sábado, 29 de junho de 2013

Os chamados noturnos do vício

Naquele quarto sujo e apertado só cabia minha insônia. Ela apalpava as paredes e as descascava com unhas curtas, pouco se importando com o sangue pincelado. Maldito barulho. Era sempre assim, tortura noturna, um calor fora de época e a sede que não se matava com água, mas com saliva. Saliva do corpo, não do copo.

Ninguém vende cigarro de madrugada. Logo, ninguém sabe vender cigarros. Nenhuma banca de jornal, padaria ou boteco de esquina sabe vender a porra do maço, afinal, se soubessem, saberiam que vício faz visita sem avisar, a qualquer hora. Vai sentando sem ser convidado; abre a geladeira e pega o que quer; usa seu banheiro e não dá descarga; inspeciona sua carteira e leva até o trevo seco de quatro folhas. Mas eu tive sorte, achei uma farmácia aberta que vendia Lucky Strike vermelho. Sim, bem ao lado das barrinhas de cereais. Aquelas com gosto de antidepressivo infantil.

Pisei em casa fui recebido pelo cheiro de vida desperdiçada no mofo e o toque estridente do telefoda-se. Quem em ligaria a essa hora, caralho? É o vício, mais uma vez.

- Sei que tá tarde, mas queria falar com você.
- Fala.
- Tudo bem?
- Vamos direto ao ponto?
- Custa responder como gente pelo menos uma vez?
- Não faço questão, e você sabe que sou assim, então o que me diz?
- Bom, só queria te lembrar que amanhã, hoje, no caso, eu passo aí para te devolver a camiseta.
- Que camiseta?
- Aquela que você me deu de aniversário. Olha, eu não quero parecer cruel nem nada...
- Já entendi. Relaxa, você não está sendo cruel. Só idiota mesmo.
-  Eu? Olha, acho que não preciso te lembrar sobre como tudo acabou, certo?
- Vai se foder.

E eu já nem podia mais roer minhas próprias unhas para exorcizar a frustração. As paredes daquele pão embolorado já tinham comido tudo. Vício é foda.  

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