Foi batizada de “Maria” porque sua mãe amava o mar. E ela também amaria.
Já não tinha mais casa pra limpar nem fogão pra alimentar. O
passado tragou sua vida num gole de chuva sem começo nem fim que assim, desavisada
de aviso, enxurrou o endereço e escorreu cada canto salinizado da sala para a
vala. No litoral, basta ter casa pra acabar na rua, sem paredes, sem panelas, com abandono de cama e céu de teto.
Maria cansou de lutar pela chance de ser alguém. Esqueceu-se
de resgatar dos escombros aquele documento que lhe atribuía nome, pai, mãe e
uma pegada de polegar. Na verdade, fez questão de deixar de ser. Só não abriu
mão do “Maria”, afinal, era a única herança que lhe restava. Decidiu que era
hora de atender ao chamado ancestral de sua matriarca.
Leve de bagagens e pesada de lembranças, a mulher arrastou
as chinelas pelos paralelepípedos pulando a amarelinha do próprio desgosto,
desviando da sola dos pés o bloco do inferno... Percebeu que era mais fácil
jogar adiante a pedra do desconhecido e deixar que os números guiassem seu
caminhar gingado.
Como na transição da tarde para a noite, o chão duro de
terra se desfez em areia. Mudou de cor, deixou de ser bronzeado, vermelho,
caboclo, para então mostrar seus cachos dourados e finos. O terreno lambido
virou beira de mar e o horizonte agora era só promessa velada pela noite. Maria
sentiu uma forte vontade de banhar a pele negra com o breu das águas noturnas,
mas a espinha gelada paralisou seus joelhos. Bastava observar a dança das ondas
e ouvir suas saias zunindo num rodar infinito. Bastava ser Maria para amar o
que via – o mar.
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