sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Cigana Madalena
Precisava checar se o corte no meu rosto era profundo e me mataria. Nas mãos, apenas a faca imunda. Consegui algum reflexo. A cicatriz que me acompanharia até o túmulo era vermelha e intensa, como o coração que minha mãe pariu.
O deserto me chamava, mais uma vez. O pior odor não era o dos cadáveres na beira da estrada. A maldita fragrância do sangue de outra pessoa fazia meu corpo parecer um poço de lixo. E o calor fazia evaporar cada gota do líquido amaldiçoado. Ainda me restavam sete cigarros e seis goles de tequila.
A visão estava turva como se a qualquer momento a ilusão conseguisse me pegar pelas mãos. Eu, filho das areias secas, batizado pelo fogo durante a celebração pagã em que cascavéis dançavam, sabia que os olhos do pai apunhalavam minhas costas, igual a adaga cigana. Nunca tive nada, nem mesmo cheiro.
O meu rastro só podia ser detectado caso fossem reconhecidos os corpos que tentaram me silenciar. Abandono a racionalidade assim como o padre abandona a castidade ao sentir o gosto da sedução. Não me sinto distante das santidades, na verdade, elas sempre estiveram no mesmo patamar que eu. São vazias, de pedra e têm o maldito olhar que te desafia. Se o que fiz foi pecado, tenho certeza que tal classificação foi dada por aqueles que tanto desejaram fazer o mesmo, mas nunca tiveram coragem.
O inferno foi a única verdade na minha vida.
"Ela gritava desesperada, era hora do parto. Praguejava com toda força enquanto expelia de seu corpo jovem aquele caroço. Os cabelos negros brilhavam como nunca e os lábios eram mordidos até que o sangue escorresse. Nasceu o pequeno garoto, em silêncio. Os mais velhos se espantaram, pois mesmo sem emitir som, o garoto respirava e demonstrava estar bem. Tão bem que já podia entender o desprezo da mãe.
Não pensou duas vezes: pegou a adaga cigana e deixou a lâmina bem próxima do pequeno pescoço. Contou até sete e perfurou seu próprio coração. Cuspiu o sangue na cara do bebê e disse para que todos ouvissem: "Aqui está minha vingança".
Foi criado no meio do deserto, sem nenhum tipo de afeto. Comia, dormia e trabalhava apenas.
Um dia, olhou para o horizonte e decidiu largar toda a porcaria que o envolvia. Antes de sair, foi até a velha igreja da cidade e encarou o padre. Aproximou-se dele, e sussurrou em seu ouvido: "Quanto vale a sua fé?". O imundo homem de Deus ergueu sua mão para golpear a cara do jovem e com a mesma adaga cigana que perfurou o coração da bruxa, teve a garganta cortada. O problema dele nunca foi com o Todo Poderoso, mas sim com seus malditos lobos vestidos de ovelhas.
O que ele queria mesmo era uma Desert Eagle, nova e reluzente. "
Anoiteceu. Encontrei uma cabana enquanto andava. Dentro, um velho índio e suas histórias irritantes. Como não tinha opção, deitei próximo à fogueira e fingi estar interessado no que dizia o bode vermelho. Me olhava com espanto, talvez porque eu estava mais destruído do que sua tribo. No dia seguinte nem cabana nem índio estavam no local. Encontrei uma lanchonete. Precisava comer algo além de tabaco.
Ao entrar, nada de novo. Pessoas estúpidas e limpas. Hipocrisia e vontade de matar. Comi qualquer coisa gordurosa e nojenta apenas para não morrer de fome, forma ridícula de perecer, diga-se de passagem. Quando estava saindo percebi que dois homens me seguiam. Parei, encarei aquelas caras de merda e esperei que dissessem algo. Nada. Apenas o sorriso cretino que já explicava tudo. O primeiro é sempre o mais panaca. Veio muito rápido e já deixou claro como seria a investida. Típico movimento de quem não sabe brigar: pulou em cima de mim tentando socar minha cabeça com os braços abertos. Antes que conseguisse tentar pela terceira vez, quebrei 12 dentes dele com uma joelhada. Enquanto tentava respirar e vomitar o que lhe restava de arcada dentária o outro tentou ser mais esperto. Tentou.
Tirou a faca do bolso e como qualquer coiote covarde achou que naquele momento era lobo. Eu que já conhecia os lobos, sabia que aquilo ali era no máximo um bezerro querendo ser carnívoro. Ataca o peito, ataca o pescoço, estava tão nervoso que mesmo se acertasse minha pele, o máximo que conseguiria é um corte dentre milhões que tenho. Sem paciência e com o cigarro quase acabando, fui em sua direção e arranquei a rótula de seu joelho com um chute bem dado. Depois peguei minha cigana e cortei seu calcanhar. Acabaria com ele por último, antes tinha que resolver o problema do banguelo.
Já estava pronto para o 2º Round. Desta vez, pegou um cano velho e veio até mim como uma locomotiva. Acertou minhas costelas e depois meu braço. Olhei para a velha tatuagem e percebi que estava arranhada. Sim, ele conseguiu arrumar uma briga feia. Na investida seguinte, tomei um golpe no pescoço, mas estava tão tenso que pouco senti. Puxei o objeto e com ele veio o braço do infeliz. Quebrei seus dedos e depois o antebraço. Puxei ele mais um pouco e quando estava próximo chutei seu ombro até deslocá-lo. Tombei o corpo e comecei a pisar no rosto, o que desfigurou aquela maldita face. Tentou se proteger, então resolvi finalizar. Me afastei, olhei bem para o seu crânio, comecei a correr e quando estava próximo pulei. Caí com os dois pés sobre a cabeça do idiota. Pronto. Próximo.
Incapaz de ficar de pé, tentou fugir se arrastando. Andei lentamente até alcançá-lo. Peguei o restante de bebida que tinha na garrafa e o fiz engolir grande parte. Tirei do bolso o isqueiro que ganhei de um coração selvagem e coloquei fogo em sua boca imunda. Ele gritava e gritava. Quando me cansei da patifaria, arranquei parte de seu escalpo e durante a "fase agonizante" também arranquei os olhos. Cravei a cigana em sua nuca e sussurrei em seu ouvido: "Quanto custa sua valentia?".
Nunca precisei de direção. Sempre optei pelo caminho da esquerda. Rumo aos Baphomets.
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