expira)
Os nomes ainda causam sensações
(Inspira)
As sensações são queimadas
(Expira)

No final do corredor, após chegar na sacada, o horizonte se decidiu: diante dos meus olhos estava uma enorme montanha e no topo dela uma árvore.

Espere. Em breve, os frutos vão cair.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O papel sujo

Eram textos mecanizados. Foram poucas as vezes em que vi o escritor por trás dos parágrafos ou pelo menos parte dele. São linhas e mais linhas de ausência e formalidades. Tão superficial.

O jornalismo e seus textos técnicos, seguindo padrões e mais padrões que resultam apenas no enrijecer da produção criativa. A bola de ferro no calcanhar de quem só queria caminhar por entrelinhas. Não basta informar. É preciso permitir que o leitor seja capaz de reconstituir o ambiente ou contexto ao redor de si próprio. Faz-se necessário chamá-lo para a responsabilidade diante dos fatos ocorridos, não como mero observador inválido e incapaz, mas como ser ativo e inquieto, inconformado e curioso.

As alternativas para o jornalismo são poucas. Quatro anos na faculdade e você é apresentado a um vasto horizonte, rico em conhecimento e possibilidades. A chance de poder refletir sobre a sociedade e seus fatos, suas crenças, sua cultura. A filosofia, a psicologia, a sociologia... Todas elas, abrindo não só nossas mentes, mas também o coração. Nos faz lembrar que somos humanos e que compartilhamos o espaço com outras e outros e mais outros. Aprendemos sobre alienação e ideologia. Sobre religião e submissão. Sobre arte e contestação. Pensamos na cultura brasileira e suas raízes. Falamos de identidade a partir da memória. Reconhecemos a verdadeira geografia: aquela que derruba muros e fronteiras, que compartilha informação e tradição sem apelar para a hegemonia ou globalização capitalista. Percebe? O contato direto com a chance de fazer tudo de uma forma melhor. Mas então, descobrimos que na prática, nada disso será relevante.

As empresas jornalísticas, seus manuais, suas regras e dependência, a diretoria, os grandes chefes e os partidos políticos fazem do comunicador apenas uma máquina de escrever. Na verdade, somos computadores, apenas. Formatamos textos, assinamos matérias para arcar com a responsabilidade de publicar os pensamentos daqueles que se importam apenas com a reprodução compulsiva de seu dinheiro. O que é o jornalista senão uma peça inanimada? E aqueles que conseguiram se livrar deste destino? Eles existem, eu sei.

Nunca esperei tanto pela revolução, em todas as áreas e em todo o universo. As páginas dos jornais nunca foram tão sujas como as de hoje.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A morte da física







Começou a chover quando estava voltando da escola. Andei mais rápido, mesmo sem querer voltar para casa. Como sempre, sou o único dentro do lar. Minha mãe só chega mais tarde. Meu momento de individualidade. Mais uma vez, agradeço por ele.

No meu quarto, joguei os livros no chão, a mochila sobre a mesa e fui olhar a chuva. Tudo tão azul, tão calmo. Frio e céu nublado. O café estava bom, gosto de café novo, de café velho, de café amanhecido. Apenas gosto, não é difícil de entender. As tintas estavam me aguardando. Sem trocar de roupa, comecei a desenhar e preencher as folhas em branco. Buscava atingir um alto nível de abstração. Cores não mais precisavam casar. Pinceladas não eram escravas de simetria. O barulho das gotas impetuosas era a trilha sonora que escolhi. Não me arrependo de nada, nem da solidão que pedi.

Mas me lembrava dele a cada segundo. De como seriam seus desenhos, como seria a sua tarde chuvosa. Na escola, nos vimos por poucos segundos. Tempo o bastante para ele sorrir e fazer um sinal de "te ligo, mais tarde". Era um amor silencioso, só nosso. Era uma quinta-feira, e eu já estava cansado de pensar no final de semana. Infelizmente, só sou feliz quando as luzes estão apagadas. Mais tintas, menos conversa.

Não posso dizer que "terminei" o que estava fazendo. Odeio colocar um ponto definitivo nas obras que faço (obras, no sentido mais humilde da palavra). Acredito no poder divino das reticências e sua flexibilidade que permite a todos serem felizes. Os finais são sempre iguais. Morte e lágrimas. Não quero isso. Não quero algo que é irreversível. Nem previsível.

Deitei na cama e deixei o tempo correr. Olhava para o teto, sem tentar controlar os pensamentos. Queria liberdade para amar durante a luz do sol. Queria liberdade para trabalhar com o que bem entendesse e não me sentir frustrado ou enjaulado. Mas permanecia sem tentar achar uma solução ou regra para tais vontades. Eram apenas desejos que gritavam e que deveriam ser ouvidos, respeitados. Eu os respeito. São o que são, nunca disseram ser outra coisa. O telefone tocou.

Éramos dois a manter o silêncio. Uma frase solta aqui, outra ali. O que fazia do momento a melhor parte do meu dia era justamente a presença/ausência. Saber que do outro lado da linha alguém também se protegia da chuva, dentro de um cômodo cheio de marcas de tinta e fotos velhas. Era saber que o frio não era tão frio, e a solidão não era tão só. Era apenas uma questão de física. O local, a presença, a matéria, os corpos, os olhares (todos físicos). Não senti falta deles, pois o que tinha ali, naquele momento, era algo a mais. Era cósmico. Era etéreo.

Quando a ligação terminou, fui andar um pouco pela casa. Os móveis velhos de design colonial me faziam lembrar da infância correndo e sempre esbarrando em um deles. As escadas sempre perigosas e enigmáticas. Cada passo poderia ser o último. Quantas vezes eu subi correndo, por felicidade e ansiedade? Quantas vezes eu desci devagar, por medo da bronca ou tristeza em saber que a pessoa na porta não era ele? Escadas que me levaram sempre aonde quis ir, mesmo que por impulso. Minha casa era o registro de mim, que pouco saí, mas muito conheci dali.

Olhava a chuva molhando o quintal. As plantas dançavam conforme o vento ordenava. Maestro daquele dia, sabia conduzir a banda com exímia destreza. Li os livros que deveria ler, fiz os textos que deveria fazer e as exigências foram atendidas. Almoço pronto, casa limpa, roupas trocadas. Agora eu voltava para o quarto sabendo que não mais seria incomodado. Minha mãe chegou, cansada, e foi deitar. Um "oi" do pé da escada foi emitido. Suficiente, por hora. Sussurrei um "eu te amo" e confiei em Zéfiro para levá-lo até ela. Recado dado.

Eu sou assim, continuo dizendo (e sentindo) que não caibo dentro de mim. Ele está do outro lado ainda, mas amanhã vamos nos ver. Dois dias em que esqueço de tudo, e só lembro de nós.

A chuva se foi.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Etion



(...)



Escureceu, agora sim posso abrir os olhos.


O trabalho é mecânico, quase nunca me traz animação ou estímulo. Mas eu continuo, talvez seja pela insatisfação. São tantos papeis, tantas palavras e textos sem valor. É isso que faz o mundo girar, porque é isso que gera dinheiro. As horas passaram - Going Home.

Moro sozinho (comentário irrelevante, eu sei). O que mais gosto? A janela. Fiz questão de escolher o apartamento com a maior. Pouco me importo com portas ou vários quartos. Durmo na sala, assim, posso olhar por ela. Ver a noite, minha companheira. Jantamos juntos e brindamos à solidão. Você consegue reparar na beleza da noite? Os sons diferentes e ousados? Os passos apressados? O céu, a falta de estrelas, a lua...

Não é algo material. Eu encontro abrigo e motivação quando o sol decide dormir. Os livros parecem mais interessantes e os filmes conseguem prender minha atenção. Deixo o telefone de lado, não quero mais ouvir pessoas, quero simplesmente ouvir meus pensamentos. Já basta de outras vozes me dizendo o que fazer ou como fazer. É o momento de individualidade que tanto esperei. Mas quando me canso, resolvo andar pelas ruas misteriosas. Pouca luz, muita desconfiança, insegurança e adrenalina. Não saber como andar pelo deserto faz com que você tenha esperança de estar no caminho certo. Entende? Rasgar os mapas, esquecer de carregar o GPS, o celular. Anular-se.À noite, os passos que dou são só meus, alguns seguem, outros não.

O coração solitário já não se importa mais com a caixa de mensagens vazia. O coração apaixonado resolve distrair o sentimento e ir se divertir. O coração que ama opta pela companhia. O coração selvagem encanta mais de mil corações na mesma noite. O coração doente sai para beber ou fumar alguns cigarros, sem olhar para o relógio. O coração vazio... Esse foi dormir antes mesmo de escurecer. Precisa do dia e da luz do sol intensa para se aquecer e encontrar algum motivo para não se suicidar.

Olho para meus pés, o tênis velho me lembra que já andei demais. Disse a um amigo que odeio ver o dia amanhecer. Ele achou estranho, já que tantos calendários e cartões postais usam tal momento como pano de fundo. É simples, não gosto de presenciar a noite partindo diante dos meus olhos. Preciso terminar este momento com reticências... Resistência.

Durante a noite, eu resgato uma das frases que carrego na alma: Qualquer lugar é o meu lar. Rasguei meus mapas(lembra?). Qualquer lugar é o meu lar se você estiver comigo. E caso não esteja, esse lugar será meu lar, pois tem janelas, as maiores,
e através delas vejo a noite. Vejo você. Vejo nós.

Eu poderia fazer certo com as luzes acesas, mas nem por isso seria melhor. Apague-as.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O seu perfume de canela...






O que esperar do concreto? Do profetizado? Do escrito? Nada. Escuto os pássaros em meio das longas árvores de eucaliptos. Minha fé já não acompanhava os passos perdidos na estrada sem placas.

Um mergulho dentro da própria mente. Arriscado. Todas as coisas que estavam guardadas no inconsciente assumem seu posto na parte mais racional do cérebro humano. Os contos de fadas encaixam perfeitamente em sua vida miserável. Os amigos que você gostaria de guardar no bolso esquerdo ou as cartas de amor que você queria ter entregado. São fragmentos da sujeira que o moralismo colocou debaixo do tapete. Você tem vergonha? No fundo, nunca teve. O problema foi o medo de prejudicar os outros ao respeitar seus desejos. Não é o dono dos adjetivos, nem mesmo de sua retina partida no meio. Tudo que vê são pescoços quebrados e cansados, costas curvadas e cotovelos invertidos.

A respiração muda de ritmo, nada de correr. Apenas caminhar. Escravos do tempo agora olham para os pulsos e não encontram relógios. É desesperador. Eles gritam e o tempo não passa. Os mesmos braços magros. As pernas magras. O rosto magro. Os joelhos magros. Sentei diante da capela e pedi de volta o genes que faltou. Perguntei qual era o problema, qual defeito eu tinha. E nada. As velas se acenderam e as velhas senhoras cantavam em voz baixa aquele hino dos arrependidos. Arrependeram-se de ter nascido. O perfume de rosas me dava náuseas e todas as estátuas de gesso pareciam me olhar com ódio. Se não é aqui que encontrarei respostas então me retiro, e tiro de vocês a fé que depositei.

Caminhar é a melhor opção agora. A pele marcada por agulhas. Desenhos sem sentido e um sono patológico. O solo banhado pelo sangue de índios inocentes. Terra amaldiçoada por aqueles que a fertilizaram. O preço pela prata, ouro e virgens está sendo cobrado agora. Nada mais justo. Sujaram meu sangue com cobiça e narcisismo. Sou aquele fruto que despencou da árvore genealógica. Sou a maçã. A pior dentre as piores. Qual cromossomo está ausente? Os gigantes já não são mais soberanos. Tudo o que tocam, se desfaz. Um brinde à geração Midas, da riqueza à miséria.

Ela prende os cabelos negros com a fita mais bonita. Arruma toda a casa, toma o banho demorado e prepara o "arroz e feijão" mais gostoso do planeta. A música toca e seus quadris acompanham o ritmo sedutor. Toma mais um gole da boa Tequila e pinta os lábios com o vermelho mais intenso. Está linda e pronta. Passa o perfume de canela e agradece pelo alimento. Na outra ponta da mesa está seu parceiro: O assento vazio. Ela sorri tranquila, pois sabe que não é escrava de ninguém. Cozinhava, dançava, ficava bela para si mesma. Coração selvagem e capaz de ir além da maldita rotina. Não era Dona de Casa, era Dona de Si. Tão linda.


Pluguei os cabos e pedais nas veias. Liguei as guitarras e os contrabaixos, no intuito de fazer música. Te chamei para ficar do meu lado. A minha cruz é carregar palavras e mais palavras na mente, sem ter um segundo de paz. Enquanto a sua é descobrir a melhor trilha sonora para conduzir minhas explosões. Sem sua presença nem a ausência do "nós" faria sentido. Fui eu quem lavou seus olhos quando não via mais nada. Foi você quem beijou minhas lágrimas quando nem mesmo os santos souberam o que fazer. Podemos chorar.

Eu e minhas balas de canela.

sábado, 2 de outubro de 2010

Nunca disse que ia ser fácil

Quando reconheci o rosto do outro lado do espelho, percebi que o caminho seria difícil.

Ando pelas ruas de São Paulo e vejo pessoas caladas, com medo ou com receio de se expressar. Percebo olhares de desconfiança e aversão. Imagino a maldita dor de viver anos e anos sem poder correr atrás da felicidade. Eles, elas, não levantam a voz para gritar por direitos básicos, simples. São ridicularizados e por muitas vezes, causadores da própria dor. Há um silêncio tortuoso.

Certa vez, um amigo me disse: "Queria abraçá-los e dizer: 'Calma, vai ficar tudo bem...'". O que eu queria era levantar seus rostos, olhar em seus olhos e dizer: "Eu nunca disse que ia ser fácil. Lute, apenas".

Mas até eu estou cansado, vencido pela falta de esperança. Ainda assim ela renasce a cada filme, a cada música, a cada manifestação. Eu acredito, apesar de tudo.

A voz da igualdade.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

The Sorrow

Não tenho mais nada a dizer. Apenas escrever.

Aos que ficam, minhas últimas palavras:

"Hoje, com o corpo desistindo de lutar contra o tempo e doença, resolvi escrever a todos que me conheceram e fizeram parte desta longa estrada. Saibam que não esquecerei de ninguém, por isso evitarei nomes, cabe a cada um que ler esta carta se encontrar nas minhas palavras. são parte de mim, mas não partirão comigo.

Aos que conheci quando pequeno e não estão mais entre nós, digo que estou chegando e que logo menos poderei cobrar todas as noites sem o abraço do pai, o beijo da mãe, as histórias do irmão mais velho e as confissões da irmã mais nova. A vocês, que já fizeram a passagem, peço que aguardem só mais um pouco. Quero que saibam que, durante toda minha vida, mantive em minhas lembranças o rosto de cada um. Que respeitei o nome de vocês, que fui fraco muitas vezes em pensar que não estivessem mais olhando por mim. Logo estarei aí. Logo...

Aos que viveram comigo durante os anos e com eles, desapareceram eu peço desculpas. Não fui o rei que muitos esperaram, o salvador da prece de outros. Não fui o senhor das palavras, nem mesmo o pai que salvava vidas e voava com uma capa. Não fui o coração mais digno de amor, nem o marido mais atencioso nos primeiros anos. Como filho, tive minhas faltas. Tapei os ouvidos e a mente para a sabedoria. Só ouvi a voz dos meus pais quando estes estavam em silêncio, caminhando rumo ao lugar onde em breve estarei. Quero pedir perdão aos que atingi direta ou indiretamente. Hoje entendo meus erros, mesmo sem ser capaz de apagá-los de suas lembranças.

Aos que me deram amor incondicional, fico agradecido e levo comigo este grande aprendizado. Agradeço por terem feito me lembrar o que de fato sou. Agradeço por todas as noites ouvindo minhas reclamações, por suportarem meu mau humor e por me ensinarem a levantar sozinho, sem depender da pena dos outros que mais parece um par de muletas. Obrigado, obrigado e obrigado.

Já estou distante. Desliguem todos os aparelhos eletrônicos. Não quero jornais perto de mim. Apenas o silêncio. Sim, este é meu último desejo.

Obrigado. "

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Lótus...








Deu o primeiro passo, imergindo dentro da própria existência. Todos os dias, conversava com uma voz distante, que lhe auxiliava e sempre tinha uma palavra amiga a dizer. Isso não se perdeu com o passar do tempo.

Ao entrar em estado de meditação, ele se isolava dos pensamentos ligados ao mundo físico. Era como embarcar em uma viagem importante e também cansativa. Elevar-se ao nível de alguém que já não caminha mais sobre este solo. Não ter que se esforçar para adquirir o ponto máximo de concentração. Era apenas um garoto, mas dedicava-se à mente e à luz como sábio.

Servir... Servir...

Todo o sofrimento do mundo acumulado em lágrimas. Seu sangue escorria por entre os dedos e desaguava como rio pelo chão do templo. Não abria os olhos. Era hora de se projetar para o outro plano. Não buscava o nirvana, ainda, mas tentava encontrar um rumo nos Samsaras.

Chegou a um vasto jardim. Verde como esmeralda e ao olhar para o alto avistou o céu azul como nunca. Nuvens passavam suavemente por cima do infinito pano turquesa. Olhou para si, procurando braços, pernas, um corpo familiar. Nada viu. Apenas a sensação de que sua presença bastava para preencher o espaço. Enxergava muito além, ultrapassava quilômetros. Ouvia uma música sutil de fundo, ela não incomodava, era quase como a brisa leve da tarde. A luz estava em tudo, e em todos. Percebia a existência de outras consciências no local. Ele não existia mais como indivíduo, era parte do Todo. Era o cosmos.

A voz que sempre o fez companhia estava lá. Se pronunciava de tempos em tempos, dando atenção a todos. Nem frio, nem calor, melancolia ou alegria sem fim. Os sentimentos, bons ou ruins, pesam. Ali, não existia peso. O conhecimento era divido igualmente, não havia mais ou menos. Mesmo assim, as lembranças da terra o intrigavam e faziam com que qualquer equilíbrio fosse eliminado. Era hora de atingir o nirvana. Olhou para dentro de si mesmo, transparente feito água e guiou-se pelos labirintos criados ao longo dos anos no mundo. Recobrou os sentimentos, agora potencializados. Chorou quando se viu. Sorriu quando encontrou o caminho da luz. Teve raiva daqueles que causavam o sofrimento alheio, teve pena dos miseráveis e piedade daqueles que o atingiu. Não alcançou o nirvana.

Era difícil entender o que de fato lhe traria tal estado de espírito, até que resolveu silenciar até a própria voz mental, e então tudo fez sentido.

Lhes digo qual o caminho percorrido:

"Anulei-me. Abandonei minha existência não como mãe desesperada que deixa o filho no vale dos perdidos. Abandonei a mim mesmo como a mão que solta o filho para que este caminhe sozinho, firme e forte. Deixei meu ego, partilhei-o com o infinito como luz que deveria ser desde o início. Dos sentimentos fiz apenas uma enorme rede, uma malha de metáforas e cores. Eles estavam ali apenas para me lembrar das cores que o mundo tinha , e não para me prender aos seus caprichos e exigências. O que eu sentia já não podia mais ser dividido. Amor, e suas formas faziam sentido agora.

Abandonei a própria luz que de tão pura me cegava, não olhava mais em sua direção, pois ela já estava dentro de mim. Eu era luz. Todo o barulho se foi. Já não estava mais ali como parte. Havia me dissolvido. Agora, eu era milhares. Então, pude alcançar o nirvana. Digo a todos que, a descrição seguinte não os fará e momento algum sentir o que de fato senti, até que também alcancem o mesmo estado.

Paz e Compaixão.

O santuário se fazia dentro do Todo. O cosmos dançava como água viva pelas correntes de energia pura. Nada se excluía, a beleza era plena. Em tal estado Todos lembramos de vocês que ainda não chegaram ao nível infinito. Todos sentimos compaixão, o amor que se baseia em servir, a capacidade de não ser algo para que vocês possam ser como nós, e um dia serem capazes de deixar este "algo" e também ser Todo. Todos percebemos que o nirvana trazia em si o último grande ensinamento: Não serão O Todo enquanto Todos não estiverem aqui.

Renunciei ao estado maior de espírito e decidi caminhar pela terra novamente. Fiz isto com uma felicidade sem nome, com um amor tão grande. Voltei e aceitei a fome, a doença e a morte como condições. Desci do plano mais alto para ajoelhar-me diante de ti e dizer: Você também alcançará os jardins da calmaria.

Como flor de lótus, nasci mais uma vez em meio à escuridão. Trouxe luz e amor como sementes fiéis. Não sou o caminho, não sou a luz que os aquecerá, sou apenas a prova de que sozinhos, com o próprio esforço, alcançarão a paz. Sou como vocês, uma flor de lótus".

Om.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Só eles sabem



Era cedo, me olhei no espelho e percebi que já não queria mais mudar de nome.

(...)

Sempre quieto, com os olhos bem abertos. Minha mãe costumava dizer que eu tinha olhos gigantes. Nada escapava deles. Ouvia bastante também. Os sons pareciam interessantes, estimulavam minha imaginação. O mundo sempre pareceu grande demais, mesmo não sabendo ao certo o que ele era. Eu estava ali, era só isso.

As outras crianças eram energéticas, barulhentas e não sabiam brincar sozinhas. Às vezes até me interessava por seus movimentos e berros, mas na maior parte do tempo deixava tudo de lado e imergia num oceano de imaginação e fantasia. Sereias feitas com galhos de árvores, peixes feios de papel, barcos que na verdade não passavam de palitos de sorvete. Não sabia quanto tempo durava o tempo. Sabia que o dia começava quando o sol deixava de ser tímido, que a tarde era a hora em que o estômago roncava e que a noite era o momento de jogar a última rodada de "Rouba Bandeira".

Não precisava ser craque para jogar futebol. Mas era necessário saber a linguagem certa a ser usada. O adversário chegou perto de você, silencioso? Ladrão! E quando o seu companheiro de time estava bloqueado por outro jogador, como passar a bola? Fura, fura! Enfim, não tinha protetor solar, nem caneleiras, nada de chuteiras luxuosas ou médico particular. Mangueiras esguichavam água e as gotas escorriam salgadas para os nossos lábios. Éramos irmãos de verdade. E eu, ainda quieto, observava e participava ao mesmo tempo.

Não entendia a revolta de algumas pessoas, não entendia a maneira agressiva com que me tratavam durante um tempo. Mas ainda assim, mantive a mesma calma que os irritavam. Eles nunca entenderiam. Grandes amigos, grandes amores. Sempre haverá aquela garota linda e simpática que parece ter o melhor perfume de todos. Perfume este que marca vários anos da sua vida e quando você o sente novamente, lembra de toda aquela sensação, daquele ano, daquele aniversário em que você ganhou o melhor beijo. Eles ainda não entendem.

A revolta veio como novidade incrível. O mundo já tinha limites, os amigos deixaram de ser como irmãos, ela deixou de ser linda e simpática para se tornar arrogante e insegura. Eu ainda optava pelo silêncio, mas meus olhos queimavam como brasa ao ver alguma chance de explodir e descarregar toda aquela vontade de destruir. O dia inteiro na rua, sempre com o amigo braço direito. Destruindo muros, destruindo caminhões, destruindo sonhos, colecionando brigas e mediando intrigas. A adrenalina era nosso vício. Sair de skate sem saber se íamos sobreviver. Sair para os shows sem saber se íamos voltar inteiros. O Punk Rock o Hard core, que maravilha!

Você deixar o corpo solto durante o bate-cabeça ou nadar no mar de gente ao pular de mosh são coisas que limpam a mente, só que estragam o corpo. Elas agora são mais agressivas, não têm mais perfume de flor. Agora têm cheiro de cereja, olhos bem pintados e curvas quase perfeitas. Dançávamos errado, experimentávamos novos sabores, novos efeitos. O álcool, os cigarros, o ácido, as balas de canela. No final de semana, tempo para jogar bola na rua com os poucos camaradas que permaneceram. Falar de música era algo incrível. Eu ainda optava por escutar mais do que falar ... Novas conversas, novas bandas, arte e liberdade, igualdade e respeito. O Punk evoluiu dentro de mim e então percebi que já era hora de partir para algo além dele.

A fúria se transforma em Street Art, banda, porres, boxe, distorção e poucos amigos. Surge o Reggae, surge o Hip-Hop, surgem os filmes. Tudo o que observei me fez abandonar a necessidade de nomear as coisas e sentimentos. Ele também surgiu, e de cereja passamos para hortelã. Eu, quieto, prestava atenção em seus movimentos e na sua forma de se esconder atrás de discursos sobre si mesmo. Percebi que o amor muitas vezes morre com o silêncio. Eu era assassino do meu próprio amor. Ele nunca soube ler meus olhos, apenas prestava atenção na minha boca, muda. São várias as maneiras de demonstrar que gosta de alguém, e às vezes escolhemos uma forma que não funciona com certa pessoa. Do copo o que mais conheço é o fundo. Bem vinda: Pura, transparente e relaxante. Fiél.

Política, cultura, jornalismo, trabalho, sociedade, revolução, involução. Tudo caminha ao contrário e as pessoas estão cada vez mais vazias. A realidade é a jaula que prende aquele monstro dentro de você. Aquele ser que poderia dar sentido a sua vida. Alienação voluntária, síndrome de gado, abaixar a cabeça e chorar. Apertar a cabeça do filho próximo aos seios e não ter leite para alimentá-lo. Voltei a ficar quieto como no início da minha vida, agora por conhecer uma parte maior do mundo. Religião, não ser religioso, fé, esperança que pressupõe força. Força que é fruto de poder e poder que escraviza as relações humanas. Conhecimento, tão necessário, tão raro.

É, muita coisa, não? Mas eu sei. Você não? Eu sei. Só os loucos sabem.

(...)

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Várias maneiras de dizer ...

Aperta o "Play" e leia o texto.




Nunca menti para você, sempre deixei bem evidente a minha timidez. Certo, você também nunca mentiu, fez questão de jogar sobre mim todas as suas intenções. Quando te via de longe, achava a garota mais pequena, frágil. Até que você chegou perto o bastante para mostrar que o pequeno na verdade era eu. Cabia na sua mão, assim como dentro do seu coraçãozinho selvagem.

Foram dias, semanas, meses de uma felicidade anestesiante. O tédio era ficar longe de você. A solidão estava casada com o maldito silêncio, intacto, que só desaparecia com sua voz. Estávamos felizes, isso é fato. Saber com quem contar, quando contar e não contar quando não quisesse dizer uma só palavra. Sentir-se completo, necessário, enfim.

Nunca segurava sua mão, achava estranho. E, por mais que você aceitasse eu sabia que no fundo torcia para que meus dedos entrelaçassem os seus. Resisti durante um bom tempo, até que fui eu a sentir vontade de segurá-la como se nunca fosse deixar você partir. Talvez agora meu coração estivesse apertado, nele só cabia você. Quase não tinha mais espaço para mim.

Te ouvia com atenção. Não tanto nas suas palavras, mas no seu jeito de dizer as coisas. Um olhar profundo, direcionado à alma, os lábios sempre mais lentos do que o som do que era produzido a cada frase, sim, tinha o dom de prender a atenção. Às vezes parava, ficava em silêncio por alguns segundos, arrumava o cabelo atrás das orelhas e me dava um beijo próximo do local onde as lágrimas escorriam. Eu me perdia nos seus braços, mais uma vez, pequeno.

Não sei aonde nos perdemos, não sei quem separou nossas mãos ou se fomos nós a privá-las da companhia uma da outra. Não sei, e nem procurei saber porque o amor de verdade transcende até mesmo o fim da convivência. Você está tão longe quanto eu, e ainda assim gasto linhas e linhas contigo, não porque te quero novamente ao meu lado, mas porque agora consegui recuperar o espaço que antes não tinha. Já não sou mais tão pequeno assim e você será sempre a lembrança de uma época em que um significava dois.

Te deixar tão livre foi a maneira mais bonita que encontrei de dizer que não te amava mais.

Várias maneiras de dizer "te amo".

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A concepção da Consciência

Concentrado, focado num único ponto. Sua existência se igualava a de um grão de areia no extenso litoral. Olhava para as próprias mãos, sujas de sangue. Tão pequeno, parecia vencido por si mesmo.

Muito antigamente, o universo não passava de uma voz suave, pairando pelo branco infinito. A ausência era a única presença existente. Contudo, um ponto de consciência lutava para ganhar espaço. Sem forma, sem cheiro, sem cor, o pequeno pensamento se concebeu como semente rústica e minúscula.

Nos primeiros momentos foi muito difícil encontrar um ponto de fixação. A mente em expansão tentava desesperadamente reunir qualquer detalhe para que dele fosse dado o primeiro passo. No entanto, o branco absoluto era implacável, frio, e o silêncio submisso se fazia de trilha sonora.

Percebe-se que, os primeiros sentimentos que existiram foram os de tristeza, solidão e desespero. E graças a eles, o grão de areia achou o início daquilo que nunca havia começado. Essas três sensações eram na verdade os primeiros traços coloridos. Uma pincelada no preto acabou com o branco absoluto. Essa cor era fruto da tristeza, sempre rígida. A imensidão tinha profundidade e aumentava-se ali a necessidade de alguém. No mesmo instante, a consciência era agora um ponto de luz, talvez o que havia restado do branco, da claridade. Era preciso destacar-se para existir naquele mar bucólico.

A próxima cor foi o cinza. Pigmentação que cobria a pele da solidão. Era muito complicado para o pequeno “criador” não ter com quem conversar ou com quem dividir suas idéias fulminantes. O tom metálico viajava por anos e anos como uma poeira cósmica que visitava os cantos do universo sem ter um lugar exato para ficar. A solidão era só. Sem perceber, novos elementos surgiam ao redor da consciência, que agora circular. Foi então que aquele branco antes senhor do infinito, voltou para reivindicar sua própria existência.

O desespero tomou conta do broto de luz. Lembrou-se da eternidade que passou rodeado por um deserto de nada. Não era possível descansar, não era possível se concentrar, não havia profundidade, não havia um espaço menor, tudo era baseado na superexposição. Foi então que optou por não se deixar vencer. Estilhaçou todo o branco, levando-o do imenso ao fragmentado. Pequenos pontos cobriam o infinito negro sem substituí-lo. O círculo, já com cabeça, baços, tronco e pernas, percebeu que após a agonia surgia a beleza, uma de suas criações e mãe das estrelas. Estrelas essas que nasceram da explosão desesperada de uma mente que não queria viver o passado.

O garoto, sentado num trono invisível, nem ao menos sabia o que era ser rei. Estava deslumbrado com tudo o que havia criado sem a presença do tempo. Foi então que sentiu um calor tomando conta do peito. Curioso, olhou dentro de si mesmo e então algo magnífico banhou seus olhos: a cor vermelha. Algo pulsava constantemente num ritmo sedutor, que pressupunha vida e principalmente, felicidade. O rosto, antes composto apenas por dois globos que lhe permitiam ver, agora rasgava uma linha bem fina e discreta, batizada de sorriso. Toda aquela euforia já não era bem vinda. As outras três cores, os outros três sentimentos, resolveram se unir para acabar com o tom recém nascido.

Tristeza, solidão e desespero envolviam o vermelho tímido que agora ocupava as bochechas do pequeno artista. O espaço torcia para que a luta não fosse em vão e que o desenvolvimento voltasse a fazer parte de sua rotina. O vermelho agora tentava se defender. Cobria todo o rosto do garoto e alimentava sua pele, dava a ela um tom rosado. A tristeza o fazia lembrar que suas visitas seriam constantes, a solidão sussurrava em seus ouvidos as lamúrias de quem não tem semelhantes e o desespero praguejava contra tudo o que havia sido feito, dizendo que a união de todas as cores sempre resultaria nele.

Ao elevar a consciência a um nível inimaginável, o garoto, evoluído na forma de uma menina com longos cabelos negros, descobriu o amor. O sentimento que tinha por todas as suas criações, até mesmo por aquelas que tentavam se rebelar. A garota aceitou a tristeza, respeitou a solidão e superou o desespero. Ergueu suas pequenas mãos até boca e com uma mordida suave retirou uma gota de sangue. Dali saíram partículas que se tornariam a moradia de seus filhos. A mulher, agora mãe, percebeu que no amor estava a barreira contra o ataque violento dos sentimentos primários. Contudo, sabia que era necessário senti-los de tempos em tempos, para que o tom vermelho não perdesse toda a sua plenitude.

Os filhos do pequeno grão de areia, da mulher de cabelos longos e da grande consciência cósmica nasceram do simples ato da destruição. Uma mordida sutil que arrancou a essência do que era essencial. Uma mordida que mostrou a vulnerabilidade da mulher. Uma mordida que, mesmo causando dor, era compensada pela alegria de não sentir mais tristeza, solidão e desespero. Uma mordida que conceberia a raça mais suicida que já existiu.


Concentrado, focado num único ponto. Sua existência se igualava a de um grão de areia no extenso litoral. Olhava para as próprias mãos, sujas de sangue. Tão pequeno, parecia vencido por si mesmo. Levantou-se, sorriu, admirou sua obra de arte pela última vez e então se espalhou como as ondas. Decidiu que não precisava mais ser a única consciência, mas sim a consciência de todos. A minha, a sua, a de todos.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A casa das Marias

A casa das Marias
Paredes brancas, a escada é branca, os bancos na sacada são brancos. O portão, bem velho e enferrujado, ainda conserva um pouco da tinta branca que há anos cobria as tiras de metal. Era um dia de sol, céu azul e fadiga. Aquela casa me parecia tão misteriosa e quando olhei no relógio já eram 15h da tarde.

Sobe as escadas em passos lentos, mas ainda assim mantém o ar de animação em ver que alguém espera na frente de sua casa. Recebe-me com um forte abraço. Seu nome é Maria. Negra, corpulenta, de mãos firmes e braços aconchegantes, cheirando a maracujá e toda vestida de branco. As unhas estão impecáveis e percebi que ela tinha todo um trabalho especial de manicure. O terreno possuía uma espécie de jardim, com muitas árvores, todas frutíferas. Pés de laranja, limão, manga, maracujá (talvez daí venha o cheiro de Maria), melões pelo chão, mamão, carambola. Um jardim dourado, um mar de diferentes tons de amarelo. No caminho encontrei outra figura, alta, magra de olhar penetrante. Chamava-se Maria.

Olhou-me de cima a baixo, prendeu o cabelo com um grampo que segurava com os lábios e então abriu os braços. No primeiro momento achei que aquela era a "líder" da casa. Depois percebi que estava errado, como quase sempre. Maria perguntou se eu estava com fome. Não costumo aceitar comida quando me oferecem, sei lá, desde pequeno me sentia desconfortável. Mas não recusei desta vez. Maria me deu um doce de maçã, amarelo, delicioso. O relógio no meu pulso não funcionava, ainda estava parado nas 15h.

Ao sentar-me à mesa, duas mulheres pequenas chegaram e se apresentaram: Maria e Maria. Falavam bastante, perguntavam sobre o mundo lá fora como se nunca saíssem de casa. Suas roupas eram mais ousadas. "Shorts bem curtos", camiseta amarrada mostrando a barriga impecável, pernas que brilhavam ao sol como o mais puro petróleo. Lindas, cabelos com dreads e longas argolas como ornamento para suas orelhas pequenas. Riam, infestavam o lugar com uma alegria juvenil. As outras duas Marias riam sem parar. Me levaram para conhecer o dormitório.

No quarto gigante estava sentada uma senhora muito velha. Cabelos brancos como algodão e olhos negros. Não sei por que, mas quando me aproximei dela a primeira coisa que fiz foi beijar sua mão. Senti como se a conhecesse de muitas vidas e ela não disse uma palavra, ficou olhando para o meu rosto, acariciando-o, sorrindo de leve. As outras Marias mantinham um silêncio que refletia o respeito por aquela que, ao meu ver, era a matriarca. Fiquei preocupado com as horas, pois já fazia um tempo que estava entre as Marias e precisava voltar para casa. Meu relógio não funcionava, olhei para o relógio na parede do quarto de Maria e ele marcava 15h.

A primeira Maria que me recebeu queria mostrar o "cantinho" que fizeram no meio das árvores. Era um lugar mágico, onde a brisa tinha perfume de fruta e mesmo com o sol forte não se sentia calor nem frio, não se sentia nem alegria nem tristeza. Era um local onde as Marias se reuniam para ficar em silêncio. Olhei para o topo da mangueira e vi uma pessoa deitada sobre um galho. Ela me encarou e sua expressão mudou bruscamente. Gritou com as outras Marias querendo saber por qual motivo me levaram lá. As Marias explicaram à Maria que eu era apenas um visitante. Maria ainda assim ficou desconfiada de mim e seus olhos puxados como os de um lince me fitavam. Cruzou os braços, resistiu por alguns minutos e depois jogou na minha direção uma manga suculenta. Piscou o olho e saiu andando, descalça.

Tudo estava tão bom e melhorou ainda mais quando ouvi um som de fundo. Uma melodia que me hipnotizou, paralisou meus músculos. Procurei seguir as notas músicas até encontrar o responsável por tal melodia. Na última das árvores estava sentada uma mulher linda. Nem jovem demais, nem velha demais. Ela tinha uma flor amarela no cabelo negro e volumoso. Tocava uma flauta doce, mais doce do que o mel. E mel era justamente a cor de seus olhos. Nunca tinha visto uma pessoa tão linda, dentro de um vestido branco que confortava não só o seu corpo como também meus olhos. Sentei ao seu lado e ela segurou minha mão. Seu nome era Maria. A deusa da música, que tinha perfume de laranja. Fiquei escutando sua flauta até perceber que o sol não ia embora, mas eu precisava ir. Todas as Marias me abraçaram e disseram adeus. Ao sair pelo portão velho e enferrujado olhei no relógio, que agora marcava 15h01.

Sete Marias, negras, lindas, carinhosas, humildes, silenciosas, vivendo num jardim dourado com vários perfumes, com música com fé e com força. Sete formas de amar e de se expressar. Sete caminhos para o coração. Sete mães. Sete pedaços de Deus. Deus, em sete mulheres incríveis. A casa branca de móveis brancos era na verdade o abraço de mãe. O abraço vindo da casa das Marias.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Smoking myself

Dentro do meu carro, com as janelas fechadas e com os pulmões ardendo. Trinta cigarros para 24 horas de esquizofrenia, no banco do motorista, no banco da praça sem ter o que comer, no banco que rouba meu dinheiro todos os meses, no banco que contrabandeia meu sangue. Estralei todos os dedos e mesmo assim continuo mordendo os lábios.

Tive um dia de merda, todos estavam contra mim. Isso não é novidade, nem mania de perseguição. Isso não está definido no seu manual. A rotina reúne em seu útero todas as coisas estúpidas que sou obrigado a fazer, para que estas, num instante mágico, criem algo que nascerá já como herói: O desgosto. Foda-se se você adora ir cumprir suas tarefas diárias. Foda-se mais ainda se você odeia meu olhar vazio ao entrar no matadouro. Não vou te dar o gosto de foder com meu humor, faço isso só de lembrar da sua cara.

Tudo te pressiona. Relógio, transito, filas, escadas, semáforos, faixas, sinalizações, alarmes, travas, senhas, metas, papeis, canetas assinaturas. Corre, pula, explode, esmurra alguém sem motivo, grita, berra, arranca um pedaço da mesa com uma mordida, tira os sapatos, quebra o vidro da janela do escritório, incendeio o refeitório, rasgue seus documentos ... Viva/Morra! Seja seu próprio juiz, se condene, considere-se inocente, mande cortar a própria cabeça. É tanta informação que você atinge a plenitude do Zero. Silêncio.

As cores estão extremamente saturadas, tudo é em exagero, uma porcaria total. Não se pode ficar triste em paz, nem engordar com felicidade, nem se manter magro comendo compulsivamente. Não pode falar palavrão, nem rezar na mesma noite, ninguém pode se sentir bem com finais trágicos ou criar uma bela família sozinho. Não se pode casar com quem sem ama, a menos que este/esta esteja na lista de pessoas respeitáveis. Não se pode deixar de viver, não é permitido conhecer o próprio corpo e os seus limites. Não se pode fazer porra nenhuma nessa desgraça. A unica coisa que é permitida, é a eterna condição de servo, de cordeiro, de massa guiada por alguém/algo/alguma coisa que se auto denominou Superior.

Se a vida é um presente que me foi dado, então que eu a use como bem entender. Se eu tenho livre arbítrio, então que este me liberte e permita que eu tenha a opção de não ser rei ou vencedor. Que eu possa ficar triste, chorar, sem ter que ouvir alguém me dizer "Melhore!". Eu não tenho fé no que o homem diz. Quero amar incondicionalmente quem escolhi, mesmo que não seja recíproco. Prefiro a solidão do que viver numa farsa. Prefiro não me relacionar com outras pessoas até que o amor que sinto torne-se combustível para o meu tipo de humor auto destrutivo. É neste momento que você atinge a plenitude do Zero.

Falto no casamento do melhor amigo, esqueço do aniversário da melhor amiga, deixo de ir visitar os familiares para beber no fundo de casa sozinho. Tiro o telefone da tomada para não receber uma ligação de "Feliz Natal", guardo as cartas de amor que ganhei só para lembrar de como fui patético. Evito os melhores amigos durante horas, converso na Internet mais preocupado com o jogo em que me inseri. Aposto alto, sigo sozinho, tenho momentos de caos e nunca estou só. Isso irrita e conforta ao mesmo tempo. Ah, claro e principalmente, sou um ótimo filho, aparentemente.

Odeio que me toquem sem que eu permita. Que isso fique bem anotado. Ainda sonho com acidentes no Metrô e que esqueci de calçar os sapatos para ir à escola. Dependendo da pessoa e seus argumentos, sou positivo e até um pouco esperançoso. Mas quando converso comigo mesmo, vejo o quão niilista me tornei. Esta é a minha zona de conforto. O garoto que pintava fora das linhas que a professora definia e era humilhado por isso. Aquele pequeno pedaço de desordem que, aos olhos da Laura, deveria ter nascido sabendo. Desenhos em que as casas, pessoas, animais flutuavam e o chão era a coisa mais chata de se fazer. Os detalhes que faziam toda a diferença. Resistiu, engoliu a seco toda a cocaína que acelerava o ritmo daquelas crianças malditas. Foi esquecido no dia da festa pelo próprio par, dançou com um pedaço de madeira e não viu seu pai na platéia. Cresceu sozinho, dentro de uma casa com 3 pessoas. Foram nestes anos que atingi a plenitude do Zero.

O universo foi criados por nós, Deus foi criado por nós, o amor, o ódio. Nós somos tudo. E por este simples motivo, não suportamos nós dentro de nós mesmos. Criamos regras e censuras para que o espírito de fogo não consuma toda a droga de razão que achamos ter. Se nos demos o direito de viver, se criamos o nosso criador, nada mais justo do que preparamos também nossa própria morte. A única espécie suicida do mundo apenas cumpre aquilo que se propôs a fazer. E você não precisa entender um final que já foi escrito antes mesmo do início. Talvez, a chave seja se permitir mais.

Enfim, foda-se.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Who's Veny?

Noite agradável, uma boa dose de vodka pura, apenas um cubo de gelo. Hoje vejo que a melhor coisa que fiz foi escolher uma janela bem grande para a sala. Vejo a Lua nua, completa, e as estrelas tentam driblar a fumaça cinza da cidade. é uma batalha justa. Depois de um dia cansativo tudo o que mais quero é poder saborear a noite.

Na cozinha, muita coisa para ser lavada. Resolvi que me daria um jantar de classe. Fiz as coisas que mais gosto e comprei outras que não sabia preparar. Um dos maiores prazeres da vida é comer. As pessoas evitam isso simplesmente porque não sabem aproveitar o momento, comem feito criaturas doentes. Trilha sonora: Jill Scott. Perfeita. Foi então que o destino me pegou assim que a música You Got Me começou a tocar. O tempo ficou lento, de repente o som foi diminuindo e eu não conseguia me mexer. Perdi a noção de espaço. Acho que neste momento ganhei uma percepção ampliada que me fez ter a noção do que não tem explicação.

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Corre, existe um exército atrás de você. Eu me vejo dividido, me alerto, me salvo, me resguardo e participo da corrida psicótica por um segundo de respiração profunda. As ruas se tornam verdes e as casas estão pegando fogo. Olho para as janelas e percebo que são todas pequenas, sufocantes. A voz está distante, mas ainda assim me guia. Perco meus sapatos e isso me desespera. Vejo vagões de trem despencando de pontes. Tudo completamente vazio de gente, só existem pessoas correndo atrás de mim, de você.

Quando as pernas já não respondem mais, eu paro com a corrida. Tapo os ouvidos e grito com toda a força. Todo o cenário começa a mudar e as pessoas tornam-se falcões. Sobem imediatamente para o céu roxo e lá ficam me observando, esperando que o sangue dos meus joelhos criasse um rio onde matariam a sede. Foi então que deixei a minha mente recriar o ambiente. Casas de madeira, flechas nas árvores, rios prateados, muitas árvores, uma estátua gigante, cega e sem um dos braços. Uma fúria crescia dentro do meu peito, e então o céu que era roxo transformou-se em uma massa densa e cinza. Os falcões morriam a cada raio lançado sobre suas asas. Todos no chão, se uniram e formaram Ícaro. Velho, acabado, com asas postiças, implorando pelo meu perdão. Queimei-o vivo.

Todos me temiam, eu criava e recriava. Ninguém mais me perseguia, ninguém mais olhava diretamente nos meus olhos. Acabava de ser nomeado Rei do Caos. Construí um castelo com os ossos de Ícaro. Sentei em meu trono e tirei das cinzas a matéria prima para criar meus filhos. Nasceram sem olhos, sem ouvidos, sem dentes, com os cotovelos invertidos. Eu odiava a beleza, ela me excluiu uma vez, hoje sou eu que a excluo.

No segundo dia, destruí todas as criaturas. As sementes que plantei não cresciam. Puxei para fora do meu braço uma de minhas veias, esperando coletar meu sangue e dali me duplicar. Mas só consegui areia. Eu estava cheio de areia e no lugar do coração crescia um cactos. Eu podia tudo, mover montanhas, secar rios, inverter céu e mar. E nada conseguia matar minha insatisfação. Cansado de tudo aquilo, eu criei a melhor das minhas invenções: A morte. E para arcar com a responsabilidade de me guiar pelo desconhecido criei Deus. Tirei o peso das minhas costas. Ele me pegou nos braços e me apagou, fez de mim sua consciência censurada e perigosa. Tornou-se perfeito no exato momento em que transferiu minha existência para o vácuo do universo, me condenando a permanecer em constante expansão. Jamais caberei dentro de mim mesmo.

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Passaram-se 5 horas. O relógio havia despertado e no momento em que cai ainda tocava You Got Me. Voltei para a janela e olhei para a Lua que já despedia. Pela primeira vez, prestei atenção no espaço e seu vazio infinito. Fui dormir.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Interesse desproposital

Simplesmente sonhei com os olhos verdes e assim as coisas ficaram. No fundo eu já nem busco mais explicação/solução para as vontades que me surgem subitamente. Faz um bom tempo desde a última vez que estive por aqui. Optei por refletir um pouco mais, tentar compreender coisas que já foram compreendidas. No fundo, era a tentativa de criar uma "releitura" do que me foi apresentado como "verdade".

Muitos filmes, muita música, bebida suficiente pra não me deixar impaciente. Inconstante durante as obrigações e rotina, permanente quanto ao que é invisível e incontrolável. Talvez esteja me referindo ao destino. Mesmo sem acreditar muito nele eu o respeito, não por medo de suas decisões, mas por admiração. Admiro a capacidade que ele tem de me contrariar, e dias depois mostrar que eu estava realmente me enganando, não sendo enganado. Complexo, tenso, irritante...

Cansei de ficar sozinho. Mas tenho preguiça de procurar. Bastava seus olhos verdes saírem do sonho e virem aqui me buscar. Simples, não?

( x ) Sim ( x ) Não ( x ) ...

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Parte de mim corre para qualquer direção.

Estava concentrado nos meus livros. O terceiro cigarro já é tão familiar que parece durar muito mais tempo que os anteriores. Depois de tanto tempo esperando você aparecer resolvi deixar as lembranças para trás, desviando o pensamento para outra direção que não aquela que me levava direto aos seus olhos.

Tinha começado a escrever um conto. Era uma das formas que encontrei para descarregar a angústia ou culpar alguém pela sua ausência. Na verdade, eu sabia que a culpa era minha também. Os últimos meses serviram para que eu ocupasse toda a minha agenda. Coisa que eu odiava fazer. Mas parece que esta era a única forma de levantar todos os dias mesmo que estes já não tivessem cor alguma. Era sobreviver a mais um dia comum, estúpido repleto de pessoas que me atormentavam justamente por tentar me ajudar. Ajuda essa que eu nunca pedi. O mundo custa a entender que nem todos querem ser salvos, nem todos querem superar. Existem histórias que acabam mal, e deixam uma tristeza crônica somente pelo fato de que o final é como é. Nem todos os contos acabam em felicidade. Talvez nem tenha percebido quantos olhares e sorrisos recebi. Estava vazio.

Confesso que o meu lado criativo se sentiu muito contente com tudo isso. Eu criava na compulsão, não via mais arte, não via mais estética ou aura. Criava apenas para evitar me destruir. A vodka já não era mais tão relaxante. Criar tinha se tornado a razão de viver. Imagine, você ser feliz por longos anos e um dia a felicidade desaparece. E você tem que acordar para trabalhar, você tem que fazer tudo o que fazia, mas agora sem sentir vontade alguma. Você olha para o lado e vê casais felizes brigando, traindo uns aos outros, enquanto tudo o que mais desejava era ter de volta a outra metade do seu coração. Imagina, que droga deveria ser viver assim. Pois é.

Um dia, quando fui até a cozinha pegar mais café o telefone tocou. A voz demorou a responder, mas quando o timbre meio rouco tocou meus tímpanos não tive dúvida. Era você. Por te conhecer bem sei que não ia dizer o que estava acontecendo logo de primeira. Então, resolvi jogar qualquer assunto idiota para dar espaço a sua pessoa. Pois bem, quando percebi já estávamos falando de suas angustias, de suas decepções com o mundo. Adorei ouvir você admitir que eu "tinha razão", mas nem por isso me senti vitorioso. Não, a minha vitória foi não ter tirado de você o direito de errar, se decepcionar e se levantar com as próprias pernas. Nunca estivesse ao seu lado para viver sua vida como vivi a minha. Estava do seu lado para garantir que você não ia correr e se esconder. Apenas isso, mais nada. Ah, também estava lá porque te amo, e acima de qualquer outra coisa, te admiro.

Tem coisas que são simples, outras que são complexas mas breves. Algumas vezes não queremos parecer sentimentais ou admitir que o calor da paixão nos pegou. Mas no fundo, nunca tivemos dúvida daquilo que buscávamos, mesmo que não houvesse nomes ou cartões de Dia dos Namorados.

Não larguei os livros nem os cigarros e muito menos os filmes por sua causa. Não parei a minha vida ou deixei de criar dentro do meu mundo que se auto consome. Apenas deixei que você sentasse ao meu lado novamente, me abraçasse e desse cor às pinturas que fiz desde então.

sexta-feira, 9 de julho de 2010




Passaram-se duas semanas. Os primeiros dias não foram tão fáceis. De início parecia que toda a minha energia havia se esgotado.Não tinha ânimo para levantar, não queria encarar o dia e suas exigências patéticas. Mesmo assim levantei e fui adiante. Gosto amargo na boca, estômago gelando, impaciência, vozes dizendo para colocar um ponto final naquela situação. Crises que surgiam do nada e muitas vezes me faziam descontar a raiva nas pessoas erradas. Na verdade, não havia uma pessoa certa e isso me irritava.

Nos dias seguintes o silêncio tomou o lugar da agitação/insatisfação. Não queria falar, não queria responder, não queria perguntar. Saía do trabalho e andava pelas ruas, observando as pessoas e o mundo que as rodeava. Me afoguei nos filmes, mas parecia que quanto mais eu acertava na escolha, mais distante ficava da esperança que deveria me servir de base. Ou talvez fosse me servir de muletas. Evitei encontrar os amigos e estava mais uma vez me colocando num canto escuro e ridículo, um lugar que eu nunca fiz questão de ficar, pois trocava a tristeza pela cólera. Mais alguns dias passaram e eu comecei a andar novamente.

Isso não significa que as coisas tinham melhorado. Não, elas simplesmente perderam o "ar" de novidade. Voltei às bases, recuperei uma certa segurança e frieza que me eram familiares, foi assim que me ergui mais uma vez, mesmo sentindo meu coração mais pesado do que um rochedo. Distrai a mente com atividades superficiais. Admito, funcionou. Precisava gastar energia de alguma forma. Caminhar me faz bem, parece que o tempo fica mais lento e eu posso pensar em todas as coisas que preciso resolver ou que já não fazem mais sentido para a minha vida. Estava limpo, recuperando uma firmeza que já não lembrava como era.

Foi então que fiquei diante do vício. Diante daquilo que estive lutando contra durante todos estes dias. Não foi fácil, nem bom nem ruim. Foi meu batismo de fogo. O que vai ser? Não sei, nem procuro saber.

Na faixa que envolve meu coração, todos esperavam ver um nome ou uma declaração. Decepção, vazia de letras a faixa só deixa claro algo que sempre fez todo o sentido para mim: Meu amor não precisa ser intitulado, o nome dele é invisível para a maioria.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Disparos




As palavras que vierem à cabeça serão escritas. Portanto, não espero muito sentindo

Angustia
Respiração
Cinza
Música
Tempo
Saudades
Nostalgia
Paixão
Solidão
Medo
Força
Orgulho
Casa
Campo
Verde
Nuvens
Chuva
Abraço
Carinho
Lembrança
Lábios
Falta
Dor
Ausente
Vazio
Morrer
Horizonte
Amanhecer
Interrupção
Preso
Preço
Peso
Verdade
Silêncio
Raiva

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