segunda-feira, 20 de maio de 2013

Chamado da carne

Pressionou o corpo contra o meu. Escorreu os dedos pelas minhas costas e fez arrepiar o céu da boca. Enforcou-se com meus braços e assim foi. Depois se foi.

Aquele calor insuportável fazia goteiras de suor por todo o quarto. A vida era simples, mas era boa. De dia o trabalho duro, a fadiga os músculos em constante movimento e uma sede insaciável. De noite também.

Contava as horas pra poder matá-las rapidamente. Desafiava o relógio e confiava apenas nos ponteiros do sol feitos de sombra. E você não chegava nunca. Estava com sua família, a verdadeira. Lá na outra casa o tempo parecia pressentir minha angústia. Por conta disso, torturava-me descaradamente. Ambos, você e o tempo.

Acendia o cigarro e puxava uma folha - já munido com a caneta. Rabiscava algumas reclamações, desenhava alguns corações com nossos nomes e depois jogava tudo no lixo. Caminhava descalço até a cozinha sem deixar de sentir as rispidez das paredes com a ponta dos dedos. Bebi como se o álcool não me fizesse efeito. Fazia, não há como negar, mas nem garganta ardendo nem olhos lacrimejando poderiam compensar o frio no estômago a cada hora que passava. Estava embriagado demais para fazer as pazes com a razão, logo, estava bem.

Caí no sono e fui despertado por um beijo quente com sabor de gengibre. Guardava no canto da boca meia dúzia de xingamentos e nos olhos dez litros de água salgada. Nada saiu do seu devido lugar. As pernas trançadas e os braços se arranhando numa luta maculada pela vontade de morrer durante o intervalo entre sufocamento e êxtase.

O cheiro preenchia meus pulmões como fumaça densa do último cigarro. Salivava e sorria ao mesmo tempo, batizando a outra língua com todos os tipos de heresia. Logo em seguida, meu corpo virou dois.

Estava embriagado demais para romper os laços com a paixão, logo, estava bem. Bem mal.

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