Sempre achei que as palavras nascem carregadas de sentido. É como se fosse o
sangue delas. Por isso, evitei algumas frases e expressões no intuito de me
proteger e poupar outras pessoas. Mesmo sem dizê-las, eu nunca consegui que
sumissem. Eu as escrevia. E as escrevo até hoje.
E para escrever o que não costumo dizer eu me permito
adentrar dentro de mim. Viajo no entrelaço dos meus pensamentos e desencontro
as saídas. Perder-se em si é como sentir o rastro de perfume que faz lembrar de momentos
passados. Há um caminho. Só não conseguimos vê-lo com precisão.
...
Na sala vazia, descansei os ombros e, então, pude fechar
meus olhos. Afrouxei a gravata como se O Enforcado
já não fosse mais eu. Tudo, absolutamente tudo pesava. O ar, as cores, o som, o
gosto amargo na boca, a ponta dos dedos que não se entendiam com os talheres...
e o coração, claro. Mas agora não é o momento de falar sobre ele.
Gostaria de entender, com Temperança,
o que reserva o amor para a vida das pessoas. Deixei que ele irrigasse meus
dias e floresci. Amadureci. Perfumei tudo a minha volta. No começo foi difícil,
pois o solo permaneceu seco por muitos anos. Mas quando se deixa a água fluir não
há aridez que impeça a correnteza. Como manter os pés na terra e no rio ao
mesmo tempo? Equilíbrio... Utopia.
Passa-se a primavera e o que vem em seguida é o verão. Aquele
calor que reanima as veias e coura a pele. Ruboriza o espírito. Confesso que
não é minha estação preferida, mas ainda assim admito suas qualidades.
Sentir-se aquecido é como aceitar que há vida dentro de si. Aceitar que está
vivo o bastante para ser Louco o bastante.
Lançar-se em aventuras e tudo mais. Parte do todo ou à parte de nada. Uma chatice,
para ser franco. E quem disse que eu preciso de vida? Sim, preciso, mesmo sem
querer. Mesmo pensando tanto na Morte.
Lembro-me de quando li sua carta. Olhei pela janela,
tentando encontrar uma fuga qualquer para as lágrimas. A Lua estava lá, pronta para me ouvir. Mas não
consegui dizer absolutamente nada. Li e guardei cada palavra. Era o máximo que
podia fazer. Não compreendia como todo aquele amor poderia ter desaparecido.
Evaporou como se o Mago tivesse feito sua
última grande apresentação. Não sabia para qual caminho seguir. Parei com o Carro no meio da estrada e respirei na tentativa
de diminuir a raiva. Doía tanto que até perdi a sensibilidade. E o que li fez
com que a Roda da Fortuna retrocedesse.
“O que eu não consigo lhe dizer é justamente tudo aquilo que
escrevo. Você sempre me falou sobre o fim e mal percebeu que só estava me
guiando para ele. O nosso fim, no caso. Quando foi que nos perdemos? Bem, isso
já não importa.
Acordo todos os dias e lembro-me do seu nome. Lembro-me do
seu sorriso e da forma como costumava acariciar meu rosto. Sinto falta disso,
mas não de você. Veja, já não é mais a sua pessoa que me importa, mas as coisas
boas que qualquer outra pessoa poderia me proporcionar. Estou sendo franco. É o
melhor que posso te oferecer no momento. Nunca me queixei do seu silêncio. Essa
sua postura de Eremita até me agradava. No
começo, eu te admirava demais. Todas aquelas frases e pensamentos que davam ao Mundo uma infinidade de possibilidades. Tudo
ilusão. Desde suas histórias com casais Enamorados
até a idealização obsessiva pela ideia de pureza; a sua Sacerdotisa livre de pecados. Olha, cada um é responsável pelas
suas preferências e eu respeito isso. Mas o caos que habita sua cabeça – e essência
- só me faz sofrer. Às vezes te vejo como Diabo
na minha vida. Sempre tirando a paz, sempre destruindo aquilo que considero
como Justiça, como Esperança... Como vida! Chega.
No alto desta Torre de
desencontros está seu coração. Selado e inacessível. Quantas vezes eu tentei
alcançá-lo? Quantas vezes eu me perdi no labirinto das tuas incertezas? Muitas.
Você sabe disso. Sabe também que eu odeio Julgamentos
ou definições inflexíveis de Justiça,
e ainda assim fez questão de me condenar por ter tentado chegar perto de sua
essência. Essa resistência só me afastou. E, aos poucos, esgotou toda a Força que tinha.
Não há mais Estrela e nem
Sol para trazer o amanhecer. O reinado do
amor acabou. Imperador e Imperatriz deixam de existir. Em outras palavras,
não somos mais um casal. O amor está carente de fé. Sem ela, Hierofante nenhum consegue manter o equilíbrio.
Acabou.”
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