domingo, 13 de julho de 2014

Céu grisalho e barba de mangue

Se você visse essa foto me chamaria de doente e viraria o corpo para o lado oposto ao meu. Uma praia petrificada pelo frio polar, uma areia metálica, um mar ausente de si mesmo, riscado no horizonte como fina linha escura. A paisagem não poderia ser melhor e essa visita ao litoral foi realmente incrível.

Dias assim me fazem querer pensar não só por mim, mas por todos que amei. Cada um deles inserido na peculiaridade de seus sorrisos e olhares. Todos sempre cheios de falsa segurança ou dependência que tentam me prender de um jeito ou de outro. A dialética do romance, do apaixonar-se, ensinando aos novos amantes os passos básicos da dança bipolar que é o tal amor - às vezes juntos, de tórax colado, às vezes só tocando a pele com o calor do corpo. Cada um deles sempre em mim, seja dentro do meu corpo ou fora dele, alisando minha nuca ou dizendo "adeus" com lábios mudos.

O suspiro oceânico acariciou meus  pelos com arrepio e então encolhi os ombros. Era a praia que todos odiavam, aquela que só serve de morada para bestas marinhas. Perfeita. Fomos eu e meus demônios.

Afundei os pés naquele enorme cinzeiro e lá fiquei, apagado. Olhos vagos buscando nada. Aos poucos consegui esvaziar a cabeça e somente o barulho das ondas se manteve igual. Um cigarro, barras da calça dobradas, barba de mangue, ossos confortavelmente enterrados por debaixo das roupas velhas. Eu e mais ninguém. Uma foto para registrar aquele momento. Pronto.

Não sei quantas horas se passaram naquele instante, nem mesmo se eu seria capaz de me recompor depois de tudo que experienciei. Não saber me ajudou a viver tudo o que tinha para ser vivido - não como imposição, mas como forma curiosa de morrer subitamente. O tudo era fim.

Eu te disse uma vez que minha intenção era fingir - por alguns bons instantes - do meu ceticismo. E acreditar que sim, havia espaço para querer e conseguir. Não se trata de esperança, mas de utopia, morfina, benflogin  ou algo próximo disso. Sentimento sob controle não passa de razão, entende? Precisávamos viver a fluidez da insensatez, simples assim. Você riu, rasgando um traço de pedantismo no rosto. Foi aí que meu querer se calou.

Nunca acreditei na beleza de uma praia afundada no clima gélido. De qualquer forma, não me importava muito com ela. Mas lá, sentado, caído como Samael, eu me entreguei à incoerência. Louvei a solidão com um entusiasmo doentio e falei sozinho sem poupar entonação. Fiz o deus de mim mesmo. Era a única criatura ali capaz de chorar.

Definitivamente, um deus de mim mesmo.

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