quarta-feira, 16 de julho de 2014

Um dia é o que preciso

Um dia. Só preciso de um dia.

A noite anterior foi uma bagunça. Suas falas não encontravam as minhas. Perdíamos os sentidos até que ambos não sentiram mais nada. Era sua cobrança libertária demais e meu apego egoísta. Totalmente contrários. Deixei tudo o que era importante para ser dito da maneira mais desesperada. Você apenas retribuiu com sarcasmo. Acabou assim: sem olho no olho, sem abraço demorado ou beijo de despedida. Acabou. E eu afundei em mim mesmo.

Goles e mais goles para amortecer aquela velha dor no peito que pressiona o coração como se alguém o estivesse segurando. Ao mesmo tempo em que o corpo relaxa, a mente começa a despertar e em disparada pelos corredores da minha pele, arrepiando tudo e transformando meu sangue em água fervente.

Falo com um, falo com outro, procuro só você, acho, sinto raiva, tento desprezar, bebo mais um pouco e resolvo ouvir música. Como se estivesse sentado numa mesa de bar, sozinho, apenas acompanhado por uma voz envolvente, vejo a vocalista cantar só para mim. Ela não estava lá, de fato. Ela cantava para não cheirar mais cocaína ou beber. Ela cantava para estancar alguma ferida. E eu ouvia para poder sentir a minha arder.

Sofri bastante enquanto imaginava aquilo que não mais teria. Era bom, apesar das divergências. Eu tinha dois corpos, dois sexos, muito sexo, um carinho, alguns sorrisos, risadas exageradas... Eu tinha tudo de mim em dobro. Fiquei mal acostumado e isso fez tanto bem. Até eu perceber que não tinha nada. Que tudo poderia passar em alguns dias. Ficar a deriva é algo muito íntimo e solitário. Não se deve entrar neste estado por conta do outro. Tem que ser por conta própria. Então eu tive que continuar sozinho. A distância, o silêncio, suas cobranças, sim, tudo isso era verdadeiro e munido de razão. Eu que quis levar assim, sabendo como acabaria. Sinceramente, saber que teria um fim breve me deu segurança o bastante para não tirar sua mão de cima da minha.

Sofrer durante um dia é essencial. Fingir que sol não esquenta, que céu azul não seduz - e sim, azul é uma cor muito atraente - ou que olhar para outros caras é inútil não surte efeito por mais do que 24h. Logo as coisas se acertam, o peito para de soluçar e provavelmente um cigarro vai provar que seu gosto é mais amargo do que o de bebida amanhecida ou do "não recebido" beijo de despedida.

Olhei no espelho e vi aquela imagem magra, manchada de sombras pelos cantos dos ossos, e percebi que  não foi você que acabou comigo. Fui eu que nem me comecei.

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