Hora de olhar para dentro e não evitar o desconforto. Pois
uma simples pergunta fez com que eu ouvisse os sussurros tímidos da culpa que
me assolava há tempos. Sim, eu também fui responsável pelos recentes fracassos
sentimentais. É importante admitir e não mentir para si mesmo.
Quis mais do que devia. Deixei o egoísmo se fantasiar de
amor incondicional e, ainda que tal sentimento habitasse meu coração, jamais
pude dizer com plena certeza que fiz o que estava ao meu alcance, sem medir
esforços. Penso eu – e agora enxergo com clareza – que uma das atitudes
cabíveis era a tentativa de compreender que nem todos nós desenvolvemos o mesmo
carinho por quem nos transmite carinho. Cedi às mentiras que confortavam o
pouco de razão que parecia possuir e no final das contas só prolonguei a dor.
Esta conversa consigo mesmo já estava marcada. Negligenciei.
Ignorei. Evitei e me vi sem saída. Vi tudo, menos o que era real e concreto.
Nunca é tarde para revisitar os pensamentos e sentimentos. As
lacunas estão lá, assim como as marcas de socos nas pareces do quarto, a
nicotina que tinge a ponta dos dedos, a saudade, o último gole...
Mas hoje entendo que há amor e não apenas amor. Também
existe história, boas lembranças e o sorriso que não abandonará meu rosto no
próximo encontro.
Reaprendi a dizer “eu te amo”, levando em consideração
apenas o “eu”. Pois é isso que sou. Eu, dentro de mim. Esperando pelo “nós” que
ainda está por vir.
Cai a noite
desce atrás de mim
vai pelas vielas
olha pras janelas
me caça com sua foice
antes fosse minha hora
antes fosse agora
mas não é assim
ainda tô aqui
Arrisquei o convite
chamei pra andar
acreditei no palpite
normal, quem iria adivinhar?
Nada.
Absolutamente nada.
Pra dar risada da cara
de quem não conseguiu disfarçar
que nem o pior poderia piorar.
Que nada.
Pode pá. Pode apostar. Vai se decepcionar.
Poesia nenhuma é capaz de prever
e versar o que minha cabeça vai pensar
crer que a rima é fiel
que vai garantir meu compasso
só trança o entendimento
só aperta os laços
e eu quero desapegar
desapertar o nó na garganta
Nem a estrofe vai absorver
e transformar o que minha vontade vai cobiçar
disfarçar o gosto de féu
com o pirulito do maço
só esfumaça o peito
só escurece os lábios
e eu não quero tragar.
Eu deveria me bastar. Só que não sei tocar todas as músicas
que gosto e nem consigo desenhar tudo o que imagino. Eu deveria me bastar, mas
não sou capaz de administrar meu tempo, deixo que ele escorra por entre os
dedos e depois reclamo.
Eu deveria me bastar, mas sei que ainda há muito a ser lido
e escrito então, nem se fala. Eu deveria me bastar, só que não senti o amor em
sua plenitude e dessas pílulas de felicidade meu sangue já está batizado,
saturado e imune.
Eu deveria me bastar, porém quero mais de mim mesmo, sem ter
que ser o mesmo, porque não consigo ser repetido. Eu deveria me bastar,
entretanto, a memória faz com que eu me lembre de cada falha, cada detalhe,
cada fio deixado no lugar errado, cada borrão de tinta na camiseta... Eu
deveria me bastar e me bastaria se não fosse o reflexo dos meus olhos
espelhados nos de outros e outras.
Eu deveria me bastar. Talvez um dia, numa semana com três
feriados.Eu deveria mesmo é me cansar.
Já choveu demais. Já choveu por tempo demais. E não consigo mais abrir meus olhos pra enxergar o que de fato ainda boia dentro de mim. Todas as pequenas coisas que sobreviveram à enxurrada. Todas as coisas que guardei para você e só para você. Choveu tanto que só me restou transbordar.
