quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Nuvem de sono

- O que foi? De repente você ficou sério.
- Nada, eu tenho dessas coisas...
- Não foi bom? Você estava sorrindo tanto, achei que era de prazer.
- Mas era prazer, sim. É só que... Às vezes custo a acreditar que posso me sentir tão bem assim.
- Pois acredite. É real, eu sou real, nós somos. Os beijos, teus olhos perseguindo os meus... Tudo real.
- Bom ouvir isso.
- Mas agora você está distante. Diferente. Tem uma nuvem sobre seu rosto.
- Acho que vai chover.
- O quê? Por que essa lágrima agora? Fale a verdade, o que está acontecendo?
- Nada, é só chuva... Precisa escorrer por mim... Precisa me molhar... É vida, só isso.
- Espero que não esteja chateado mesmo. Sério, encoste a cabeça aqui...
- Posso ficar só em silêncio?
- Sim... Mas por quê?
- Porque eu amo dormir com o barulho da chuva.

Corpo meu

Calor da palma da mão sobrevoando a pele, sem tocar o solo coberto pelos pelos do couro. Negaram-me o endereço do meu corpo, mas eu o descobri vagando por outros corpos. Encontrei o caminho até mim e decidi não voltar.

O toque. Trêmulo e inseguro. Suavemente, espalhava por minhas pernas o desejo puro, hidratando cada poro sedento. Garoava no pico dos meus joelhos e o barulho do chuvisco era de enfeitiçar.

Foram anos e mais anos ouvindo péssimas histórias sobre meu corpo. Criaram fábulas covardes e monstruosas para afastar a vontade de me comer - pelo menos uma vez na vida - sem sentir culpa fajuta e passageira. Ela vai. O desejo finca.

Hoje eu me possuo. Invado minhas partes com a intensidade que quiser. Tem dias que sou só saudades e corro para o abraço solitários dos meus próprios braços. Em outros, apenas acaricio a barriga como se algo ali dentro existisse algo além de mim. Esqueço do gênero, esqueço do peso e apenas me deito. Eu me sinto. Deixo que floresçam o mangue de barba, raspo o teto das ideias, desenho sobre os ossos e me perco quando encontro a nascente da pubis, local onde minha consciência morre a cada mergulho. Eu não sei de nadar.

Assim vou, assim eu fui, assim eu me consumo. E sempre que (im)possível, sumo.

sábado, 11 de outubro de 2014

O álcool nunca foi meu inimigo

Pelo contrário, sem ele eu não seria - de fato - eu. Com a ajuda dele, reaprendi a chorar. Encontrei, forçosamente, o valor em chorar. Tive crises que jamais seriam aceitas pela razão a bom grado. Caí de uma forma vergonhosa e - pasme - levantei. O álcool nunca foi meu inimigo.

Após uma reunião amistosa entre amigos e desconhecidos, pude desfrutar de um mundo atípico. Vi gente triste enchendo a cara para se tornar mais alegre (eu, por exemplo); gente bem resolvida que não reflete sobre a vida, apenas vive; gente que eu desejei nos momentos de loucura; gente que eu quis por querer - e por inteiro; gente.

E nada, absolutamente nada, conectava-se comigo. A luta constante por manter em mim o mínimo de racionalidade (a moeda de troca do respeito), custava - e custa - muito. Muito mesmo. Viver num mundo que não te aceita e que te odeia é como ter um pesadelo. Você vive a ilusão da sua realidade. Sofre, acorda soluçando e continua sem solução. Não há sentido. Há dor. E a dor nunca fará sentido.

O que eu queria hoje?

Não ser. Só ter.