segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Seek me...
As paredes haviam desabado e não consegui me mover. Da janela do quarto, pude observar o desespero das pessoas e o sangue dos cavaleiros. A ironia surgia como a luz do sol nascente, banhando de ouro a desgraça instaurada. Nesse instante, procurei a paz na cegueira do infinito. Batizei meus olhos com o fogo solar e de rei não sobrou mais nada. Não fiz isso pelo sangue derramada, fui mais egoísta. Fui além da coroa. Fiz isso por você.
Minha vida é normal. Acordo todos os dias o mais cedo possível e tomo conta dos afazeres de casa. O restante da minha família dorme em paz. Não tenho do que reclamar. Minha rotina toma conta das chateações. Ela me sufoca de coisas para fazer e aí evito pensar no mundo e suas complicações. Gosto bastante de desenhar e jogar bola. Meus amigos sempre pedem algum desenho, geralmente, uma caricatura. Estou prestes a terminar o curso na igreja. Conheci Deus e sua história lá. Também ouvi falar do diabo, mas este a gente não precisa dar muita importância.
Nesta semana vamos ter que escolher nossos pares para a festa do "Dia dos Namorados". Os casais vão participar de um concurso de dança e quem ganhar vai poder passear no bosque da cidade com uma cesta de lanche completa. Eu não queria participar, mas sou obrigado. Existem algumas meninas interessantes, mas ainda assim, não sei, parece muito... Não sei, acho que ainda não aprendi a palavra a ser usada.
No dia de definir os casais inventei que estava doente. Mesmo assim não pude evitar o baile. Os que faltaram no dia, automaticamente, formariam pares. Selena era o nome dela. Sua pele parecia feita de neve e seus olhos eram escuros como duas castanhas. Não sorrimos. Faltamos pelo mesmo motivo. Ficamos juntos pelo mesmo motivo.
Pouco nos falamos até o dia do concurso. Ensaiamos alguns passos e só. Até tentei puxar assunto, mas parecia que meu corpo e mente estavam rejeitando algo. Olhava para Selena e só pensava em dizer "Vamos fugir e deixar tudo isso. Vamos ver o mar e dançar para as estrelas apenas". Nunca tinha pensado nessas coisas antes, nem ao menos cogitado desaparecer. Não tinha do que reclamar. Agora tenho.
Agora, minha rotina me matava. Selena estava um doce comigo, pois sua insatisfação inicial havia se tornado um bem querer imenso. Ela entendeu o que eu sentia. Faltamos pelo mesmo motivo, e agora somos amigos pelo mesmo motivo. Ela me contou sobre Julia.
"Passei os meus dias passando tinta branca naquela tela vazia. O contorno não existia pois meus olhos se fechavam para os limites daquele espaço ausente de tons fortes. Minhas mãos se perdiam como crianças que haviam esquecido o caminho de casa. Só ouvia os gritos dos meus pais dizendo que eu ia enlouquecer se continuasse com aquela tela morta. Eu já estava morta... Julia tinha sido separada de mim. Quando meus pais nos viram juntas naquela manhã de primavera, o sopro do inverno matou todas as flores. A última gota de néctar secou. Os lábios de Julia não tinham mais contorno e a cor vermelha havia sido roubada. Certo dia, abri a caixa de correio e vi um pacote com o meu nome. Era um conjunto de tintas. Muitas cores, todas nomeadas. E no lugar da cor do amor estava escrito "Julia". O vermelho só nosso. Nesse dia, resolvi faltar na escola e passar o dia pintando Julias e mais Julias no teto do meu quarto".
Selena conseguiu ultrapassar as barreiras do meu ser. Ela se viu no reflexo de uma vida patética que pertencia àquele garotinho introspectivo. Viu-me, como nunca ninguém viu. Eu lhe contei sobre Joshua.
"Estava prestes a terminar o curso na igreja... Foi quando conheci Joshua. Seus olhos tinham uma cor diferente. Pareciam amarelados como raio de sol. Queimaram os meus e apelei para a cegueira naquele instante. Eu o observava pela janela, enquanto outros garotos apenas se estapeavam e jogavam terra uns nos outros. Ele ficava em silêncio e percebi que aos poucos as paredes que protegiam o meu coração caiam sem parar. Minha vida é normal. Minha vida era normal. Era condicionada. Era anormal para o meu espírito. Resolvi estudar junto dele. Conheci Deus e sua história enquanto Joshua acariciava meus cabelos. E a família que sempre dormia em paz acordou e veio me falar sobre o diabo. Eles pareciam dar muita importância para ele. Disseram que Joshua era um falso desgraçado, que não merecia viver e que eu estava contaminado por uma doença terrível. E enquanto bebia as lágrimas salgadas que escorriam de seus olhos,encontrei a palavra que até então não havia aprendido: superficial. Tudo era superficial até encontrá-lo. Ele não precisava fazer muito, não me prometia o céu nem mesmo uma vida de luxo. Não me dizia que ia durar para sempre, pois era no presente que eu afogava o tempo e enchia os pulmões de vida. Resolvi faltar na escola para passar o dia olhando nos olhos de Joshua. Batizei meus olhos com o fogo solar e de rei não sobrou mais nada. Não fiz isso pela mágoa acumulada, fui correto. Fui além da hipocrisia. Fiz isso por nós."
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Um comentário:
" Batizei meus olhos com o fogo solar e de rei não sobrou mais nada."
Largar o reinado para se dar a quem amamos - é a essência do que temos de mais puro.
Gosto dos teus contos e esse, eu já havia lido =)
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