quarta-feira, 15 de setembro de 2010

The Sorrow

Não tenho mais nada a dizer. Apenas escrever.

Aos que ficam, minhas últimas palavras:

"Hoje, com o corpo desistindo de lutar contra o tempo e doença, resolvi escrever a todos que me conheceram e fizeram parte desta longa estrada. Saibam que não esquecerei de ninguém, por isso evitarei nomes, cabe a cada um que ler esta carta se encontrar nas minhas palavras. são parte de mim, mas não partirão comigo.

Aos que conheci quando pequeno e não estão mais entre nós, digo que estou chegando e que logo menos poderei cobrar todas as noites sem o abraço do pai, o beijo da mãe, as histórias do irmão mais velho e as confissões da irmã mais nova. A vocês, que já fizeram a passagem, peço que aguardem só mais um pouco. Quero que saibam que, durante toda minha vida, mantive em minhas lembranças o rosto de cada um. Que respeitei o nome de vocês, que fui fraco muitas vezes em pensar que não estivessem mais olhando por mim. Logo estarei aí. Logo...

Aos que viveram comigo durante os anos e com eles, desapareceram eu peço desculpas. Não fui o rei que muitos esperaram, o salvador da prece de outros. Não fui o senhor das palavras, nem mesmo o pai que salvava vidas e voava com uma capa. Não fui o coração mais digno de amor, nem o marido mais atencioso nos primeiros anos. Como filho, tive minhas faltas. Tapei os ouvidos e a mente para a sabedoria. Só ouvi a voz dos meus pais quando estes estavam em silêncio, caminhando rumo ao lugar onde em breve estarei. Quero pedir perdão aos que atingi direta ou indiretamente. Hoje entendo meus erros, mesmo sem ser capaz de apagá-los de suas lembranças.

Aos que me deram amor incondicional, fico agradecido e levo comigo este grande aprendizado. Agradeço por terem feito me lembrar o que de fato sou. Agradeço por todas as noites ouvindo minhas reclamações, por suportarem meu mau humor e por me ensinarem a levantar sozinho, sem depender da pena dos outros que mais parece um par de muletas. Obrigado, obrigado e obrigado.

Já estou distante. Desliguem todos os aparelhos eletrônicos. Não quero jornais perto de mim. Apenas o silêncio. Sim, este é meu último desejo.

Obrigado. "

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Lótus...








Deu o primeiro passo, imergindo dentro da própria existência. Todos os dias, conversava com uma voz distante, que lhe auxiliava e sempre tinha uma palavra amiga a dizer. Isso não se perdeu com o passar do tempo.

Ao entrar em estado de meditação, ele se isolava dos pensamentos ligados ao mundo físico. Era como embarcar em uma viagem importante e também cansativa. Elevar-se ao nível de alguém que já não caminha mais sobre este solo. Não ter que se esforçar para adquirir o ponto máximo de concentração. Era apenas um garoto, mas dedicava-se à mente e à luz como sábio.

Servir... Servir...

Todo o sofrimento do mundo acumulado em lágrimas. Seu sangue escorria por entre os dedos e desaguava como rio pelo chão do templo. Não abria os olhos. Era hora de se projetar para o outro plano. Não buscava o nirvana, ainda, mas tentava encontrar um rumo nos Samsaras.

Chegou a um vasto jardim. Verde como esmeralda e ao olhar para o alto avistou o céu azul como nunca. Nuvens passavam suavemente por cima do infinito pano turquesa. Olhou para si, procurando braços, pernas, um corpo familiar. Nada viu. Apenas a sensação de que sua presença bastava para preencher o espaço. Enxergava muito além, ultrapassava quilômetros. Ouvia uma música sutil de fundo, ela não incomodava, era quase como a brisa leve da tarde. A luz estava em tudo, e em todos. Percebia a existência de outras consciências no local. Ele não existia mais como indivíduo, era parte do Todo. Era o cosmos.

