Ofereça o pedaço mais dispensável de você. Faça questão de
não receber bem. Desarrume a sala, esvazie as panelas, tire o papel higiênico
do banheiro e esconda seus cigarros e bebidas. Faça da sua casa uma caixa de
pandora, na qual os males não saem, entram. E a esperança? Essa nunca é
bem-vinda.
Fecha o caderno e vá se estragar.
Desde que fui morar sozinho não tive mais problemas com
visitas indesejáveis. Meus poucos amigos desapareceram com o tempo. Viram na
minha vida o retrato do desgosto e pesadelo de não alcançar o sucesso
profissional/emocional. Eles tinham filhos, eu tinha cigarros e uma gata que assassinava pombas. Suas crianças eram saudáveis, as minhas, bem, não preciso nem dizer. Suas
esposas eram a personificação de Deméter, sempre atentas e cheias de críticas,
protegidas pelo feminismo de cartilha e à mercê do “romachismo”, o ato de suportar maus tratos por amor.
Sim, minha visão negativa sobre a vida deles pode até soar
como inveja. Mas veja, não precisa forçar muito o intelecto para perceber que
eu desisti. Eu perdi. E o pior: perdi porque quis. “Vencer” dá trabalho e
nenhum retorno, de fato. É como pagar aluguel; o
dinheiro nunca é seu. A conquista nunca é sua. Tudo não passa de uma pobre farsa, tão pobre e raquítica que mal consegue
cobrir os olhos com ilusão. Pirotecnia esdrúxula.
Cá estou. Sozinho, insatisfeito, agoniado, magro, com a boca
amarga. O que sobrou de mim? Ou melhor, o que sobrou em mim? A vontade de
escrever esse “poema”:
“Amar(g) cura
“Amar(g) cura
Sobrou de ontem um pouco de mim
No recipiente dado pelo pai
o corpo em pó que reside aqui
causa a alergia que não me deixa em paz
Espirro minhas frustrações....”
Não consigo. Escrever nunca foi assim, pelo menos para mim. Rimas previsíveis, fórmulas, estruturas? Não. A poesia que reside em mim dança melhor na tempestade. Vamos recomeçar:
Amar(g)cura
Não consigo. Escrever nunca foi assim, pelo menos para mim. Rimas previsíveis, fórmulas, estruturas? Não. A poesia que reside em mim dança melhor na tempestade. Vamos recomeçar:
Amar(g)cura
Corre sem olhar pra trás
Quem te persegue é a sombra da Solidão
Ela te quer, anseia por você
E você nada quer, nem homem, nem mulher
Entra na primeira viela
E finge que não viu ela
Foda-se, não quero conversar
Da pior das hipóteses, ainda tenho a mesa de bar
Puxei a cadeira só para mim
Ato de gentileza pra amenizar a estranheza
Tudo vazio, copo, corpo, colo
O maço começa se desfazer
Minha alquimia é simples
Transformo fumo em fumaça
Faço mato virar nuvem
Faço o que é do chão se bandear pro lado do céu
Sentou sem minha permissão
Bebeu da minha bebida, riu das minhas feridas
A tal solidão não te deixa cartão nem telefone
Ela te deixa sempre com fome, com um vergão
No canto da boca, rasgada e maltratada
Disse que prefere o amargo
Duas vezes amargo
Aquele que passou pelos meus lábios
E se cobriu de fel
Nem ela me quis, disse adeus assim
Como se fosse fácil praticar o desapego
Não olhou pra trás, a solidão me deixou, como faz?
Faz como se não vivesse na tortura
E ainda tem gente que diz que
Amar cura.
Isso mesmo. Quem com fel fuma, com fósforo será acendido.