Estalou dedo a dedo, como se cada osso a ranger fosse capaz
de neutralizar a ansiedade. Cada estalo distraía a atenção e, com isso, reduzia
o lamento a um sussurro tímido que ecoava de sua garganta. Um chamado do âmago,
ignorado pela razão e estimulado pelo coração. E o murmúrio dizia: não aguento
mais.
Dizia ele, em seus textos, que estava exausto de sentir um
frio no estômago toda vez que a falsa esperança brotava da boca do outro. Passou
a rezar desesperadamente para qualquer voz, forma, luz, esfera, átomo que
estivesse à deriva na vastidão do universo. Pedia sempre o mesmo: ajude-me a
tirar esse sentimento daqui de dentro. Um querer embrutecido que fincou suas
raízes no solo fértil de seu peito. Querer esse que se traduzia de várias
maneiras – na manhã de domingo era saudade, na tarde de quarta-feira era amor
puro e na quinta virava melancolia.
Deu seus frutos, alimentou aquela alma “imadura” e não alertou
o pobre garoto sobre o período de seca, época sem colheitas e sem chuva. Como
resistir ao tempo álgido? Agora eram seus dentes que estalavam. Quando sobrou
um pouco do hálito quente em direção às mãos, balbuciou um chamado ancestral –
quase que inconscientemente: eu não aguento mais.
Nem a areia do tempo, emoldurada pela ampulheta – que lhe dava
silhueta de mulher formosa – conseguiu definir por quanto tempo aquele menino
ficou em silêncio, trancafiado na própria mente. Condenado à autorreflexão
forçosa, única forma de manter o controle sobre seus desejos suicidas,
encontrou, aos poucos, alternativas mais sedutoras para desviar-se de si mesmo.
Embebedou-se ele de risadas desesperadas que distorciam o
sorriso no fundo do copo; fumou o amargor que castigava a pele mais do que as
marcas nos braços; dissolveu a mente na ponta da língua e, de olhos fechados,
viu que o sólido era pura ilusão. Pura, sem cor definida, sem coerência.
Foi então que se viu no reflexo de uma poça d’água, frente à
calçada de uma rua cansada dos excessos da noite passada. Aquele garoto de
olhos escuros, lábios de damasco e barba a fazer ainda se reconhecia. Apertou
os joelhos, tremendo como nunca, e escutou os estalos. Com os pulmões
estourados, respirou profundamente – sabendo que seria sua última inspiração –
e então desenhou com a fumaça o retrato da alma traduzida em palavras.
Eu sempre aguentei mais.
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