Esqueci de fechar bem a janela do quarto e quando deu 10h da
manhã aquele espirro de luz respingou na minha cara. O quarto parecia mais um cômodo
qualquer, daqueles que meus pais geralmente reservam pra sucatas e materiais dispensáveis.
Mas eu estava lá, fundamental para a vida deles. Fundamental para que aquele
espaço minúsculo não fosse demolido e cedesse lugar a uma varanda com vista pra
piscina do vizinho. Nem preciso dizer que a grama dele era mais verde, não é? É.
Para mim o extremo sempre foi o teto do meu quarto. Longe
demais, alto demais, intocável. Como se lá não houvesse espaço para mim, mesmo
sendo dono de tudo o que ali residia. Foram tardes e mais tardes deitado no
chão olhando para aquelas fileiras intermináveis de madeira falsamente
amarronzadas, alguns fios de poeira, uma lâmpada sem lustre e uma luz hepática,
mais amarela do que o sol. O telefone tocou e não tive outra saída, atendi:
- Quem é?
- Eu. Pensou que não ligaria, né?
- Pensei pouco.
- Ah é? Poxa, se soubesse teria me contido então...
- No fundo você sabia sim, mas diga lá, o que quer?
- Queria saber se você está bem. Seus pais me disseram que
está no quarto há 3 dias.
- Bem, aqui é o único local que eu posso chamar de meu.
- Você precisa superar isso, não pode ficar assim para
sempre, sabe?
- Eu só estou aqui, é tão insuportável para vocês?
- Só estamos preocupados. Sei que foi uma perda grande, mas
basta estar vivo para morrer.
- Obrigado, tem mais alguma coisa a dizer?
- Quer mesmo que eu não ligue mais?
- Só vou saber quando você ligar novamente e eu tiver a
chance de te ignorar ou não.
- Bom saber.
- No fundo você sabe sim.
Mesmo no meu mundo, no meu jogo de paredes, naquele útero de
concreto, há quem venha interferir. Seja pra me tirar à força do âmago que
conforta ou para simplesmente cumprir seu papel de “salvador” e jogar migalhas
ao faminto. De qualquer forma, eles fazem com boas intenções. Sou eu que
aprendi a lidar com a solidão e agora me incomodo com a ausência dela.
O teto continuava a encarar e uma raiva sutil passou a vazar
pelos cantos da boca. Senti o primeiro estalo vindo do maxilar – como aviso
prévio do terremoto. E então os dentes começaram a partir o silêncio que fixava
meu rosto. Rangiam firmes, fieis à mordida de cão ancestral que nasceu comigo.
E então eu levitei, sem a leveza que teoricamente acompanharia tal feito. Praticamente
me lancei ao teto. Grudei o corpo naquele chão invertido e então fiz dos meus
punhos duas bolas de ferro demolidoras.
Peça por peça, farpa por farpa, céu por
céu, tudo começou a se desfazer. Soco, soco, soco, sangue, soco, soco, soco.
Era o extremo do alto, o extremo intangível e naturalmente arrogante lidando
com o extremo do baixo, do caído, do jogado para o canto de um cubículo mofado.
Era o andar de cima tendo que se proteger do andar de baixo. Toda a cólera que
me consumia no silêncio da minha exclusão acordou feito vulcão e o hálito
quente e destrutivo do magma cardíaco partiu as alturas com um sopro
draconiano, tingindo o teto de vermelho. Talhando em sua madeira os ossos das
minhas mãos.
Saí. Não pela porta, mas pelo local que nunca me pareceu uma
saída.
Dessa vez eu saí por cima.
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