segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Linha do tempo

Sente-se ao meu lado, em silêncio. Sinta o peso dos meus ombros. Saiba que são firmes, podem suportar o fardo que avoluma seu coração. Apenas se mantenha em silêncio e sinta, com eu sinto muito, minha presença. É exatamente assim que iremos compor o melhor dos nossos retratos. Ao meu lado, eu e você somos peso e silêncio, as excelências do amor, duas agulhas a costurar o que chamamos de intimidade.

Pelas sutis vias do tempo, pude aprender mais sobre as linhas todas que emaranham meu senso de mundo. Isso nunca foi segredo. Esta minha desconexão com o barulho lá fora não era por acaso. Nasci sem chorar, calado, como já havia lhe contado antes. Meu recado foi pontual: nada aqui me soa novo. Nada aqui me impressiona. Não me emociono porque esperam que eu me emocione. Não havia intimidade alguma nem mesmo com minha mãe. Fio por fio, embaraço por embaraço, aprendi a amar meus nós – seja lá o que amor signifique neste contexto. Talvez, respeito, cuidado, os dois, trançados. É uma relação muito próxima esta de, silenciosamente, tocar as linhas que desenham nossa cabeça, não? Os erros do passado roubaram as minhas, eu preciso confessar. Porém, quando sonho, as vejo novamente no devido lugar, volumosas e secas feito a poeira em minhas veias. Fio por fio, na cabeça.

O tempo e suas vias sutis... sim. Aquele firmamento de linhas, aquele chumaço que pesa e não faz barulho algum. Quando toquei suas raízes, buscava o fruto quente. Lá, acreditei que seria possível tecer a cesta pra sua abundância e deixar os caroços pra nossa terra fértil no fundo do quintal. De fato, encontrei.

Estamos juntos, envelhecendo juntos, aqui, sentados nesta sacada vendo a promessas do amanhã parecer previsível e desinteressante. Não se trata de beleza nesta constatação, nem romantismo, muito menos angústia ou desgosto. Odeio esta mania morna de precisar sentir tudo sob medida. Há espaço para este tipo de interpretação deste momento nosso, sentados um ao lado do outro? Aqui, não.

Estamos envelhecendo juntos e o tempo, vestido de ampulheta, esvazia a laje pra encher o chão. O que há são as linhas marcando nossas expressões todas e cada uma delas conta, secretamente para mim e para você, nossos momentos de intimidade. Momentos em que você se ateve a mim e eu me atei a você.

Por isso te peço, aqui, que fique em silêncio, ao meu lado, e sinta a presença de quem lhe é abrigo, onde as linhas jamais te prenderam, pelo contrário, ensinaram-lhe o caminho de volta - de volta para a intimidade, onde os ombros inabaláveis te aguardam.

Dentro de minha casa, as linhas do tempo formam um círculo, não uma reta. Você volta porque nós ficamos. 

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