Fluí como nunca antes. Busquei apoio, busquei chão para não afundar, mas nada. Nem nadar adiantou. Absolutamente nada conseguia me deixar fixado. Todos os dias eu escorria por algum canto, quebrava em algumas rochas pra só então deitar na cama e fazer uma poça do que havia sobrado do dia. E olhando para o teto via que as gotas não paravam de cair. Marcavam meu rosto e faziam escorrer lágrimas desconhecidas. Não eram minhas. Chovia pelos cantos dos olhos.
Comecei a sentir um peso no peito. Falta de ar e de espaço. Estava tudo alagado. Muita água, muita mágoa que, misturada com a casca de pedra que revestia meu coração, fez um lamaçal denso. Eu estava sendo tragado pelo meus próprios sentimentos. E nada da chuva parar.
Tudo acontecia enquanto eu te olhava à distância. Via e vivia na expectativa de um "sim". Acreditava que de tanta chuva o solo poderia ficar fértil o bastante para que brotasse dali uma nova vida. Uma nova chance de rescrever o que as marcas da erosão deixaram no chão. Mas não. Não foi isso que aconteceu. Só restou o pântano verde musgo tingido de esperança, onde encalhei meu dias sem pensar duas vezes, mas mil vezes.
Tanta chuva só causou a morte dos belos jardins que enfeitavam meu pensamento e a janela da nossa casa que nunca existiu nem nunca existirá. Cansei dessa chuva, cansei de seu gosto amargo. Era chegada a hora de secar.
Tentei abrir os olhos, mas a garoa acumulava água em minhas pálpebras e como calha eu precisava deixar escoar. Foi aí que percebi algo: sua imagem não era real. A imagem que eu tinha de você não passava de uma distorção causada pela água. Aquela aura, aquela beleza, aquela profundidade e sensibilidade não eram reais. Seu rosto trêmulo refletido na superfície do lago que se formou ao meu redor fez com que ficasse clara a falta de verdade nas suas expressões.
Enxuguei os olhos. Passei a ponta dos dedos enrugadas pelos cabelos e parei de chover. O oceano acumulado em meu peito começou a recuar e a maré revelou o que o mar não quis. Conchas sem pérolas, estrelas sem céu...
Sinta-se
Prove-se
Redescubra as vias do seu corpo
Consulte aqueles velhos mapas com cada canto do seu físico
Redesenhe-se
Reencontre-se
Perca a vergonha que bocas amargas deixaram nos seus lábios
Aproveite para saborear o seu gosto a seu gosto
Conduza-se
Seduza-se
Alimente a chama que carboniza sua pele
Aperte com força suas próprias mãos
Pressione-se
Impressione-se
Pegue a faca e deslize sua lâmina sobre a veia saltada
Respire fundo, espere um pouco e então
Anule-se.
Minha escrita nunca fez sentido. Professores não compreendiam as redações. Diziam que eu me perdia dentro das orações que criava. Falavam de digressão em excesso e falta de linearidade. Era tudo o que precisava ouvir. Minha escrita era realmente só minha.
Ultimamente tenho conversado menos comigo mesmo. Conheço minhas queixas tanto quanto as vontades. Sei que no final das contas tentarei enganar a mim, no intuito de selar, por alguns instantes, a necessidade de criar mundos e mais mundos. Tudo isso para me desligar daqui.
Sinto como se a cabeça fosse um refúgio. Sempre que este lugar começa a me cobrar demais, arrumo minhas trouxas e parto. Parto para dento de mim mesmo. Fico inacessível por horas, envolto numa segurança sem nome. O frio não gela. O calor não faz suar. Viro uma rocha. Mas se você olhar bem no topo, verá aquela árvore solitária e frutífera, sempre fértil. Lá está minha essência. Quase inalcançável.
Acordei. Caíram as cortinas. O véu tornou-se transparente como água e então pude ver a cara da vida. Sem disfarces, sem máscaras. A vida que me foi oferecida como dote, dádiva e presente de um pai que nunca veio me visitar. Um pai que se esconde de mim. Que não me abraça. Um pai que está preso naquele velho livro de capa preta, tão obsoleto quanto o universo.
Acordei.
