quinta-feira, 12 de julho de 2018

Contato

Há muito tempo, desde as datas em que não cabiam nos dias, evito o contato. Tive pra mim que não posso, de fato, aproximar-me demais das pessoas. Isso porque quando me conecto a elas, um processo de devastação se inicia e aquilo que veio da atração quebra a tração se torna a causa da separação. Meu querer quer demais e eu já não tenho mais forças para negar a ele tudo o que não pôde ter. Então, na falsa esperança de lidar com tal situação, simplesmente evito o contato.

Parei diante do mar e comecei a conversar com ela, dona de vários nomes, mas naquele dia queria ser chamada de Janaína. Estava calma, até, observando-me como quem já sabia exatamente o que eu não ia dizer - e que era exatamente o que lhe interessava. Eu fiquei parado, sem entrar na boca de seu oceano. Era uma mistura de medo e respeito, ou ambos ao mesmo tempo. Reverência. Contei a ela como estava meu coração naquele instante. A paisagem me sugava os pensamentos ruins e sentia como se minha maré estivesse novamente cheia. Entretanto, evitei falar sobre ele - que estava pouco mais à frente, jogado nas mechas de Janaína a acariciar a areia com suas pontas. Sabia que se pronunciasse seu nome à ela, invocaria o pior em mim: a vontade de tê-lo. Não houve consolo. Virei-me, caminhei devagar para fora da orla, deixei meus pertences e voltei correndo para os braços dela. Mergulhei em seu peito na busca aconchego, deitei minha cabeça debaixo de suas águas e, finalmente, deixei de existir na superfície. Não fui tão fundo, mas permiti que meu corpo afundasse. A sensação foi boa e, mesmo submerso, ainda senti ele por perto, quebrando os fios de Janaína com suas braçadas.

Avançar e recuar. Quando recuar, recolher. Depois de recolhido, começar a me secar. Já seco, fico intocável. Eis aí a morte do contato. A pele não quer mais. "Abandônico", li uma vez. Este termo se encaixou bem à imagem que tenho de mim. Ainda assim, pensei: como que é abandonado aquele que nunca foi de ninguém? Toda vez que eu quis, não me quiseram e talvez fosse isso que me atraía.

Tração. Ser do outro sem pertencer a ele ou se perder esquecendo de ser quem se é. Quis, muito, sem abrir mão de mim, desejando que eu outro me dominasse achando, de fato, que estava dominando, mas como numa dança - falando da perspectiva de quem é conduzido - eu deixaria ser levado. Atração. Ir e vir, como o movimento das tranças escuras de Janaína, tão pretas quando sua pele molhada de maresia. No momento em que mergulhei, senti que estava indo na direção dele e, sem vê-lo, imaginei seu corpo deslizando próximo ao meu. Sem contato.

Hoje eu sei bem o que fazer, mas finjo que não. Vou seguindo os dias e distraindo a mente e o coração. Não falo mais em amor, muito menos em paixão. Não sinto mais fogo queimando, muito menos chuva encharcando. O que sinto é o chão debaixo dos meus pés. Muitos anos andando sozinho e aprendendo, passo seguido de passo, como me equilibrar. Daí veio a sensação de que mais importante do que saber para onde quero ir é saber como voltar se o "lá" for pior que aqui.

Pergunto a mim mesmo: se gosto tanto dessa firmeza abaixo dos pés, por que me rendo à leveza das águas em que ela vive? Por que eu preciso tanto falar com ela? Janaína nunca me responde com palavras. Prefere me dizer com seu perfume salgado.

Se olho para cima e vejo as nuvens carregadas, sei que minha mãe me ouve, mas por que insisto em Janaína? Eu estava tão bem enquanto seguia pela terra fresca sem me distrair. Por que, agora, eu tive que ir atrás dela buscar acolhimento, compreensão, carinho, lá na bacia do mundo? Por que eu troquei solo por água? Por que troquei terra pelo mar? Por que nem a tempestade eu consegui levar para agitar aquela tranquilidade que repousava no rosto litorâneo de Janaína?

Porque no mar eu não toco, eu sou tocado.

É como me sinto quando deito ao lado dele e tento pegar no sono antes que o pegue pelo braço.

Eu não o toco, eu sou tocado.

Contato.