domingo, 3 de fevereiro de 2013

Eu(s)

Já não me incomodava mais com o frio. As telhas também não apresentavam perigo, estavam firmes. No teto de casa eu parei pra observar o teto do mundo. E quanta coisa eu vi - mesmo sem ver nada. Meu medo de altura selou meus olhos, mas apenas eles. Pela pele, pelo nariz, pelas orelhas pude ver tudo. E espero que você também possa. Vamos lá...

"Milhares de perguntas que não param de esbarrar nas paredes do meu pensamento. Tem horas que ouço claramente o som agudo adentrar minhas ideias. Eu não tenho o que fazer. Deixo-as lá, livres, na falsa esperança de que terão alguma resposta. E todo esse caos se deu pelo fato de que não me sinto mais um. Sinto-me vários.

Olho para mim e vejo aquele garoto quieto, introspectivo, extremamente detalhista e bom observador. Que ouve muito, mas tem toneladas de frases enroscadas nos dentes. Ele se senta sempre no canto menos observado. E como sabe que é o menos observado? Porque só ele percebeu aquele espaço vazio. Só. 

Ele escrevia e desenhava pra não prestar atenção nas vozes ao seu redor. Gostava de alguns professores, mas admirava apenas um: Marcos César Alves, docente de Literatura. E a amizade se fez no silêncio, na troca de textos e na camiseta que tinha como estampa "Cansei de Ilusões". 

Amou. Bastante. Ou pelo menos classificou aquele frio na barriga e o calor no rosto como tal sentimento. Sofreu? Claro, e qual é o amor que não traz consigo uma ponta de dor? Mas esteve ali pra ajudá-la a superar os ex-namorados. Esteve ao seu lado quando a mãe dela impediu sua ida às festas. Passou horas acordado, olhando para o portão, na esperança de vê-la chegar em casa. Amou tanto... Mas como disseram num dos seus filmes favoritos: "Nós aceitamos o amor que pensamos merecer". E ele merecia mais. Ainda que estivesse contente com o pouco. 

Cresceu, endureceu, sobreviveu, renasceu. Encontrou nos lábios dele um novo condimento. E junto dos seus passos aprendeu a dançar. Mais uma vez se feriu - e continua se referindo. Querendo mais do que pode ter e sentindo no peito o peso da rejeição. É, "eles aceitam o amor que pensam merecer" e mesmo quando encontram o tal sentimento, temem o fim sem nem viver o começo. Deixam passar. 

De repente, ele volta e percebe que não é só isso.

Esqueceu a maçã sobre a mesa e decidiu comprar cigarros. Decidiu fumar. Fumou. Decidiu beber. Bebeu. Decidiu se arriscar em aventuras emocionais. Pois bem, arriscou-se. Riscou-se mais do que devia. Saiu do papel e foi para os braços, correu pelas pernas e no ápice do desapego caiu na barriga. Tentou tirar dali - com mão trêmula de quem executa sua própria cesariana - os malditos frutos dos romances frustrados. Queria abortar a Saudade, a Lembrança e Frustração. Três bastardas. 

Tornou-se um fragmento diante de si mesmo. Estilhaçou-se sem pensar duas vezes e quando o corpo se rendeu, ouviu-se. Reergueu-se e fez tudo novamente. Enganou a saúde. Fez pouco caso da vida que lhe sustentava. Ingrato. Mas continuava escrevendo. Agora, compulsivamente. 

E numa noite em que nada mais parecia valer a pena, ele deitou no chão do banheiro e apagou. Horas e horas em outro lugar. Algo parecido com uma sala de hospital, silenciosa e ameaçadora. Esperou para que o médico entrasse e desse a ele o veredicto. Contudo, não houve sentença. Houve sequência. 

Voltou ao trabalho. Voltou aos estudos e no final do ciclo acadêmico conheceu um garoto tímido. Esse garoto o fez feliz por muitos meses e quando partiu levou não só a felicidade compartilhada, mas também toda a esperança. 

Sem quedas, ele desejou cair apenas para não sentir mais o peso sob seu corpo. Teve que se manter erguido. 

Ele não é mais um. Não é só um. Ele é grande demais para si mesmo. E grandeza não reflete nobreza de espírito. Grandeza mostra o quanto de nós mesmos está sobrando. O quanto de nós mesmos é desperdiçado. Sua mente continua cheia de perguntas e para cada uma delas, bocas de pessoas diferentes.

Caleidoscópio." 

Ele também sou eu. Só que não por hoje. 

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