A voz que sempre o fez companhia estava lá. Se pronunciava de tempos em tempos, dando atenção a todos. Nem frio, nem calor, melancolia ou alegria sem fim. Os sentimentos, bons ou ruins, pesam. Ali, não existia peso. O conhecimento era divido igualmente, não havia mais ou menos. Mesmo assim, as lembranças da terra o intrigavam e faziam com que qualquer equilíbrio fosse eliminado. Era hora de atingir o nirvana. Olhou para dentro de si mesmo, transparente feito água e guiou-se pelos labirintos criados ao longo dos anos no mundo. Recobrou os sentimentos, agora potencializados. Chorou quando se viu. Sorriu quando encontrou o caminho da luz. Teve raiva daqueles que causavam o sofrimento alheio, teve pena dos miseráveis e piedade daqueles que o atingiu. Não alcançou o nirvana.

Era difícil entender o que de fato lhe traria tal estado de espírito, até que resolveu silenciar até a própria voz mental, e então tudo fez sentido.

Lhes digo qual o caminho percorrido:

"Anulei-me. Abandonei minha existência não como mãe desesperada que deixa o filho no vale dos perdidos. Abandonei a mim mesmo como a mão que solta o filho para que este caminhe sozinho, firme e forte. Deixei meu ego, partilhei-o com o infinito como luz que deveria ser desde o início. Dos sentimentos fiz apenas uma enorme rede, uma malha de metáforas e cores. Eles estavam ali apenas para me lembrar das cores que o mundo tinha , e não para me prender aos seus caprichos e exigências. O que eu sentia já não podia mais ser dividido. Amor, e suas formas faziam sentido agora.

Abandonei a própria luz que de tão pura me cegava, não olhava mais em sua direção, pois ela já estava dentro de mim. Eu era luz. Todo o barulho se foi. Já não estava mais ali como parte. Havia me dissolvido. Agora, eu era milhares. Então, pude alcançar o nirvana. Digo a todos que, a descrição seguinte não os fará e momento algum sentir o que de fato senti, até que também alcancem o mesmo estado.

Paz e Compaixão.

O santuário se fazia dentro do Todo. O cosmos dançava como água viva pelas correntes de energia pura. Nada se excluía, a beleza era plena. Em tal estado Todos lembramos de vocês que ainda não chegaram ao nível infinito. Todos sentimos compaixão, o amor que se baseia em servir, a capacidade de não ser algo para que vocês possam ser como nós, e um dia serem capazes de deixar este "algo" e também ser Todo. Todos percebemos que o nirvana trazia em si o último grande ensinamento: Não serão O Todo enquanto Todos não estiverem aqui.

Renunciei ao estado maior de espírito e decidi caminhar pela terra novamente. Fiz isto com uma felicidade sem nome, com um amor tão grande. Voltei e aceitei a fome, a doença e a morte como condições. Desci do plano mais alto para ajoelhar-me diante de ti e dizer: Você também alcançará os jardins da calmaria.

Como flor de lótus, nasci mais uma vez em meio à escuridão. Trouxe luz e amor como sementes fiéis. Não sou o caminho, não sou a luz que os aquecerá, sou apenas a prova de que sozinhos, com o próprio esforço, alcançarão a paz. Sou como vocês, uma flor de lótus".

Om.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Só eles sabem



Era cedo, me olhei no espelho e percebi que já não queria mais mudar de nome.

(...)

Sempre quieto, com os olhos bem abertos. Minha mãe costumava dizer que eu tinha olhos gigantes. Nada escapava deles. Ouvia bastante também. Os sons pareciam interessantes, estimulavam minha imaginação. O mundo sempre pareceu grande demais, mesmo não sabendo ao certo o que ele era. Eu estava ali, era só isso.

As outras crianças eram energéticas, barulhentas e não sabiam brincar sozinhas. Às vezes até me interessava por seus movimentos e berros, mas na maior parte do tempo deixava tudo de lado e imergia num oceano de imaginação e fantasia. Sereias feitas com galhos de árvores, peixes feios de papel, barcos que na verdade não passavam de palitos de sorvete. Não sabia quanto tempo durava o tempo. Sabia que o dia começava quando o sol deixava de ser tímido, que a tarde era a hora em que o estômago roncava e que a noite era o momento de jogar a última rodada de "Rouba Bandeira".

