sábado, 9 de março de 2013

Ceifa a dor

Invoco para esta noite toda a melancolia que paira pelas ruas. Abro as portas de minha casa para que a peste encontre abrigo e tome da angústia meu corpo. Quero deixar de ser e para isso preciso da noite e suas servas. Preciso do feitiço mais poderoso. Por favor, ceifadora de vidas, venha me buscar. Já está tarde demais e eu preciso dormir.

(...)

"Todos os dias. Todos os dias da maldita semana. O calendário pregado na parede. Carrasco. Contava os dias para me ver de joelhos, implorando pela guilhotina.

Da última vez que recebi uma carta sua, devorei-a. Estava com tanta fome. Fome de você. Mal pude sentir o gosto das palavras, o cheiro das frases... a textura do seu texto. Engoli e logo veio a apetência. Diante da mesa, só restou eu, meus cigarros e as lembranças turvas no fundo do copo.

Ao meu redor, milhares de bocas fartas de conselhos - e perguntas. A cada segundo, alguém surgia da penumbra para compor teorias sobre a miséria que havia se instalado no meu ser. Uma lista tortuosa de suposições, acusações e fórmulas secretas para curar as chagas da alma. Tudo uma grande merda que eu fazia questão de pisar.

Como explicar para um bando de desconhecidos que de si mesmos sabem tão pouco quanto eu sei sobre minha angústia? Eu digo "ela não tem nome, causa, nem forma"; a tristeza surge, apenas. Sorrateira, leva o sorriso como se ele nunca tivesse existido. Não deveria dizer nada. Só que tem dias que eu gostaria de ser compreendido por alguém fora da minha mente. Rabiscar as paredes da própria consciência já se tornou algo repetitivo e sem graça.

Por que estou aqui? Não achei outra saída, senão esta folha em branco. Acho que chegou a hora de lhe enviar uma carta."

Se for pra sair de mim, que saia sem avisar. Que não me dê abraço algum ou beijo de despedida. E se lhe restar algum pouco de dignidade, jamais me faça olhar para trás. Deixe-me, abandone-me de uma vez por todas. Corte com seu desprezo os laços invisíveis que um dia ataram nossos corpos.

Por favor, ceifadora de vidas, eu preciso dormir.

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