quarta-feira, 18 de julho de 2012

Vinte e dois


Sempre achei que as palavras nascem carregadas de sentido. É como se fosse o sangue delas. Por isso, evitei algumas frases e expressões no intuito de me proteger e poupar outras pessoas. Mesmo sem dizê-las, eu nunca consegui que sumissem. Eu as escrevia. E as escrevo até hoje. 

E para escrever o que não costumo dizer eu me permito adentrar dentro de mim. Viajo no entrelaço dos meus pensamentos e desencontro as saídas. Perder-se em si é como sentir o rastro de perfume que faz lembrar de momentos passados. Há um caminho. Só não conseguimos vê-lo com precisão.
...

Na sala vazia, descansei os ombros e, então, pude fechar meus olhos. Afrouxei a gravata como se O Enforcado já não fosse mais eu. Tudo, absolutamente tudo pesava. O ar, as cores, o som, o gosto amargo na boca, a ponta dos dedos que não se entendiam com os talheres... e o coração, claro. Mas agora não é o momento de falar sobre ele. 

Gostaria de entender, com Temperança, o que reserva o amor para a vida das pessoas. Deixei que ele irrigasse meus dias e floresci. Amadureci. Perfumei tudo a minha volta. No começo foi difícil, pois o solo permaneceu seco por muitos anos. Mas quando se deixa a água fluir não há aridez que impeça a correnteza. Como manter os pés na terra e no rio ao mesmo tempo? Equilíbrio... Utopia. 

Passa-se a primavera e o que vem em seguida é o verão. Aquele calor que reanima as veias e coura a pele. Ruboriza o espírito. Confesso que não é minha estação preferida, mas ainda assim admito suas qualidades. Sentir-se aquecido é como aceitar que há vida dentro de si. Aceitar que está vivo o bastante para ser Louco o bastante. Lançar-se em aventuras e tudo mais. Parte do todo ou à parte de nada. Uma chatice, para ser franco. E quem disse que eu preciso de vida? Sim, preciso, mesmo sem querer. Mesmo pensando tanto na Morte

Lembro-me de quando li sua carta. Olhei pela janela, tentando encontrar uma fuga qualquer para as lágrimas. A Lua estava lá, pronta para me ouvir. Mas não consegui dizer absolutamente nada. Li e guardei cada palavra. Era o máximo que podia fazer. Não compreendia como todo aquele amor poderia ter desaparecido. Evaporou como se o Mago tivesse feito sua última grande apresentação. Não sabia para qual caminho seguir. Parei com o Carro no meio da estrada e respirei na tentativa de diminuir a raiva. Doía tanto que até perdi a sensibilidade. E o que li fez com que a Roda da Fortuna retrocedesse. 

“O que eu não consigo lhe dizer é justamente tudo aquilo que escrevo. Você sempre me falou sobre o fim e mal percebeu que só estava me guiando para ele. O nosso fim, no caso. Quando foi que nos perdemos? Bem, isso já não importa. 

Acordo todos os dias e lembro-me do seu nome. Lembro-me do seu sorriso e da forma como costumava acariciar meu rosto. Sinto falta disso, mas não de você. Veja, já não é mais a sua pessoa que me importa, mas as coisas boas que qualquer outra pessoa poderia me proporcionar. Estou sendo franco. É o melhor que posso te oferecer no momento. Nunca me queixei do seu silêncio. Essa sua postura de Eremita até me agradava. No começo, eu te admirava demais. Todas aquelas frases e pensamentos que davam ao Mundo uma infinidade de possibilidades. Tudo ilusão. Desde suas histórias com casais Enamorados até a idealização obsessiva pela ideia de pureza; a sua Sacerdotisa livre de pecados. Olha, cada um é responsável pelas suas preferências e eu respeito isso. Mas o caos que habita sua cabeça – e essência - só me faz sofrer. Às vezes te vejo como Diabo na minha vida. Sempre tirando a paz, sempre destruindo aquilo que considero como Justiça, como Esperança... Como vida! Chega. 

No alto desta Torre de desencontros está seu coração. Selado e inacessível. Quantas vezes eu tentei alcançá-lo? Quantas vezes eu me perdi no labirinto das tuas incertezas? Muitas. Você sabe disso. Sabe também que eu odeio Julgamentos ou definições inflexíveis de Justiça, e ainda assim fez questão de me condenar por ter tentado chegar perto de sua essência. Essa resistência só me afastou. E, aos poucos, esgotou toda a Força que tinha.  

Não há mais Estrela e nem Sol para trazer o amanhecer. O reinado do amor acabou. Imperador e Imperatriz deixam de existir. Em outras palavras, não somos mais um casal. O amor está carente de fé. Sem ela, Hierofante nenhum consegue manter o equilíbrio. 

Acabou.”

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