segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Solstício

Declínio, quando metade do meu rosto não consegue se enxergar devido à intensa luz. O auge, quando uma das metades se descola da imagem e imerge na escuridão. Metade do todo, parte para ninguém, eu sem saber se agradecia pelo lado quente ou lamentava pelo frio. Eu odeio a sensação morna. Talvez também odeie a ideia romântica de equilíbrio, balanço e afins. O meio é o fio que divide, não o que une.

Prefiro falar de metades.

Metade de mim acorda e quer se deitar; levanta pra despencar alguns segundos depois por conta do pesado desânimo que é ter que viver mais um dia comum. A outra metade respira fundo, sacode os músculos e ossos, procura os óculos, olha o relógio e berra sem abrir a boca "faça o que tem que ser feito". Declínio e Auge.

Metade de mim precisa andar para pensar nos problemas, soluções, vontades, perdas e ganhos. A outra metade para no meio do caminho para escrever a quem quer ver ao longo da semana, estipula data, horário e local. Frio ou quente. Nunca frio e quente.

Metade de mim pensa no que vai beber para sentir aquela sensação amaciadora do álcool descendo pelas veias e inundando a cabeça, afrouxando os nervos enquanto acidula o estômago. A outra metade pensa sobre o que irá escrever enquanto está sob efeito do álcool, ou o que irá escutar, ou o que irá dançar, ou o que irá me fazer movimentar. Pôr-se e nascer-se, corpo a copo.

Metade de mim odeia repetição. A outra às vezes repete pra provocar.

Enquanto sento para terminar o almoço no quintal de casa, o sol bate em metade do meu rosto. Sinto a pele sendo levemente acariciada por ele. Aos poucos, ela começa a arder, pelar e, consequentemente, a endurecer. Ela resiste à intensidade. A outra metade também esquenta, mas não demonstra. Ela desiste da claridade.

Longe, do outro lado, onde os raios não chegam. Perto, aqui ao lado, onde o auge do declínio acende metade.

- Estava pensando aqui, nesta distância toda, quanta coisa entre o chão que eu piso e o que você anda...
- Verdade, né? Louco isso, a gente não percebe tanta distância mesmo quando olha pra um horizonte desconhecido.
- Parece que eu tô logo ali e você logo aqui.
-Sim, parece.
- Eu te sinto quando sento no quintal para almoçar e tomar sol.
- Eu sei que sim. Também te sinto quando olho pro céu e vejo o tempo fechado, escondendo o sol pra quando estivermos juntos novamente.

Solstício.

Nenhum comentário: