Eu... prefiro cair pelos cantos
do que me render ao ouvido do outro
sempre atento e eu, nunca mudo,
pronto pra me deixar entrar e não sair
da sua mente. Aquela que está bem
que está saudável e que vai me dizer
como arrancar o caroço em minha mente.
O pedaço duro que não serve de semente.
Mesmo com rima simples eu
sei que ele não vai entender.
Chego, entro, sento, olho e fico
parado diante do outro, tentando dizer
mas calado.
Travado, não consigo me mexer,
é estranho, é forçado, mas não faz tremer
nem suar, nem nada.
Tá tudo bem? Tá. Não parece.
E se for falar, vai soltar à mesa o que não
faz sentido algum. No final das contas, quando
fechar o bar, o conselho será: você precisa procurar ajuda.
Sentei por quê? Aceitei por quê? Existem conversas que
só existem porque não são anunciadas.
Elas simplesmente surgem do entendimento a
respeito do que está em jogo e se entregam
à competição de narrativas.
Se eu te contar o que estou sentindo, você vai me dizer
o que eu gostaria de ouvir?
Se sim, então fale logo.
Se não, dá licença.
Lá dentro as frases gritam. Elas berram o
que eu deveria dizer pra gente se entender.
Mas não consigo. Parece que engasgo e
fica tudo preso entre a garganta e a nunca.
Posso bater no peito que não adianta.
Cavuco, acaricio, mas nada, nada sai. E aos poucos
eu o vejo desaparecer de mim. Ele desiste de
tentar me resgatar.
Ele cansa de tentar conversar e
me convencer a me ajudar.
Quer sentimentos leves, quer um toque macio
quer aconchego no sorriso constante da outra
E eu só sei estar vazio.
Ele simplesmente some.
Eu, finalmente,
começo a me sentir
como um peso.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018
Fruta escura
O medo deles, os pálidos, era o de que o filho da terra escura germinasse mesmo com todo o sal que jogaram em seu berço. Mas ele cresceu. Ele brotou pra fora todo o ódio e, sem pensar duas vezes, aproveitou a primeira chance que teve de cortar seu mal pela raiz. Como erva, começou pelas frestas, pelos cantos. “É dos lugares que ninguém olha que eu vou me espalhar feito daninha no jardim dos salgados”, dizia ele, agora caroço.
Das mãos antigas, ele, o próximo de sua árvore genealógica, foi jogado pro ar para poder respirar entre os cachos dos ventos. Semeou-se nas entranhas da mãe e com a inchada do pai foi plantado para fora do quintal. O mesmo garoto, o mesmo ódio correndo pelas vinhas, os mesmos frutos férteis, quentes e vivos que não apodreceram ainda que arrancados do galho a chicotadas. O ódio que nutriu tanto quanto amor as árvores já crescidas deu forças para carregar as folhas secas do povo da terra. Dos que se foram, dos que não aguentaram e se foram, caindo amarelados pelo tempo. Adubo, cada um deles e delas virou adubo e abraço úmido que curou, fortaleceu e fez florescer quem hoje amedronta os inférteis com suas raízes robustas. “Floresçamos, eu, vocês, nós, sempre, sempre à flor da pele escura”, dizia ele, agora broto.
Cada marca na casca de madeira anoitecida talhou uma lembrança amarga, mas delas, e somente quando sentavam ao seu redor para ouvir suas memórias, escorria a seiva doce capaz de untar os lábios secos por uma simples palavra de consolo. “Sente debaixo da minha grandeza e aproveite a sombra que eu faço, aproveita que comigo, todo mundo escurece e se reconhece. Todo mundo cresce quando escurece”, dizia ele, agora ramo – o rumo.
Durante as conversas sob a penumbra ainda havia muito ódio nas frases ditas e mais ainda nas silenciadas. O olhar dele percorria os outros olhos, buscando nos pares seus semelhantes – aquelas outras metades agora juntas, quietas, e ainda muito lascadas por cada caule à boca que as tentaram emudecer. Naquela noite cujo fogo não passava de um mero convidado a ouvir o que o garoto – já homem – tinha a dizer, a floresta se fez. Toda vastidão do breu retomou para si cada lote, cada pedaço, cada chão tirado à força, arrancado dos pés. Disseram os salgados que tentaram devorar as selvas e savanas: “vocês colhem o que plantam!”.