Não precisava ser craque para jogar futebol. Mas era necessário saber a linguagem certa a ser usada. O adversário chegou perto de você, silencioso? Ladrão! E quando o seu companheiro de time estava bloqueado por outro jogador, como passar a bola? Fura, fura! Enfim, não tinha protetor solar, nem caneleiras, nada de chuteiras luxuosas ou médico particular. Mangueiras esguichavam água e as gotas escorriam salgadas para os nossos lábios. Éramos irmãos de verdade. E eu, ainda quieto, observava e participava ao mesmo tempo.

Não entendia a revolta de algumas pessoas, não entendia a maneira agressiva com que me tratavam durante um tempo. Mas ainda assim, mantive a mesma calma que os irritavam. Eles nunca entenderiam. Grandes amigos, grandes amores. Sempre haverá aquela garota linda e simpática que parece ter o melhor perfume de todos. Perfume este que marca vários anos da sua vida e quando você o sente novamente, lembra de toda aquela sensação, daquele ano, daquele aniversário em que você ganhou o melhor beijo. Eles ainda não entendem.

A revolta veio como novidade incrível. O mundo já tinha limites, os amigos deixaram de ser como irmãos, ela deixou de ser linda e simpática para se tornar arrogante e insegura. Eu ainda optava pelo silêncio, mas meus olhos queimavam como brasa ao ver alguma chance de explodir e descarregar toda aquela vontade de destruir. O dia inteiro na rua, sempre com o amigo braço direito. Destruindo muros, destruindo caminhões, destruindo sonhos, colecionando brigas e mediando intrigas. A adrenalina era nosso vício. Sair de skate sem saber se íamos sobreviver. Sair para os shows sem saber se íamos voltar inteiros. O Punk Rock o Hard core, que maravilha!

Você deixar o corpo solto durante o bate-cabeça ou nadar no mar de gente ao pular de mosh são coisas que limpam a mente, só que estragam o corpo. Elas agora são mais agressivas, não têm mais perfume de flor. Agora têm cheiro de cereja, olhos bem pintados e curvas quase perfeitas. Dançávamos errado, experimentávamos novos sabores, novos efeitos. O álcool, os cigarros, o ácido, as balas de canela. No final de semana, tempo para jogar bola na rua com os poucos camaradas que permaneceram. Falar de música era algo incrível. Eu ainda optava por escutar mais do que falar ... Novas conversas, novas bandas, arte e liberdade, igualdade e respeito. O Punk evoluiu dentro de mim e então percebi que já era hora de partir para algo além dele.

A fúria se transforma em Street Art, banda, porres, boxe, distorção e poucos amigos. Surge o Reggae, surge o Hip-Hop, surgem os filmes. Tudo o que observei me fez abandonar a necessidade de nomear as coisas e sentimentos. Ele também surgiu, e de cereja passamos para hortelã. Eu, quieto, prestava atenção em seus movimentos e na sua forma de se esconder atrás de discursos sobre si mesmo. Percebi que o amor muitas vezes morre com o silêncio. Eu era assassino do meu próprio amor. Ele nunca soube ler meus olhos, apenas prestava atenção na minha boca, muda. São várias as maneiras de demonstrar que gosta de alguém, e às vezes escolhemos uma forma que não funciona com certa pessoa. Do copo o que mais conheço é o fundo. Bem vinda: Pura, transparente e relaxante. Fiél.

Política, cultura, jornalismo, trabalho, sociedade, revolução, involução. Tudo caminha ao contrário e as pessoas estão cada vez mais vazias. A realidade é a jaula que prende aquele monstro dentro de você. Aquele ser que poderia dar sentido a sua vida. Alienação voluntária, síndrome de gado, abaixar a cabeça e chorar. Apertar a cabeça do filho próximo aos seios e não ter leite para alimentá-lo. Voltei a ficar quieto como no início da minha vida, agora por conhecer uma parte maior do mundo. Religião, não ser religioso, fé, esperança que pressupõe força. Força que é fruto de poder e poder que escraviza as relações humanas. Conhecimento, tão necessário, tão raro.

É, muita coisa, não? Mas eu sei. Você não? Eu sei. Só os loucos sabem.

(...)