De esquina em esquina, uma chance de manchar a própria sina.
Um simples sorriso e a camaradagem tá acertada. Um sorriso superficial e a
falsa cumplicidade vem apertar a mão levemente, sem apego. Logo em seguida, o favor é cobrada e você,
rapaz, apagado.
Confiar em quem? Vai mesmo passar pela viela como se nela a
saída não fosse estreita? Passa, mas passa mal, apertado, quase se cagando,
todo sujo de lixo, e tudo por quê? Porque acha que “proceder” tá colado na sola
de bandido. Cola fácil como band-aid. Descola fácil como band-aid.
Demien não suporta quem fala alto. Quem agita a língua feito
chocalho e fala alto pra caralho. Na sua rua só tem gente assim, com disposição
de autofalante. Por isso, só sai de casa com o fone no talo, no pico da cabeça,
raspando as paredes do pensamento e vibrando o cérebro sem piedade. Seu pai
sempre dizia “Ande olhando pro chão, senão você vai tropeçar em algo e cair
feio”. Então a postura fica ereta ao inverso do verso: no baixo, cabeça e visão;
no alto, volume e ódio. No meio, ele, sua alma e alguns mega-hertz de
sentimento.
Seu bairro é comum. Não tinha nada de especial. Muros envelhecidos
pelo tempo e eternizados pelos pichos. Calçadas bombardeadas, asfalto
descascado revelando a antepassada terra, postes adornados com linhas de pipas,
rabiolas e Plasmas Soro que passaram a servir de rél. Tudo ali lhe aceita, sem
nenhuma exigência. Ele é mais um moleque na média que provavelmente irá viver
para sempre na mesma casa. Só sairão do quarteirão os que forem abortados ou
pela vida ou pela pobreza. De resto, o berço da miséria continua convidativo.
Ninado pela morte.
De repente, um cutucão de dedo – que mais parecia um tiro de
Glock – partiu sua concentração em pequenos pedaços de raiva.
- E aí, cara, beleza?
- Tudo indo.
- Pô, nunca mais te vi na rua, tá trampando?
- Nem, to resolvendo minhas coisas, só isso só.
- Tô ligado, tá estudando?
- Um pouco.
- E as namoradas? Pegando quem?
- Ninguém, tô de boa.
- Como assim, mano? Várias cocotinhas por aí! Que papo é
esse?
- Quer mesmo saber que papo é esse?
“Demien, meu filho, por favor, largue a cabeça do rapaz”.
Quer mesmo saber?
Filho da puta, miserável, rato escroto. Saiu da porra do seu
esgoto pra ficar me intimando? Que porra você pensa que é, Zé cu de merda! Vem
com esse questionário a troco que quê, bróder? Acorda ae, palhaço e vai tomar
conta da sua vida. Não quero falar, odeio você, nunca te fiz favor, nunca te
chamei pra tomar uma cerveja, nunca nem te dei “bom dia”, então segura essa
língua senão vou fazer você lamber o próprio rabo. E não adianta ficar com fuça
de pica gripada não! Pode encolher a merda da beiça e vê se costura esse borga
que você chama de boca que tô sentindo daqui seu bafo de bosta. Espero que sua
casa pegue fogo com todo mundo dentro.
- Vai se foder, Demien seu verme, vou te matar!
- Vai mesmo me matar?
“Demien, já falei pra você largar a cabeça do rapaz, pelo
amor de Deus, filho.”
Vai mesmo me matar?
Em menos de dois segundos, Demien trinca o nariz de Joshua
com um soco, em seguida, mais três, quatro, doze e os dentes passam a vacilar
na gengiva. O sangue espirra rapidamente. O instinto de sobrevivência do rapaz
não consegue superar o instinto de assassino do algoz.
Demien continua espancando o rosto – que já não pode mais
ser chamado de rosto – de Joshua. Os gruídos de dor parecem estimular a
violência. A falta de criatividade também parece estimulá-la. “Bater” se tornou
o ato mais racional naquele momento.
Demien não tirou os fones de ouvido, não abaixou o volume e
nem levantou os olhos. Só a cabeça.
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