sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Meu rio



Naquele dia, a chuva queimou como fogo. Caiu sobre meu rosto e se misturou ao sal das lágrimas. Ganhou peso quando encharcou o peito e calou os ouvidos com o estrondo de cada gota. A chuva, que nunca havia me sido tão agressiva, mostrou-se mais viva do que meus olhos. Eles ardiam tanto que eu já nem sabia mais se o que via era apenas mais uma distorção causada pelo calor.

Mas não me movi. Recebi cada pingo, estático e firme. Cerrei os lábios com força. Os punhos imitavam tal postura. Fechado. Lacrado dentro da minha própria angústia. Vi a mente se render à tristeza imediata e não lutei. Já me bastava resistir àquela chuva intensa.

Não havia mais cordão umbilical. Não havia mais ligação alguma. Abri o coração até que seu tecido rasgasse nas mãos de outra pessoa. Abri não com esperanças, mas como forma de alcançar um estado de paz maior. Sim, abri com esperanças. Muitas, inquietas e insatisfeitas. Ansiosas, como se a existência do meu ser dependesse dos seus desejos atendidos. Morremos, mais uma vez.

Não cedi. Não corri nem berrei. Aproveitei que a água camuflava o choro e chorei. Mais do que a própria chuva. Fiz um rio e no fundo depositei cada fragmento do amor que havia se estilhaçado. Não consegui deixar que a correnteza os levasse. Só queria que se tornassem inacessíveis. Foi o que aconteceu.

Bati o pé, tentei invocar a raiva, mas só meu veio a imagem daquele rosto tão sereno. E os olhos marejados perfuravam ainda mais minha alma. Entendia cada palavra, mas lançava ao labirinto qualquer explicação que buscasse desviar ou condicionar a minha maneira de gostar. Pois gosto tanto, ainda, mais do que gostaria. Não faltava mais ar. Faltava metade do meu coração.

Vejo-me aqui, parado no meio da tormenta. Castigando a pele na tentativa de atingir a essência. Cavando o peito, ignorando a dor. Mas dói. Muito mesmo. Dói tanto que chego a perder a sensibilidade. De repente, tudo escorre. Por entre meus dedos sinto vazar o que sobrou de mim. Deixo ir. Ainda queimando, olho para o céu e aquele vermelho tortuoso começa a enfraquecer.

Ensopado, quente, ferido, firme, em silêncio, parado, insensível e amando com mais força ainda. Não era para ser assim, mas quem disse que seria fácil?

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