terça-feira, 14 de setembro de 2010

Lótus...








Deu o primeiro passo, imergindo dentro da própria existência. Todos os dias, conversava com uma voz distante, que lhe auxiliava e sempre tinha uma palavra amiga a dizer. Isso não se perdeu com o passar do tempo.

Ao entrar em estado de meditação, ele se isolava dos pensamentos ligados ao mundo físico. Era como embarcar em uma viagem importante e também cansativa. Elevar-se ao nível de alguém que já não caminha mais sobre este solo. Não ter que se esforçar para adquirir o ponto máximo de concentração. Era apenas um garoto, mas dedicava-se à mente e à luz como sábio.

Servir... Servir...

Todo o sofrimento do mundo acumulado em lágrimas. Seu sangue escorria por entre os dedos e desaguava como rio pelo chão do templo. Não abria os olhos. Era hora de se projetar para o outro plano. Não buscava o nirvana, ainda, mas tentava encontrar um rumo nos Samsaras.

Chegou a um vasto jardim. Verde como esmeralda e ao olhar para o alto avistou o céu azul como nunca. Nuvens passavam suavemente por cima do infinito pano turquesa. Olhou para si, procurando braços, pernas, um corpo familiar. Nada viu. Apenas a sensação de que sua presença bastava para preencher o espaço. Enxergava muito além, ultrapassava quilômetros. Ouvia uma música sutil de fundo, ela não incomodava, era quase como a brisa leve da tarde. A luz estava em tudo, e em todos. Percebia a existência de outras consciências no local. Ele não existia mais como indivíduo, era parte do Todo. Era o cosmos.

A voz que sempre o fez companhia estava lá. Se pronunciava de tempos em tempos, dando atenção a todos. Nem frio, nem calor, melancolia ou alegria sem fim. Os sentimentos, bons ou ruins, pesam. Ali, não existia peso. O conhecimento era divido igualmente, não havia mais ou menos. Mesmo assim, as lembranças da terra o intrigavam e faziam com que qualquer equilíbrio fosse eliminado. Era hora de atingir o nirvana. Olhou para dentro de si mesmo, transparente feito água e guiou-se pelos labirintos criados ao longo dos anos no mundo. Recobrou os sentimentos, agora potencializados. Chorou quando se viu. Sorriu quando encontrou o caminho da luz. Teve raiva daqueles que causavam o sofrimento alheio, teve pena dos miseráveis e piedade daqueles que o atingiu. Não alcançou o nirvana.

Era difícil entender o que de fato lhe traria tal estado de espírito, até que resolveu silenciar até a própria voz mental, e então tudo fez sentido.

Lhes digo qual o caminho percorrido:

"Anulei-me. Abandonei minha existência não como mãe desesperada que deixa o filho no vale dos perdidos. Abandonei a mim mesmo como a mão que solta o filho para que este caminhe sozinho, firme e forte. Deixei meu ego, partilhei-o com o infinito como luz que deveria ser desde o início. Dos sentimentos fiz apenas uma enorme rede, uma malha de metáforas e cores. Eles estavam ali apenas para me lembrar das cores que o mundo tinha , e não para me prender aos seus caprichos e exigências. O que eu sentia já não podia mais ser dividido. Amor, e suas formas faziam sentido agora.

Abandonei a própria luz que de tão pura me cegava, não olhava mais em sua direção, pois ela já estava dentro de mim. Eu era luz. Todo o barulho se foi. Já não estava mais ali como parte. Havia me dissolvido. Agora, eu era milhares. Então, pude alcançar o nirvana. Digo a todos que, a descrição seguinte não os fará e momento algum sentir o que de fato senti, até que também alcancem o mesmo estado.

Paz e Compaixão.

O santuário se fazia dentro do Todo. O cosmos dançava como água viva pelas correntes de energia pura. Nada se excluía, a beleza era plena. Em tal estado Todos lembramos de vocês que ainda não chegaram ao nível infinito. Todos sentimos compaixão, o amor que se baseia em servir, a capacidade de não ser algo para que vocês possam ser como nós, e um dia serem capazes de deixar este "algo" e também ser Todo. Todos percebemos que o nirvana trazia em si o último grande ensinamento: Não serão O Todo enquanto Todos não estiverem aqui.

Renunciei ao estado maior de espírito e decidi caminhar pela terra novamente. Fiz isto com uma felicidade sem nome, com um amor tão grande. Voltei e aceitei a fome, a doença e a morte como condições. Desci do plano mais alto para ajoelhar-me diante de ti e dizer: Você também alcançará os jardins da calmaria.

Como flor de lótus, nasci mais uma vez em meio à escuridão. Trouxe luz e amor como sementes fiéis. Não sou o caminho, não sou a luz que os aquecerá, sou apenas a prova de que sozinhos, com o próprio esforço, alcançarão a paz. Sou como vocês, uma flor de lótus".

Om.

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