Seus pais eram pobres e o único pedaço de terra que lhes restou ficava dentro da densa floresta. Sempre escura e sempre distante. Lá, ele podia ouvir o que ninguém ouvia nas ruas movimentadas do centro da cidade.
A tristeza que cobria seu coração com um fino véu não era resultado da separação. Nunca teve grandes amigos, sempre solitário, brincava com o assovio do vento se no dia fosse chover. Sonhava que um dia seria capaz de colocar seu coração dentro de uma caixa. Achava que a prisão do mesmo pudesse libertar a alma do peso que carregava. Era apenas um garoto que não buscava respostas.
Na primeira noite, sentou-se perto do lago e observou a água correr. Era um dia cinza, o mais belo de todos, e as cores se recolhiam ao mais simples olhar. As folhas secas cantavam baixo e a pequena raposa se aproximou de seu braço. Sem nenhum medo, olhou diretamente para os olhos amarelos e brilhantes. O animal parecia reconhecer aquele menino de pele morta. Disse "desconfie" e então desapareceu.
Nunca contava para a mãe o que acontecia durante o dia. Evitava o pai, pois sabia que ele sabia. Escutou algo bater no vidro de sua janela. Quando afastou a cortina, percebeu que um vulto negro lhe observava. Abriu uma parte e então conheceu o corvo. Agitado e como se estivesse com pressa, disse para o garoto "desafie". Quando abaixou os olhos para pensar, o animal havia desaparecido, assim como a raposa.
Nos caminhos da floresta, seguia a trilha das formigas. Um rio vermelho de passos velozes e inquietos, indiferentes ao gigante que passeava sem rumo. Ele sentia que o peso do coração estava cada vez pior e tentava encontrar madeira para fazer uma caixa. Das mais lindas caixas, ele sempre escolheu as feitas de carvalho. Achou um velho tronco e resolveu arrancar uma lasca para fazer a nova morada do seu amor. Quando tocou a superfície rústica, sentiu que uma criatura delicada e silenciosa saia de dentro da madeira.
Olhos enormes e expressivos, com um brilho maravilhoso. O animal era um cervo. Parecia que rasgava um sorriso no canto de seus lábios negros e não recuou um passo. O menino, paralisado, esperou por uma palavra, algum sinal de que sua presença ali não era em vão. Mas nada foi dito. Com suas longas pernas, o cervo partiu.
Incapaz de construir a caixa, deixou a madeira no local e foi procurar outra coisa para fazer. Percebeu que o coração era a essência de sua expectativa e também o senhor da frustração. Aprendeu que a vida existe para ser contrariada e surpreendida. Mais uma vez, ficou claro que não era dono do futuro, nem de longe. E que como os três animais, estava apenas atuando no enorme teatro do destino, onde não existe diferença entre protagonista e coadjuvante.
Não sei como essa fábula surgiu dentro da minha mente. Mas sei que ela diz tudo o que eu gostaria de ouvir. Se não existe um alguém que me diga tais coisas, faço questão de dizer eu mesmo. Pois ao caminhar por aquela floresta, pude entender o porquê de não ter terminado a caixa de carvalho: ela jamais prenderia um coração que está em chamas.
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