Você me usou. Negou por muito tempo, mas sabe, lá no fundo que me usou. Quando nos aproximamos, eu soprei meu desejo levemente para que não irritasse seu nariz, mas ainda assim se fizesse perceber o que queria. Você havia me farejado de longe, eu sei porque seus olhos me viram de longe, bem longe, num lugar onde meu cheiro nem sequer chegava. De lá, observou-me. Daí não teve mais jeito. Usou-me como fragrância nova que parece vestir a gente com um fino véu, daqueles que se desenham pelo ar, num lento ritual de sedução. Pros outros, borrifava meu nome como se este embalsamasse tuas frases curtas e eufóricas.
Atrás das suas orelhas, no pescoço, um pouco perto do rosto, sobre seu peito, raspando nas axilas, por entre os dedos, laçando os pulsos. Quando você me teve, não economizou uma gota do que eu te ofereci. Passou-me por todo o corpo, quis, com a pele, cheirar à flor da minha, macia, prestes a se esparramar pelo ar que vinha da janela aberta. Exalando calor por entre os poros, quando me prendeu com seus braços, perfumou-se de mim, ali, e deixou minha boca cheia de água e a cama de cheiro.
Umas das principais características desse meu querer com notas de negação é a capacidade de confundir o olfato. No fundo, sabia bem como tudo iria acabar, só que quis pagar o preço. Eu me ofereci ao seu olfato, revelei a essência traiçoeira pelo som do chocalho na ponta da língua. Fiz porque quis mesmo. Porque o desafio vale a frustração. queria você e tive. Pequeno, tão pequeno, acostumado com o mesmo odor do seu quarto decadente, bagunçado, jogado às traças. Apertados, eu e você, ficamos os dois pela madrugada, dividindo a cama de solteiro como casal. Nos menores olfatos estão os piores perfumes - os que têm aroma de essência. Cheiram a si mesmos, mas quando tocam a pele do outro revelam uma olência única. Aquela traiçoeira.
Você me usou e aqui, agora, eu sou só dor. Prevista, conhecida, manjada, já de casa, a dor ainda dói, mesmo assim, mesmo abrindo a geladeira sem pedir licença. Ela dói demais e a lembrança, sua amante, vem junto perguntar o que tem pro almoço. As duas, dentro de mim, da minha casa, sufocando o pouco espaço, inodoras, falando de você. Eu não queria saber de você. Há meses não recebia notícia qualquer, mas elas duas vieram, a dor e a lembrança, atrás de mim por causa de você, ou melhor, por causa de nós.
Lavei as mãos com bálsamo, respinguei a água na pia, sem pressa. Virei-me e olhei diretamente para elas. Com seus pratos vazios, sem um farelo pra contar história, a dor e a lembrança me contaram de você. Disseram que estava bem, com uma garota apaixonada, planejando o futuro, sem tocar no meu nome. Perguntei a elas, a dor a e lembrança, se nada de mim havia ficado nele.
- Se nem a dor nem a lembrança estão lá, onde não estou, onde ele está, então, o que restou?
- Odor.
Odor.
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