“Então, vocês colherão o ódio. Nós, os frutos”, dizia ele, agora mata.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
Raio de areia
Nestes dias de noite por dentro, eu viajo sozinho pelas
vielas que desenhei com a ponta das unhas. O mundo petrificou meus pelos e cobriu de cinza a pele toda. Deixei por onde passei rastro e marca das palavras que me faltaram à boca, mas nunca à mente. Nublado, senti o cheiro de chuva que se aproximara subitamente e aceitei, a cada trovoada sob o peito, a chegada da tempestade. Cortava o céu o raio em busca das areias que ainda me aqueciam por dentro.
O ritual é o mesmo: apago as velas, abro a garrafa, afogo a garganta, seco os lábios e chamo por quem não vai ouvir minha voz rouca de tanto cantar nossas músicas. Num cômodo pequeno, com espaço suficiente para sufocar meu desejo, fico enjaulado, temperando as vontades com álcool. O corpo é o primeiro a desistir e eu adoro. A sensação de queda sem se estilhaçar é algo raro, tem que saber desistir e se abandonar.
Eu, quando sinto que há chão debaixo dos pés, faço questão de me enganar. Finjo que estou bom, recuperado, sóbrio, firme, levanto e sinto o mundo rodar. Não sou de jogar nada fora, nem comida, nem bebida nem a mim, e acho que nem a você, mas quando as solas se cansam do concreto, do certo, do correto, jogam-se nas areias escuras do Kemet – sempre quente - que confortam e sepulcram aqueles que já morreram demais pra viver. Os pés, quase sempre rachados, afundam.
Volto toda manhã. Eu volto como aquela luz insuportável que corta as pálpebras e faz cada músculo do corpo recuperar suas funções e posições, tipo motor aquecendo pra sair, sem hora pra voltar, mas sempre com hora marcada pra partir. Aquele amanhecer que azeda por mostrar que ainda estamos azedos e o sono de ontem não foi o bastante. Eu sou assim, o despertar sem música, sem sopro, sem voz, só corpo, calor, copo seco, peso, carne, língua, osso, saliva, sangue, suor, dor. Te(n)são.
Há uma roleta de pessoas que se exprimem pra entrar no meu barril e ser a próxima bala a furar minha cabeça pra atingir o coração. Nunca saberão, entretanto, quando vão ser a bala da vez - ou o beijo da vez.
O que sabem é que entre areia e tempestade, vão sempre me encontrar, parado, afundando os pés. Relampejando as ideias.
Trovoando o coração.
O ritual é o mesmo: apago as velas, abro a garrafa, afogo a garganta, seco os lábios e chamo por quem não vai ouvir minha voz rouca de tanto cantar nossas músicas. Num cômodo pequeno, com espaço suficiente para sufocar meu desejo, fico enjaulado, temperando as vontades com álcool. O corpo é o primeiro a desistir e eu adoro. A sensação de queda sem se estilhaçar é algo raro, tem que saber desistir e se abandonar.
Eu, quando sinto que há chão debaixo dos pés, faço questão de me enganar. Finjo que estou bom, recuperado, sóbrio, firme, levanto e sinto o mundo rodar. Não sou de jogar nada fora, nem comida, nem bebida nem a mim, e acho que nem a você, mas quando as solas se cansam do concreto, do certo, do correto, jogam-se nas areias escuras do Kemet – sempre quente - que confortam e sepulcram aqueles que já morreram demais pra viver. Os pés, quase sempre rachados, afundam.
Volto toda manhã. Eu volto como aquela luz insuportável que corta as pálpebras e faz cada músculo do corpo recuperar suas funções e posições, tipo motor aquecendo pra sair, sem hora pra voltar, mas sempre com hora marcada pra partir. Aquele amanhecer que azeda por mostrar que ainda estamos azedos e o sono de ontem não foi o bastante. Eu sou assim, o despertar sem música, sem sopro, sem voz, só corpo, calor, copo seco, peso, carne, língua, osso, saliva, sangue, suor, dor. Te(n)são.
Há uma roleta de pessoas que se exprimem pra entrar no meu barril e ser a próxima bala a furar minha cabeça pra atingir o coração. Nunca saberão, entretanto, quando vão ser a bala da vez - ou o beijo da vez.
O que sabem é que entre areia e tempestade, vão sempre me encontrar, parado, afundando os pés. Relampejando as ideias.
Trovoando o coração.
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