domingo, 27 de outubro de 2019

Como eu te achei

Não sei. De verdade, não sei como te achei ou se fui achado. Se eu sentasse na mesa de um boteco e fosse contar pra quem quisesse ouvir como que te conheci, teria de mentir. Não é falta de memória, muito menos pouca importância. A questão é que eu não sei como te achei porque não fui buscar você lá nos confins de qualquer lugar, muito menos esperar sentado pra confirmar o que minhas amigas sempre disseram - "uma hora, quando você menos esperar, ele vai aparecer pra te conquistar". Eu me sentia como uma terra esperando pelo colono, sem maldade... Não era pra ser assim. Nem foi, viu?

Longe de mim pisar em solo distante com essa intenção. Gosto é do perto, aquele ali, logo ali, na esquina, na beira do quarteirão, da rua com nome de número,  que me olha de rabo de olho e parece dizer tudo o que eu quero ouvir, mas quem ouve com os olhos? Eu ouço é com os ouvidos e você, ele, eles, nunca me disseram nada. Ainda que eu tivesse certeza do que escutaria, eles juntos não valem um sozinho - o que dizem por aí, só que o que a gente sente por aqui... é outra fita.

Lá, onde pela escrita eu desejo chegar, é onde você está. No frio da borda do oceano, com margem de dois dedos, é onde vou te procurar. Pode estar com amigas, amigos, ex-maridos, qualquer coisa que venha a te, momentaneamente, complementar. Não é problema meu - mas eu ajo como se fosse. O que é meu é você e o que é nosso não é à toa. Aqui, contigo, nesse espaço vazio, eu não prego a segurança que não tenho. Óbvio que me incomoda ver teu sorriso dando ritmo pra conversa fiada sem nota(r) que tá tentando achar o tom há tempos perdido. Só que você me sabe, você acha que me conhece por inteiro, mas quando eu me dei por completo nos seus lençóis, você que se dobrou pra me dobrar. Se conseguiu ou não, é essa dúvida que nos move um até o outro. Até hoje.

Não vivo de palavras, não sou traça, e se for parar pra te contar tudo o que bate aqui na nave do meu pensar, porra... Sei lá onde a gente vai parar. É engraçado como eu odeio rimas, mas elas vêm sem eu chamar. Quando eu vejo, tão aqui, de parzinho, desenhando qualquer rabisco tosco, sozinho, que quando destacado pela atenção de quem ainda se presta a acompanhar, mente na cara larga que tá dizendo tudinho. Não diz, guarda parte pra depois, quando finalmente um for dois. A maldita rima, inevitável como dois mais dois ainda são: nós pra depois.

Eu te achei. Peguei pela raiz. Você queria carinho, eu queria acariciar. Cominho com almíscar. Quando teu couro cansado pediu cafuné, era eu que tava ali pra dar, tipo daninho, alastrando - onde der, nóis tá. Com as pontas das unhas, semeei na sua cabeça o carinho que eu sempre tive pra lavrar, mas não achei alguém fértil o bastante pra me mostrar o caminho. Daí eu fui, ali, no meio dos seus grisalhos, até que tudo se emaranhou: meu cuidado com seu descaso; seu descaso com meu apreço; meu apreço com seu relaxo; seu relaxo com meu cuidado; meu cuidado com seu abraço; sei abraço com meu tremor; meu tremor com seu mormaço; seu mormaço com meu sabor; meu sabor com seu desejo; seu desejo com meu receio; meu receio com seu compasso; seu compasso com meu amor.

Quando escrevo sobre nós, o que ponho nas linhas é a arte de se trançar, cruzar, atar, plantar, manter na garganta a única nota capaz de desafinar as cordas vocais. Como se fosse aquela noz difícil de descascar e, em seguida, engolir.

Eu entalo, faço caroço do que é nosso, finjo que concordo com a falsa premissa de que nossa semente não dá frutos. Nós, na garganta, somos o caminho que as palavras não ditas fazem para chegar até o chão do peito. Solo pra se criar, mas a dois, é melhor de cultivar.

Foi assim que eu te achei: quando procurei nós, na garganta.

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