sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
Cocaína e Cristo
Camuflava-se entre os ratos. Confortavelmente, traçava uma linha fina e branca, com cuidado para não desperdiçar nenhum grão. Nem fome, nem sono. O rastro era químico e nada espiritual. Uma curta estrada até o topo da montanha escondia os anos de peregrinação que lhe custariam a vida. Aceitou a cruz. Inalou os pregos.
As unhas imundas raspavam a parede com cheiro de urina. Tudo estava em evidência. Solidão, desgosto, libido, decadência. Amplificavam-se ali os ruídos. Anulou-se, mas o mundo continuou preso ao seu calcanhar, como uma bola de ferro. Os ratos estavam caminhando de maneira caótica. Isso o irritou. Curiosos, eles o observavam. Alguns pareciam lamentar e sofrer com a cena peculiar. Uma criatura tão grande e auto-suficiente, abençoada com uma inteligência superior, ali, jogada na poeira de ossos.
Foi erguido. O peso do corpo se desfez. Apenas a sensação dos pregos percorrendo as veias rumo ao coração. Não se lembrava de nome algum, logo, era incapaz de clamar pela misericórdia alheia. Os ratos não entendiam sua língua.
Sangue escorrendo, silêncio. Levantou-se e decidiu procurar um abrigo. Aos poucos, foi se esgueirando – com o corpo magro e debilitado - até entrar naquela enorme porta entreaberta. Um templo distante do tempo. Dentro, o forte cheiro de cera cortou suas narinas. Feridas, ardiam como se chamas entrassem sem aviso. Os pulmões lutavam como cavalos. E a mente já havia partido.
Caminhou por alguns minutos, tentando reconhecer o local. A escuridão privava os olhos daquela criatura deslocada. De repente, viu aquele homem preso a uma enorme haste de madeira. Os joelhos magros possuíam feridas abertas e na cabeça, o adorno de espinhos. Parecia distante de tudo e todos. Olhar focado no nada. Pequeno e reduzido a condição de rato, não compreendia aquela cena. Nem mesmo entendia o porquê daquela criatura sufocada dentro de si mesma, presa por falsas asas douradas e circulada por crianças seminuas.
Percebera que o homem no topo do mundo estava condenado à eterna condição de vítima. Que apenas o sofrimento lhe valeu o título que carrega até hoje. Percebeu que a fuga estava naquela situação e que sentir dor parecia ser a única prova de que o caminhar não foi apenas mais uma volta ao final da tarde, mas sim a peregrinação dos involuídos.
Diante de si mesmo, aceitou a cruz e recebeu os pregos. O pequeno rato, invasor e aflito, imaginava quem estaria acima de tudo isso. No mínimo, outro rato, subalterno de outro rato, que não entende a língua dos outros ratos. Mas que vive sua eterna fuga. Sua eterna busca por pregos que consigam o deixar acima dos demais ratos. Erguido pela dor. Admirado pela dor. Lembrado pela dor. Mas esquecido por si mesmo.
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