Joga fora a garrafa
esconde o cigarro
não esconde a fumaça
nem a risada
Ri de si
De mim, de nós
Perdeu o controle
E não sabe mais como abaixar o volume
Olham com pena
Com compaixão barata
E a inveja entra na sala
Sem pedir licença, senta no sofá
Pede só silêncio e finge que consegue ler os lábios
Mas seus olhos queimam
Joga fora o remédio
esconde o ácido
debaixo da língua
e as cinzas do cigarro
você pode deixar debaixo do tapete
E os cacos da garrafa
você pode manter debaixo da pele
Pra lembrar da dor
que cada gole lhe trouxe.
E o resto de si mesmo
você pode recolher e guardar de lembrança.
Sirva-se
Pois não há mais ninguém na mesa
Além da fome
E da solidão
Agora o coração não está mais sozinho
O estômago também está vazio.
O sono se foi. Olhos fechados e milhares de imagens dentro da cabeça. De repente, corpo, cama e travesseiro se tornam quentes demais. A paz se foi.
Desci as escadas lentamente, sentindo de longe a presença que esbarrava no silêncio da casa. Não imaginei que ele viria naquela noite. Quando acendi a luz da cozinha meus olhos se depararam com seu velho casaco preto. Havia muito para se conversar.
- Disse que não demoraria a voltar.
- Disse mesmo. E aí está você, na busca pelas migalhas que sustentam teu império.
- Não sei o porquê de tanta agressividade.
- Insônia. Fico irritado quando não consigo dormir.
- Imagino. Também imagino que você anda dormindo pouco ultimamente, certo?
- Sim. A cabeça não para. Já tentei de tudo. Drogas, chás, terapias... Até rezas.
- Por favor, não seja ridículo. Rezar? A que ponto chegamos?
- Você não está ajudando. Faça um café para nós.
- Tudo bem. Mas sem açúcar.
- Sem problemas. O amargo está de bom tamanho.
O café perfuma a pele. Desce pela garganta queimando o hálito. Escuro demais, não se mistura com o sangue e desvia o caminho das veias. Faz sua própria rota pelo corpo, acorda os músculos, atormenta o estômago, desperta o sonolento coração e busca abrigo no cérebro. O café censura a febre. Faz-se quente o bastante para reanimar a alma. Tinge-a de preto.
- Bem, você sabe o motivo da minha visita. Não temos muito tempo.
- Sei sim. Mas não mudei de ideia.
- Nem queria que mudasse. Mas, é importante você saber que não haverá mais volta. Lá, o tempo não existe. Muito menos resiste.
- Que seja. Ela será toda sua. Assim foi o trato, não é mesmo? Você me daria o sabor daquele amor e eu lhe entregaria minha essência. Trato é trato. Eu tive o que pedi.
- Nunca teve, de fato. Sabe que lido apenas com ilusões. Ele nunca te amou de verdade. Ele amou sua casca, seus artifícios, sua personalidade. Entretanto, nunca chegou tão fundo a ponto de enxergar seu âmago.
- Eu vivi momentos felizes. É o que importa.
- Não. Você sabe que não. Eu só lhe dei mais uma dose do seu veneno favorito. Sabe, nada pessoal, mas é minha missão. Missão, é esse o termo que usam, correto?
- É. É sim.
- Pois bem. Acabei de dizer que não cumpri totalmente o nosso trato, então ainda há uma chance de você continuar aqui.
- Não quero. Não há castigo pior do que vagar em um mundo que não nos recebe a cada manhã e não nos nina a cada noite. Não durmo quando a lua chega, cheia. Não desperto quando sol boceja, alaranjado. Percebe quantos "não" na minha fala?
- O que for pior para você é melhor para mim. Entenda, eu sou o tal mal necessário.
- Dispenso apresentações. Você precisa de mim tanto quanto eu precisei de você.
- Isso é verdade. Nem eu sou capaz de acumular um universo inteiro dentro do peito. Realmente, preciso de você.
O vácuo preenche o vazio. Infla o peito e encontra espaço entre as costelas. Folga suas longas asas por debaixo dos pulmões e lá se cria. A anulação. O ar dos sufocados. Espaço inutilizado e impossível de ser preenchido, pois o excesso de ausência faz das cavidades a morada do nada. O vácuo evita o vivo. Faz-se frio para disfarçar as mágoas.
