quarta-feira, 8 de maio de 2013

Estalos





Estalou dedo a dedo, como se cada osso a ranger fosse capaz de neutralizar a ansiedade. Cada estalo distraía a atenção e, com isso, reduzia o lamento a um sussurro tímido que ecoava de sua garganta. Um chamado do âmago, ignorado pela razão e estimulado pelo coração. E o murmúrio dizia: não aguento mais. 

Dizia ele, em seus textos, que estava exausto de sentir um frio no estômago toda vez que a falsa esperança brotava da boca do outro. Passou a rezar desesperadamente para qualquer voz, forma, luz, esfera, átomo que estivesse à deriva na vastidão do universo. Pedia sempre o mesmo: ajude-me a tirar esse sentimento daqui de dentro. Um querer embrutecido que fincou suas raízes no solo fértil de seu peito. Querer esse que se traduzia de várias maneiras – na manhã de domingo era saudade, na tarde de quarta-feira era amor puro e na quinta virava melancolia. 

Deu seus frutos, alimentou aquela alma “imadura” e não alertou o pobre garoto sobre o período de seca, época sem colheitas e sem chuva. Como resistir ao tempo álgido? Agora eram seus dentes que estalavam. Quando sobrou um pouco do hálito quente em direção às mãos, balbuciou um chamado ancestral – quase que inconscientemente: eu não aguento mais. 

Nem a areia do tempo, emoldurada pela ampulheta – que lhe dava silhueta de mulher formosa – conseguiu definir por quanto tempo aquele menino ficou em silêncio, trancafiado na própria mente. Condenado à autorreflexão forçosa, única forma de manter o controle sobre seus desejos suicidas, encontrou, aos poucos, alternativas mais sedutoras para desviar-se de si mesmo. 

Embebedou-se ele de risadas desesperadas que distorciam o sorriso no fundo do copo; fumou o amargor que castigava a pele mais do que as marcas nos braços; dissolveu a mente na ponta da língua e, de olhos fechados, viu que o sólido era pura ilusão. Pura, sem cor definida, sem coerência. 

Foi então que se viu no reflexo de uma poça d’água, frente à calçada de uma rua cansada dos excessos da noite passada. Aquele garoto de olhos escuros, lábios de damasco e barba a fazer ainda se reconhecia. Apertou os joelhos, tremendo como nunca, e escutou os estalos. Com os pulmões estourados, respirou profundamente – sabendo que seria sua última inspiração – e então desenhou com a fumaça o retrato da alma traduzida em palavras. 

Eu sempre aguentei mais.  

Nenhum comentário: