terça-feira, 28 de abril de 2015
Nascer do dia
O seu medo de sair e ver o dia nascer era grande demais. Por isso passava a maior parte do tempo escondido na penumbra do quarto. Queria luz, mas que ela viesse do olhar dos outros. Queria arejar o ambiente, mas com a presença de quem um dia foi sua. Foi e não voltou. Só você ficou.
A angústia lhe fazia rolar sobre os lençóis. Pedia para voltar no tempo, resgatar o que a vida transformou em memória e sentir novamente o sabor da alegria a temperar teus lábios. Perdia-se pelos mesmos quereres, sem se perceber. Abandonou-se com facilidade, afinal, difícil mesmo era cuidar de si, sozinho. Um mimo colossal embalou os dias vestidos de noites e as noites vestidas de lua brilhante. Era só soluço sem solução. Ficava paralisado, mirando o céu ainda mais apagado que seu semblante. Olhava para o forro estrelado, mastigava algumas palavras tristes e praguejava contra o presente - que de presente só tinha aquele belo embrulho a esconder frustração. Você queria ganhar o que perdeu, mas presente nenhum lhe daria isso, muito menos lhe traria isso. Era você que se traía ao ansiar por algo que seu estômago embrulhado já havia devolvido para o mundo. Um amor indigesto. Uma úlcera de regalo.
Mas, de repente, você me achou no silêncio. Eu era um monte de palavras a desfilarem diante dos seus olhos, travestindo a tristeza com fantasias literárias. Transformando a realidade seca numa chuva de possibilidades. Entrei pela porta do seu canto, respeitei as trevas que lhe envolviam, abri a janela e pedi para que colocasse a cabeça para fora. O mundo, o céu e todos os seus mistérios são bem maiores do que o abismo na alma, meu caro.
Seu sorriso riu pro meu peito. Seu rosto deitou no meu coração. Seus olhos pegaram nas minhas mãos e elas olharam para seus cachos. Desenharam dunas de areia escura com a ponta dos dedos enquanto eu - texto, escrita, letras, frases, começo, meio e fim - sussurrava repetidamente "Agora só falta você" dentro da sua boca. Ambos ouvimos o sangue correndo pelos músculos, irrigando nervos e os pulmões batiam aceleradamente. Corpos babilônicos trocando as funções e se desencontrando no labirinto de novos desejos. Mas corpos iguais. Entropicamente iguais.
Finalmente você aprendeu a querer mais do que queria. A querer o que não conhecia. Na manha - e manso -, despertou-me com um beijo quente, espreguiçando-nos. O sol nos paria sob o ouro matinal e a escuridão, escondida, fugia para dentro das nossas bocarras e seus bocejos recém-nascidos.
Você venceu o medo de ver o dia nascer. Pegou-me pelas manhãs e me levou pra ver o mundo.
Foi e não voltamos.
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