- Já que você não faz questão alguma de aproveitar os últimos momentos aqui, levarei o que é meu por direito.
- Fique à vontade.
- Mas antes queria que você fosse franco comigo. Em nenhum momento você temeu nosso acordo?
- Temi.
- Ah, sabia! Então existe arrependimento dentro de você.
- Não. Sem arrependimentos, como já deixei claro. Meu medo era só meu. Medo de mim. De ter que continuar aqui. Entenda, eu quis perder tudo. Quis deixar que você fosse o vencedor. Tudo isso por razão nenhuma. A vida me levou qualquer justificativa. Qualquer vontade de argumentar contra suas imposições. Contra o destino.
- Que seja. Cansei dessa conversa. Vamos lá, está na hora de partir. Mostre-me o que é meu, anda.
- Aqui está. A caixa de carvalho e a chave.
- Excelente! Vamos abri-la logo. Quero ver o que você esconde aí dentro e que já é meu!
- Fique à vontade.
A caixa de carvalho guarda o coração. Madeira que chora travestida de pedra. Range mesmo sem dentes. Rústica, acolhedora, num tom marrom que pinta a imagem do conforto e do aconchego. Aquele abraço de mãe. Aquele chacoalho de pai. A segurança. A residência. A essência. Seu interior é vermelho como sangue. O artefato dos enamorados. Espólio dos amantes. A caixa de carvalho escraviza o amor. Faz-se amiga para transmutar apego em apelo.
- O quê?! Mas o que é isso?!
- É isso. Só que o "isso" não existe.
- Vazia? Impossível?! Você respira, come, fala, anda! Está vivo! Por que não há nada aqui dentro?
- Porque nunca houve nada dentro de mim. Eu sou o reflexo da sua frustração. Sou a linha que divide o divino do profano. Sou nulo por natureza. Tentei me preencher com o amargo do café, com o vazio do vácuo e com o amor que negociei com você. Mas minha caixa continuou anêmica. Do criador eu exigi um sabor para minha vida, mas recebi apenas aquela água negra. Dos homens tentei buscar preenchimento com as substâncias químicas e prazeres mundanos, porém só aumentei o tamanho do universo solitário que se expande debaixo do meu peito. E de você eu quis o amor. Quis que me vendesse tal sentimento. Blefei. Coloquei em jogo um coringa marcado. Não há nada aqui para nós. Eu sou aquilo que não existe nem resiste. Eu sou o tempo.
- Maldito seja! Você sempre esteve por perto.
- Perto o bastante para ter sido, ser e vir a ser. Infelizmente, todos me tem por um período, usam a mim sem se importarem com o que sou. Gastam-me e depois de cometerem todos os erros possíveis, imploram pela minha volta. Esquecem-se que eu só faço sentido no presente. Bom, agora preciso ir.
- Para onde?
- Vou dormir. O sono chegou.
- Mas o tempo não para, como você pode dormir?
- Só existe uma forma de aceitar todas as chagas que a vida impõe...
- E qual é?
- Dando tempo ao tempo. Boa noite.
- Vá para o inferno!
O relógio educa o tempo. Aos ponteiros, a ponta que aponta o "quando". O toque eterno e ritmado que marca apenas aquilo que passou. O relógio não deixa O Tempo dormir. Sempre alerta, desperta com ou sem despertador. Há tempos que O Tempo não encontra um segundo de paz. Sua mente não para. Orgulhoso demais para voltar. Medroso demais para avançar. Condenado a viver sob as vontades da relíquia dos condicionados. O relógio adianta as horas quando há amor. E retarda a passagem dos dias quando há dor. Faz-se senhor do tempo, do café, do vazio e da caixa de carvalho. Da dor, do dissabor, da angústia e do amor.
Já não me incomodava mais com o frio. As telhas também não apresentavam perigo, estavam firmes. No teto de casa eu parei pra observar o teto do mundo. E quanta coisa eu vi - mesmo sem ver nada. Meu medo de altura selou meus olhos, mas apenas eles. Pela pele, pelo nariz, pelas orelhas pude ver tudo. E espero que você também possa. Vamos lá...
