segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Estórias do coração, histórias da alma



Apanhei as cartas que cobriam o chão. Enquanto enchia as últimas caixas, senti uma profunda vontade de congelar o tempo e ali permanecer para sempre. Não se resumia apenas em mudar de casa. Estava prestes a deixar nosso mundo nas mãos de qualquer outra pessoa. Mas você já havia partido. Não há mais com que preencher meus dias. E essa tristeza já criou raízes fortes no meu peito.

Lentamente, soprava o pó dos envelopes. Lembrava-me de cada um deles e dos momentos em que foram entregues. Dói, mas não abro mão de tal sensação. Como se tivesse me tirado para dançar, a tristeza bailava com minha alma. Por não conseguir ouvir a música, apenas a deixava ser conduzida. Permaneci assim por muitos meses.

Percebi que havia uma folha manchada. Como se gotas d'água tivessem despencado sobre a superfície lisa, percebi que aquele pedaço de papel continha um fragmento do que um dia chamamos de nós. E tinha.

Enquanto houver inverno... (A carta)

"A história se faz no momento em que algo marca a pele e a alma de quem vive o agora. Profunda e silenciosa, apropria-se dos relatos e sonhos. Abraça as palavras e as aconchega num fino pano de tom azulado. Confortáveis, tais palavras adormecem e tornam-se incapazes de reivindicar a verdade. São eternizadas no túmulo da estória, que há tempos abandonou seu compromisso com a realidade.

Foi exatamente assim que me senti quando te vi pela primeira vez. Minha história transformou-se em estória e qualquer frase soaria como desespero. Porque, na verdade, eu queria ouvir sobre seu dia. Queria conhecer sua rotina e fazer parte dela. Inexplicavelmente, senti-me à parte de um universo que nunca me pertenceu. Senti raiva, para então sentir o amor.

Nenhum dia será esquecido. Nenhuma palavra será omitida. Juramos isso e como pagamento, oferecemos nossas almas a qualquer um que passasse pela rua. A caminhada não nos levaria a um destino premeditado. Entretanto, guiava os dois corações confiantes. Perder-se nos permitiu abandonar o passado que sempre nos cobrava mais histórias e menos estórias.

Em cada esquina, sentíamo-nos como desconhecidos. Finalmente, havia um lugar para nós. Nele, estávamos flutuando entre a sobrevivência e o prazer em deixar de existir. Sim, foi com você que eu perdi o medo da morte. O medo de não viver mais os momentos que me mantinham ligado a este mundo.

Mas a felicidade não cabia mais dentro deste corpo. Nem o coração aguentava tanto amor. Então, venho aqui lhe pedir para que não chores eternamente, após minha partida. Chore um dia inteiro, ou dois, talvez. Mas chore sem parar, assim saberei que quando as lágrimas secarem um novo dia irá começar. Um belo dia de inverno, onde as gotas salgadas são densas e raras.

A qualquer momento meu peito pode parar de vibrar. Agora já não dói mais. Você me curou antes mesmo da doença aparecer. Foi sua história que marcou minha pele e alma, no momento em que me convidou para viver o seu presente. Em seguida, olhei para nossas mãos e percebi que estavam bem apertadas. Naquele instante, dizia-lhe quanto o amava. Amo e amarei. Nossos corações entraram em sincronia.

Desculpe-me por partir. Estão querendo ouvir nossas estórias em terras distantes. Prometo que contarei cada detalhe. Lembra quando citei o instante em que nossas mãos traduziam as batidas dos corações em chamas? Pois bem, sempre que sentir a minha falta, toque seu peito e deixe que minha mão encoste na sua. Estarei no melhor lugar do mundo. No seu universo. Debaixo da sua carne. Aconchegado na sua alma.

Amo-te o bastante para amar a nós dois. Você daí e eu daqui.".

Sem pensar muito, toquei meu coração e a chuva começou a cair lentamente. O gosto das lágrimas salgava meus lábios. Levantei-me e caminhei pelo corredor até o quarto onde dormíamos. Abri a caixa de costura e peguei uma velha agulha. O pequeno furo no dedo resultou no sangue espesso que serviria de tinta.

Havia um canto em que eu escrevia frases com lápis e de tempos em tempos trocava o que estava registrado ali. Sem a fragilidade do grafite e com a eternidade do sangue, escrevi meu último pensamento.

"Amo e amarei, pois nossos corações sempre estiveram em sincronia".

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