Clareou o azul. Eu amanheci e fui pra fora procurar o mundo. Olhei para o alto e admirei a imensidão daquela cor que me causava alegria sem motivo. Dominava a língua dos pipas, sabia o que era mandado, na mão, sabia o que era cortar, também sabia o que era buscar, desbicar, aparar. Tudo isso ensinado pelo céu cor de azul. Modelava nuvens também, gostava de redesenhá-las com a ponta da imaginação, vendo o que ninguém via - aquele canto que ninguém vê, mas está ali. Aquela cor azul, perfeita, sem defeito algum, profunda, sem começo nem fim... O teto do infinito tinha tudo para ser uma criança feliz, mas não era - ainda que sorrisse como tal.
A inocência é uma força da natureza que aguenta firme até mesmo quando ao seu redor existem apenas catástrofes. Sua vantagem é não saber o que é ruim e, por isso, livrar-se inconscientemente dos cosedores de malvadeza a lhe agulhar. Entretanto, basta um simples espetar para que ela se vá, a inocência, sozinha. Quando cai em si, não consegue mais se levantar, ela. O azul do céu aberto se mancha pra sempre com uma cor que não é sua. Passado.
Ele se nubla tentando resolver no embranquecer absoluto os conflitos que agora são seu céu. De inocente a consciente, o céu agora é dois em um. Nenhum.
Quando quer dizer algo, não diz; quando diz algo, fala baixo demais e só escuta a si mesmo; quando quer algo, espera; quando não quer, disfarça. Ninguém decifra algo que é justamente porque se faz "nada". Ele é nada porque, agora, está confuso sobre tudo.
Não pensar, não ver, não sentir, não viver. Suportar. Dias pálidos que não trazem nada além da fumaça misteriosa e surda que não retumba com os tambores a trovejar, nem se abre feito céu cor de céu. Fica lá, sem dizer se está indo ou voltando - aquele céu cheio de nuvem - nem fechado, nem aberto. Presente.
Só que o ar muda antes do céu colorido de nada perceber. Fica denso, pesado, morno, começa a fazer poeira subir, pega papel com suas mãos invisíveis e faz rodopiar pro alto. Os pássaros percebem primeiro. Depois as formigas e, em seguida, os siriris. Um pingo grosso beija com lábios macios de boca dura feita a da mãe. É um beijo na testa, firme, que fez com que eu desse dois passos para trás - onde minha nuca tinha ficado descoberta e desprotegida. Olho pro alto e tudo ao meu redor anuncia o que virá pela frente. Futuro.
A dança é dela. Escura feito o início de tudo e todos, traz a noite para o dia. Faz os movimentos que quer e balança as copas das árvores junto de seus cabelos grisalhos. Ela é o céu que vai desabar, o toró, o tempo fechado, sem branco nem azul, sem meio termo, sem morno. Agora é quente a gota que explode no chão feito pedrada no coco. Um trovão baixo, outro mais alto, um que estoura os ouvidos, outro que arrepia os pelos do braço. O céu da tempestade é a morada da ordem, o olhar sobre a bagunça que deixamos e confusão que causamos. Olhar de furacão, olho de mãe.
Este céu, agora que é três, olha para os outros e faz seu serviço: lava as feridas do azul inocente e devolve sua pureza sem levar sua esperteza. Olha no fundo opaco dos olhos nublados do perdido em si mesmo e tinge de luz com um raio cortante o vácuo solitário, agora duas partes, agora metade de si mesmo - agora, partido. Presente, Passado e Futuro. Curado, Partido e Seguro.
O céu preto, abençoado pela chuva cheia do que dizer, anda. Não para, vai, não fica, é sempre amanhã, é sempre depois, é sempre um olá seguido de adeus. Vem pra se impor e colocar no ponto final mais dois céus, mais dois pontos.
Assim, renda no teto do infinito as reticências destes três pedaços do mesmo caminho.
Nós.
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