Enquanto eu acariciava as páginas dos livros, ela cantava ao fundo. Sua voz suave não deixava de me perturbar, tal qual fragrância forte que não sabe ser contida - em certa medida, por conta da tristeza sutil que eriçava a angústia em mim. Ainda assim, eu precisava daquele arranhar de discos com as cordas da garganta, feito nós, a atar o grito de desgosto. Debaixo da cama, encontrei a garrafa de gin, mas não consegui achar cigarro algum nos bolsos. Pensei por segundos onde estariam e lembrei que me obriguei a parar de fumar. Mais angústia, só que sem gelo, por favor.
Ele se segurava pra não conversar comigo. Sabia que era meu momento - e só meu - no qual mergulhava já sem fôlego por entre as águas desconhecidas do meu ainda "não-saber". Cada capítulo era um convite para entrar e ficar mais um pouco, sentar, à vontade, e dizer o que eu gostaria de beber. Depois, quando as páginas me viravam as costas, eu, abandonado, podia olhar para o cabeçalho e relaxar. No caso, os músculos do corpo, não os da mente. Porque era impossível acalmar aquelas pequenas explosões elétricas a descarrilharem feito trens debaixo do meu crânio. A leitura me deixava inquieto, só que o saber... ah, o saber contido nela... Ele não me deixava ficar quieto, capitava-me. Eu queria falar, queria compartilhar tudo aquilo apresentado a mim, mas o barulho era ele, ali, com sua música, com a voz dela abrindo levemente a cortina e soprando seus versos de véu. Agora, eu que me segurava e ele... Ele era a trilha da noite. Eu, só capítulo. Eu só captava.
Nas costas de minha nuca eu sabia que alguém me observava. Fosse com um olho ou os dois, ele me observava ler, e ler, e ler sem se contentar com pontos finais. A provocação vinha do fato de seu corpo não se retirar, muito menos retirar o copo. Eu era gin, você, vinho. Ficava, fumava ao fundo sem me oferecer trago qualquer e, mesmo assim, preenchia as paredes já que as páginas não lhe cabiam ou os goles lhe saciavam. Aquelas páginas, vale ressaltar, é que não lhe cabiam, porque as outras - as tantas que escrevi - estavam perfumadas com sua inoportuna e indispensável presença. Aquelas páginas eram outra história. Já aquele, logo atrás de mim, repousado no sofá, era quem, paradoxalmente, atrapalhava meus estudos enquanto me fazia a massagem perfeita no ego ao me instigar a continuar.
Não era sobre habitar o mesmo cômodo, muito menos sobre incomodar. Quando eu terminava mais uma parte do livro, a vírgula para o fôlego estava justamente na procura pela digressão que me levava até lá longe, onde ele estava, divagando vagarosamente sobre qualquer assunto que não o diante dos meus olhos, diagramado e editado.
Mal sabia ele que eu nada lia. Apenas escrevia mais um capítulo sobre nós.
Bastava olhar para trás pra ver que eu...
Capitulo você.
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