quarta-feira, 13 de março de 2013

Pessoas comuns





Sempre fui tímido. Evitava os olhares, os comentários e pedia para que meus professores não pronunciassem meu nome durante a chamada. Eu era apenas um número e me sentia bem nessa condição. Era só mais um – no caso, o 43º. Não mudou muita coisa com o passar do tempo. Só naquele dia em que eu deixei de ser o tal “mais um” e virei dois.

Era um local aberto. Grama verde, céu azul, troncos de árvore marrons e cadeiras cinzas. O dia foi de preparação: cortei o cabelo, fiz a barba, tomei um banho demorado e relaxante – tudo à base de boa música e nenhuma presença. Fiz questão de me arrumar sozinho. Dessa forma, podia aproveitar aquele espaço de tempo no qual a realidade era apenas um processo de transição e eu estava solto. Sabe aquela sensação de que nada é verdade? Tipo sonho. Isso, tipo sonho mesmo.

O ritual diz que o atraso deixa tudo mais empolgante. Entretanto, tenho fobia quando se trata de horários. Cheguei em ponto e lá fiquei, admirando o dia e a beleza que se instalou nos meus olhos. Mal percebi os olhares e gestos. Bem, todos estavam animados, não valia a pena estragar o momento. Fui até o altar e falei com quem precisava falar. Fui nas rodas familiares e sorri para quem precisava sorrir. Sentei e então te vi, entrando lentamente, com os olhos marejados, evitando me olhar – pois dali desaguaria o rio de emoção no qual nossas vidas se encontraram. É, meu caro, meu coração bateu tão forte, mas tão forte, que doeu o peito. Como disse um poeta: “Toda dor esconde uma pontinha de prazer”.

Vi e senti ao mesmo tempo. Cada passo fazia com que meu rosto queimasse mais ainda. Trocamos aquele olhar que vale mais do que qualquer beijo e então seguimos o protocolo. Enfim estávamos juntos perante os nossos. Sim, nossos laços já existiam, mas era preciso deixar claro que existíamos não só para o nosso amor, mas para o amor que compartilhamos com amigos, família etc. Aliança nos devidos lugares, aquele lábio doce tocando o meu e o gosto de canela perfumando sua boca. Eu te declaro meu. E declaro meu amor para quem mais quiser ouvir. Foi assim.

Descemos para o salão e era chegada a hora da dança. Eu não vou descrevê-la. Vou tirar as palavras para deslizarem comigo, quem sabe assim possa traduzir melhor o que vivi.

“Lutei sozinho por muito tempo. Vivi os dias como se fossem pequenas batalhas imersas na guerra diária pelo direito de ser sem temer. Busquei forças nos destroços que ainda atendiam pelo meu nome. Reuni-me, organizei-me e parti. Jamais me vi como vencedor ou herói, pelo contrário. Não havia mérito ou medalha, cidade em festa ou fartura no banquete. Havia apenas a chance de acomodar minha cabeça no travesseiro e relaxar por algumas horas. Dormia como nunca, esse era meu prêmio, o sonho, a ausência de consciência que enganava a fome, a tristeza e o que mais tentasse me tirar o sabor da vida. Sonhava descontroladamente com rostos e pessoas jamais vistas no meu cotidiano. Enganava-me com gosto e ia levando o desgosto a banho-maria.

Mas no instante em que você tocou meus ombros e apertou seu peito ao meu nada mais pesou. Senti que o mundo se tornara mais leve do que cansaço diário. Eu te amei tão profundamente que só pude materializar tal sentimento na forma de uma lágrima suave e transparente – o que há de mais puro em mim.

Rodava e esquecia-me dos cantos do salão, das cadeiras, do espaço, dos meus passos, caminhava em você com fé apenas nos seus movimentos. E foi tão bom, menino. De repente, pedi para que me beliscasse. Não acordei.  Ainda bem.”

Continuo tímido. Mas agora peço para que você diga meu nome de tempos em tempos. Preciso ouvir de seus lábios algo que me traga para esta existência. Ser o “um” que completa o nosso “dois”. Não mudou muita coisa.

Ainda bem.

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