quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Valsa perdida



O par faltou. Ausentou-se da dança e do meu corpo. Fugiu da minha mão e a deixou girando sozinha no salão durante toda a valsa. Vagando, percebi só a mim, largado num facho de luz misericordiosa que ria satisfeita da minha solidão desengonçada.

O par de pés não se entendia. Entediavam-se ambos os cascos naquele chão liso de madeira morta. Manchado com o suor dos que haviam se encontrado na melodia. Dois para cá, dois para lá. Eu, ali. Mas me recusava a sair e deixar de ser o dançarino perdido. Eu fiquei sem esperança. Fiquei por teimosia, balançando apenas as poucas moedas que ainda sobravam no bolso e algumas lembranças que guizavam dentro do peito.

Pouco a pouco foi tomando meu ser aquela paz fúnebre dos que morrem em vida. Seco por fora, encharcado por dentro, ainda em movimento - tal qual os astros na escuridão do universo. Assim fui, embalado pelo doce cheiro de cigarros e perfumes girando em torno da minha órbita melancólica. Ninguém me via, mas de longe sabiam que o brilho ali presente entre meus olhos entreabertos anunciava o funeral distante de algo que um dia cintilou excessivamente. Como estrela, gastou-se em silêncio, estático, o iluminar de um querer sem fim. E que extinguiu-se em si - como tudo.

Era incapaz de lembrar dos nomes de tantos nomes que passaram por minha memória. Entretanto e tantos, ficava o toque como marca na pele. A pressão dos dedos e dos braços entre abraços, o peso do pulso no ombro e um leve desenhar de rosto com as costas da palma.

Durante a valsa perdida dos meus dias, senti - por insistência da vida contrariada - os outros a fundirem-se à minha silhueta.

E naquele salão imenso, era eu, o par de um, a se bastar. Vivendo a música das minhas verdades.

Nenhum comentário: