A casa das Marias
Paredes brancas, a escada é branca, os bancos na sacada são brancos. O portão, bem velho e enferrujado, ainda conserva um pouco da tinta branca que há anos cobria as tiras de metal. Era um dia de sol, céu azul e fadiga. Aquela casa me parecia tão misteriosa e quando olhei no relógio já eram 15h da tarde.
Sobe as escadas em passos lentos, mas ainda assim mantém o ar de animação em ver que alguém espera na frente de sua casa. Recebe-me com um forte abraço. Seu nome é Maria. Negra, corpulenta, de mãos firmes e braços aconchegantes, cheirando a maracujá e toda vestida de branco. As unhas estão impecáveis e percebi que ela tinha todo um trabalho especial de manicure. O terreno possuía uma espécie de jardim, com muitas árvores, todas frutíferas. Pés de laranja, limão, manga, maracujá (talvez daí venha o cheiro de Maria), melões pelo chão, mamão, carambola. Um jardim dourado, um mar de diferentes tons de amarelo. No caminho encontrei outra figura, alta, magra de olhar penetrante. Chamava-se Maria.
Olhou-me de cima a baixo, prendeu o cabelo com um grampo que segurava com os lábios e então abriu os braços. No primeiro momento achei que aquela era a "líder" da casa. Depois percebi que estava errado, como quase sempre. Maria perguntou se eu estava com fome. Não costumo aceitar comida quando me oferecem, sei lá, desde pequeno me sentia desconfortável. Mas não recusei desta vez. Maria me deu um doce de maçã, amarelo, delicioso. O relógio no meu pulso não funcionava, ainda estava parado nas 15h.
Ao sentar-me à mesa, duas mulheres pequenas chegaram e se apresentaram: Maria e Maria. Falavam bastante, perguntavam sobre o mundo lá fora como se nunca saíssem de casa. Suas roupas eram mais ousadas. "Shorts bem curtos", camiseta amarrada mostrando a barriga impecável, pernas que brilhavam ao sol como o mais puro petróleo. Lindas, cabelos com dreads e longas argolas como ornamento para suas orelhas pequenas. Riam, infestavam o lugar com uma alegria juvenil. As outras duas Marias riam sem parar. Me levaram para conhecer o dormitório.
No quarto gigante estava sentada uma senhora muito velha. Cabelos brancos como algodão e olhos negros. Não sei por que, mas quando me aproximei dela a primeira coisa que fiz foi beijar sua mão. Senti como se a conhecesse de muitas vidas e ela não disse uma palavra, ficou olhando para o meu rosto, acariciando-o, sorrindo de leve. As outras Marias mantinham um silêncio que refletia o respeito por aquela que, ao meu ver, era a matriarca. Fiquei preocupado com as horas, pois já fazia um tempo que estava entre as Marias e precisava voltar para casa. Meu relógio não funcionava, olhei para o relógio na parede do quarto de Maria e ele marcava 15h.
A primeira Maria que me recebeu queria mostrar o "cantinho" que fizeram no meio das árvores. Era um lugar mágico, onde a brisa tinha perfume de fruta e mesmo com o sol forte não se sentia calor nem frio, não se sentia nem alegria nem tristeza. Era um local onde as Marias se reuniam para ficar em silêncio. Olhei para o topo da mangueira e vi uma pessoa deitada sobre um galho. Ela me encarou e sua expressão mudou bruscamente. Gritou com as outras Marias querendo saber por qual motivo me levaram lá. As Marias explicaram à Maria que eu era apenas um visitante. Maria ainda assim ficou desconfiada de mim e seus olhos puxados como os de um lince me fitavam. Cruzou os braços, resistiu por alguns minutos e depois jogou na minha direção uma manga suculenta. Piscou o olho e saiu andando, descalça.
Tudo estava tão bom e melhorou ainda mais quando ouvi um som de fundo. Uma melodia que me hipnotizou, paralisou meus músculos. Procurei seguir as notas músicas até encontrar o responsável por tal melodia. Na última das árvores estava sentada uma mulher linda. Nem jovem demais, nem velha demais. Ela tinha uma flor amarela no cabelo negro e volumoso. Tocava uma flauta doce, mais doce do que o mel. E mel era justamente a cor de seus olhos. Nunca tinha visto uma pessoa tão linda, dentro de um vestido branco que confortava não só o seu corpo como também meus olhos. Sentei ao seu lado e ela segurou minha mão. Seu nome era Maria. A deusa da música, que tinha perfume de laranja. Fiquei escutando sua flauta até perceber que o sol não ia embora, mas eu precisava ir. Todas as Marias me abraçaram e disseram adeus. Ao sair pelo portão velho e enferrujado olhei no relógio, que agora marcava 15h01.
Sete Marias, negras, lindas, carinhosas, humildes, silenciosas, vivendo num jardim dourado com vários perfumes, com música com fé e com força. Sete formas de amar e de se expressar. Sete caminhos para o coração. Sete mães. Sete pedaços de Deus. Deus, em sete mulheres incríveis. A casa branca de móveis brancos era na verdade o abraço de mãe. O abraço vindo da casa das Marias.
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