terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Partes

Dezembro de 2013, Paraty - RJ.

Partir

Sair. Permitir-se partir. Ir. E voltar para quê? Para quem? Nunca se sabe. Ainda assim, deseja-se ser.
Ser para crer. A experiência que preenche parte do que chamo de "ter". Só tenho memória, só o que vivi e experienciei. No mais, sempre falta.
Ser vivo pra sair de si e andar por aí. Parte ficar. Parte ir.

Língua

Seu idioma, suas escolhas e a cor azul insistindo em destacar seus olhos transcendem o "não saber o que dizer". Emudecem pela quantidade absurda de palavras que a serem ditas mesmo malditas. Algo como falar a língua da vontade à vontade.
Melhor que cale um canto da boca pra ver se o canto do peito sufoca e se cala.
E se cala?
Sente. Não canta.

Pedaço

A carne pulsa. Sente fome. Busca. Demonstra-se, esparrama-se e, ao anoitecer, dispõe seus pedaços na bandeja de oferenda. Rende-se.
Carne não é fraca, carne não é trêmula. Carne é pedaço duro, rígido e tenro do mais impuro desejo.
Vem com sangue porque não se faz mundana e humana sem antes benzer-se de maculação.
O pecado da carne foi sempre sangrar e nunca morrer.

Tombo

Ele perde o compasso, cai nas ladainhas da razão, mas não desgruda o rosto do sorriso. Diante do penhasco, não sentiu desejo algum. Queda, ascensão? Não.
Lá, prestes a não mais se prestar à coisa alguma, preferiu sorrir e camuflar o nervosismo adolescente de um corpo mal transado.
Só foi até o tal pico para provar que seria capaz de besuntar os lábios gélidos e altos da morte com sua vivacidade leonina. Mas não voltou. Leão das montanhas. Não refez o caminho. Admitiu ter perdido sua principal guia: a vontade de sumir.

Digo

Insisto em acreditar que me faço entender por meio do silêncio.
Entre os possíveis muitos motivos existe um que merece atenção: quando não digo o que tenho para dizer, abro espaço para o "nada" acontecer. E então tudo se torna interessante.
Sou eu que respondo perguntas, invento passados e me divirto ao ditar futuros. Sou eu, tipo Deus.
Mudo para o mundo. Mas mudo acompanhado do meu silêncio.

Despertador

Foi-se o tempo em que para dormir bastava fechar os olhos. Agora, você, eu, nós todos passamos horas tentando reconquistar o desprendimento perdido. O dia acaba, os minutos se esgotam e seguimos atados à rotina incansável. Sempre alertas e vigilantes. Cambaleando exaustos entre garrafas e bitucas.
Nunca de olhos fechados.
Como desligar? Basta nem ligar. Boa n.


sábado, 18 de janeiro de 2014

Fim sem fim

As letras subiam lentamente, revelando nomes sobre nomes. Fiquei. O envolvimento com o enredo e seus personagens me prendeu. Na verdade, comoveu. E eu não me movi. Eles contaram sobre nós. Interpretaram uma vida que nunca vivemos ou partilhamos. Aquela história com fim sem fim.

Jurava que não sentiria mais nada. Que o sentimento havia amadurecido e dele não escorreria suco algum pra adocicar lábios e ideias. Muito menos pra lambuzar de desejo o sossego. O que antes era uma eterna manhã de chuva torrencial havia se tornado tarde de brisa suave, risadas que faziam o peito vibrar e um companheirismo fraternal. Meu coração, por sua vez, repetia que tudo não passava de encenação. E então decidiu se calar. Foi procurar algo para assistir e achou a cena que o levaria ao clímax da tristeza: num único frame, um beijo. O seu, não no meu. O seu, não o nosso.

A luz se encolheu no canto da parede para destacar os dois corpos mesclados. Vermelho e branco. Jogo de sombras pra me confundir. Mas de trevas eu entendo. Com toda a nitidez de um sentimento aguçado, observei o ato. De um lado, a razão rasgava um sorriso de alívio. Do outro, o amor - que só conjuga verbos no imperativo - soltou um bocejo de fome e desânimo que dizia "cale". Achei que não me surpreenderia com um roteiro tão previsível. Achei que fosse a chance de passar por meu batismo de fogo sem dar bênção às emoções de engano. Só que doeu como ontem e como sempre. Como se nunca tivesse deixado de doer. E a trilha sonora - antes tropical e animada - bateu nos meus ouvidos como carnaval decadente cujo primeiro dia de desfile já trazia as cinzas.

Corte.

O mesmo filme. Os mesmos papeis. Um roteiro conhecido por dois desconhecidos. Começou no meio pra nunca chegar ao fim.

Sem final feliz. Eu quis.