Dentro do meu carro, com as janelas fechadas e com os pulmões ardendo. Trinta cigarros para 24 horas de esquizofrenia, no banco do motorista, no banco da praça sem ter o que comer, no banco que rouba meu dinheiro todos os meses, no banco que contrabandeia meu sangue. Estralei todos os dedos e mesmo assim continuo mordendo os lábios.
Tive um dia de merda, todos estavam contra mim. Isso não é novidade, nem mania de perseguição. Isso não está definido no seu manual. A rotina reúne em seu útero todas as coisas estúpidas que sou obrigado a fazer, para que estas, num instante mágico, criem algo que nascerá já como herói: O desgosto. Foda-se se você adora ir cumprir suas tarefas diárias. Foda-se mais ainda se você odeia meu olhar vazio ao entrar no matadouro. Não vou te dar o gosto de foder com meu humor, faço isso só de lembrar da sua cara.
Tudo te pressiona. Relógio, transito, filas, escadas, semáforos, faixas, sinalizações, alarmes, travas, senhas, metas, papeis, canetas assinaturas. Corre, pula, explode, esmurra alguém sem motivo, grita, berra, arranca um pedaço da mesa com uma mordida, tira os sapatos, quebra o vidro da janela do escritório, incendeio o refeitório, rasgue seus documentos ... Viva/Morra! Seja seu próprio juiz, se condene, considere-se inocente, mande cortar a própria cabeça. É tanta informação que você atinge a plenitude do Zero. Silêncio.
As cores estão extremamente saturadas, tudo é em exagero, uma porcaria total. Não se pode ficar triste em paz, nem engordar com felicidade, nem se manter magro comendo compulsivamente. Não pode falar palavrão, nem rezar na mesma noite, ninguém pode se sentir bem com finais trágicos ou criar uma bela família sozinho. Não se pode casar com quem sem ama, a menos que este/esta esteja na lista de pessoas respeitáveis. Não se pode deixar de viver, não é permitido conhecer o próprio corpo e os seus limites. Não se pode fazer porra nenhuma nessa desgraça. A unica coisa que é permitida, é a eterna condição de servo, de cordeiro, de massa guiada por alguém/algo/alguma coisa que se auto denominou Superior.
Se a vida é um presente que me foi dado, então que eu a use como bem entender. Se eu tenho livre arbítrio, então que este me liberte e permita que eu tenha a opção de não ser rei ou vencedor. Que eu possa ficar triste, chorar, sem ter que ouvir alguém me dizer "Melhore!". Eu não tenho fé no que o homem diz. Quero amar incondicionalmente quem escolhi, mesmo que não seja recíproco. Prefiro a solidão do que viver numa farsa. Prefiro não me relacionar com outras pessoas até que o amor que sinto torne-se combustível para o meu tipo de humor auto destrutivo. É neste momento que você atinge a plenitude do Zero.
Falto no casamento do melhor amigo, esqueço do aniversário da melhor amiga, deixo de ir visitar os familiares para beber no fundo de casa sozinho. Tiro o telefone da tomada para não receber uma ligação de "Feliz Natal", guardo as cartas de amor que ganhei só para lembrar de como fui patético. Evito os melhores amigos durante horas, converso na Internet mais preocupado com o jogo em que me inseri. Aposto alto, sigo sozinho, tenho momentos de caos e nunca estou só. Isso irrita e conforta ao mesmo tempo. Ah, claro e principalmente, sou um ótimo filho, aparentemente.
Odeio que me toquem sem que eu permita. Que isso fique bem anotado. Ainda sonho com acidentes no Metrô e que esqueci de calçar os sapatos para ir à escola. Dependendo da pessoa e seus argumentos, sou positivo e até um pouco esperançoso. Mas quando converso comigo mesmo, vejo o quão niilista me tornei. Esta é a minha zona de conforto. O garoto que pintava fora das linhas que a professora definia e era humilhado por isso. Aquele pequeno pedaço de desordem que, aos olhos da Laura, deveria ter nascido sabendo. Desenhos em que as casas, pessoas, animais flutuavam e o chão era a coisa mais chata de se fazer. Os detalhes que faziam toda a diferença. Resistiu, engoliu a seco toda a cocaína que acelerava o ritmo daquelas crianças malditas. Foi esquecido no dia da festa pelo próprio par, dançou com um pedaço de madeira e não viu seu pai na platéia. Cresceu sozinho, dentro de uma casa com 3 pessoas. Foram nestes anos que atingi a plenitude do Zero.
O universo foi criados por nós, Deus foi criado por nós, o amor, o ódio. Nós somos tudo. E por este simples motivo, não suportamos nós dentro de nós mesmos. Criamos regras e censuras para que o espírito de fogo não consuma toda a droga de razão que achamos ter. Se nos demos o direito de viver, se criamos o nosso criador, nada mais justo do que preparamos também nossa própria morte. A única espécie suicida do mundo apenas cumpre aquilo que se propôs a fazer. E você não precisa entender um final que já foi escrito antes mesmo do início. Talvez, a chave seja se permitir mais.
Enfim, foda-se.
Nenhum comentário:
Postar um comentário