segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A morte da física







Começou a chover quando estava voltando da escola. Andei mais rápido, mesmo sem querer voltar para casa. Como sempre, sou o único dentro do lar. Minha mãe só chega mais tarde. Meu momento de individualidade. Mais uma vez, agradeço por ele.

No meu quarto, joguei os livros no chão, a mochila sobre a mesa e fui olhar a chuva. Tudo tão azul, tão calmo. Frio e céu nublado. O café estava bom, gosto de café novo, de café velho, de café amanhecido. Apenas gosto, não é difícil de entender. As tintas estavam me aguardando. Sem trocar de roupa, comecei a desenhar e preencher as folhas em branco. Buscava atingir um alto nível de abstração. Cores não mais precisavam casar. Pinceladas não eram escravas de simetria. O barulho das gotas impetuosas era a trilha sonora que escolhi. Não me arrependo de nada, nem da solidão que pedi.

Mas me lembrava dele a cada segundo. De como seriam seus desenhos, como seria a sua tarde chuvosa. Na escola, nos vimos por poucos segundos. Tempo o bastante para ele sorrir e fazer um sinal de "te ligo, mais tarde". Era um amor silencioso, só nosso. Era uma quinta-feira, e eu já estava cansado de pensar no final de semana. Infelizmente, só sou feliz quando as luzes estão apagadas. Mais tintas, menos conversa.

Não posso dizer que "terminei" o que estava fazendo. Odeio colocar um ponto definitivo nas obras que faço (obras, no sentido mais humilde da palavra). Acredito no poder divino das reticências e sua flexibilidade que permite a todos serem felizes. Os finais são sempre iguais. Morte e lágrimas. Não quero isso. Não quero algo que é irreversível. Nem previsível.

Deitei na cama e deixei o tempo correr. Olhava para o teto, sem tentar controlar os pensamentos. Queria liberdade para amar durante a luz do sol. Queria liberdade para trabalhar com o que bem entendesse e não me sentir frustrado ou enjaulado. Mas permanecia sem tentar achar uma solução ou regra para tais vontades. Eram apenas desejos que gritavam e que deveriam ser ouvidos, respeitados. Eu os respeito. São o que são, nunca disseram ser outra coisa. O telefone tocou.

Éramos dois a manter o silêncio. Uma frase solta aqui, outra ali. O que fazia do momento a melhor parte do meu dia era justamente a presença/ausência. Saber que do outro lado da linha alguém também se protegia da chuva, dentro de um cômodo cheio de marcas de tinta e fotos velhas. Era saber que o frio não era tão frio, e a solidão não era tão só. Era apenas uma questão de física. O local, a presença, a matéria, os corpos, os olhares (todos físicos). Não senti falta deles, pois o que tinha ali, naquele momento, era algo a mais. Era cósmico. Era etéreo.

Quando a ligação terminou, fui andar um pouco pela casa. Os móveis velhos de design colonial me faziam lembrar da infância correndo e sempre esbarrando em um deles. As escadas sempre perigosas e enigmáticas. Cada passo poderia ser o último. Quantas vezes eu subi correndo, por felicidade e ansiedade? Quantas vezes eu desci devagar, por medo da bronca ou tristeza em saber que a pessoa na porta não era ele? Escadas que me levaram sempre aonde quis ir, mesmo que por impulso. Minha casa era o registro de mim, que pouco saí, mas muito conheci dali.

Olhava a chuva molhando o quintal. As plantas dançavam conforme o vento ordenava. Maestro daquele dia, sabia conduzir a banda com exímia destreza. Li os livros que deveria ler, fiz os textos que deveria fazer e as exigências foram atendidas. Almoço pronto, casa limpa, roupas trocadas. Agora eu voltava para o quarto sabendo que não mais seria incomodado. Minha mãe chegou, cansada, e foi deitar. Um "oi" do pé da escada foi emitido. Suficiente, por hora. Sussurrei um "eu te amo" e confiei em Zéfiro para levá-lo até ela. Recado dado.

Eu sou assim, continuo dizendo (e sentindo) que não caibo dentro de mim. Ele está do outro lado ainda, mas amanhã vamos nos ver. Dois dias em que esqueço de tudo, e só lembro de nós.

A chuva se foi.

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