"Milhares de perguntas que não param de esbarrar nas paredes do meu pensamento. Tem horas que ouço claramente o som agudo adentrar minhas ideias. Eu não tenho o que fazer. Deixo-as lá, livres, na falsa esperança de que terão alguma resposta. E todo esse caos se deu pelo fato de que não me sinto mais um. Sinto-me vários.
Olho para mim e vejo aquele garoto quieto, introspectivo, extremamente detalhista e bom observador. Que ouve muito, mas tem toneladas de frases enroscadas nos dentes. Ele se senta sempre no canto menos observado. E como sabe que é o menos observado? Porque só ele percebeu aquele espaço vazio. Só.
Ele escrevia e desenhava pra não prestar atenção nas vozes ao seu redor. Gostava de alguns professores, mas admirava apenas um: Marcos César Alves, docente de Literatura. E a amizade se fez no silêncio, na troca de textos e na camiseta que tinha como estampa "Cansei de Ilusões".
Amou. Bastante. Ou pelo menos classificou aquele frio na barriga e o calor no rosto como tal sentimento. Sofreu? Claro, e qual é o amor que não traz consigo uma ponta de dor? Mas esteve ali pra ajudá-la a superar os ex-namorados. Esteve ao seu lado quando a mãe dela impediu sua ida às festas. Passou horas acordado, olhando para o portão, na esperança de vê-la chegar em casa. Amou tanto... Mas como disseram num dos seus filmes favoritos: "Nós aceitamos o amor que pensamos merecer". E ele merecia mais. Ainda que estivesse contente com o pouco.
Cresceu, endureceu, sobreviveu, renasceu. Encontrou nos lábios dele um novo condimento. E junto dos seus passos aprendeu a dançar. Mais uma vez se feriu - e continua se referindo. Querendo mais do que pode ter e sentindo no peito o peso da rejeição. É, "eles aceitam o amor que pensam merecer" e mesmo quando encontram o tal sentimento, temem o fim sem nem viver o começo. Deixam passar.
De repente, ele volta e percebe que não é só isso.
Esqueceu a maçã sobre a mesa e decidiu comprar cigarros. Decidiu fumar. Fumou. Decidiu beber. Bebeu. Decidiu se arriscar em aventuras emocionais. Pois bem, arriscou-se. Riscou-se mais do que devia. Saiu do papel e foi para os braços, correu pelas pernas e no ápice do desapego caiu na barriga. Tentou tirar dali - com mão trêmula de quem executa sua própria cesariana - os malditos frutos dos romances frustrados. Queria abortar a Saudade, a Lembrança e Frustração. Três bastardas.
Tornou-se um fragmento diante de si mesmo. Estilhaçou-se sem pensar duas vezes e quando o corpo se rendeu, ouviu-se. Reergueu-se e fez tudo novamente. Enganou a saúde. Fez pouco caso da vida que lhe sustentava. Ingrato. Mas continuava escrevendo. Agora, compulsivamente.
E numa noite em que nada mais parecia valer a pena, ele deitou no chão do banheiro e apagou. Horas e horas em outro lugar. Algo parecido com uma sala de hospital, silenciosa e ameaçadora. Esperou para que o médico entrasse e desse a ele o veredicto. Contudo, não houve sentença. Houve sequência.
Voltou ao trabalho. Voltou aos estudos e no final do ciclo acadêmico conheceu um garoto tímido. Esse garoto o fez feliz por muitos meses e quando partiu levou não só a felicidade compartilhada, mas também toda a esperança.
Sem quedas, ele desejou cair apenas para não sentir mais o peso sob seu corpo. Teve que se manter erguido.
Ele não é mais um. Não é só um. Ele é grande demais para si mesmo. E grandeza não reflete nobreza de espírito. Grandeza mostra o quanto de nós mesmos está sobrando. O quanto de nós mesmos é desperdiçado. Sua mente continua cheia de perguntas e para cada uma delas, bocas de pessoas diferentes.