domingo, 7 de setembro de 2014

O primeiro dos últimos



Hoje foi o primeiro dia vivendo juntos. Agora ele dorme ao meu lado, exausto. Foram muitas horas dando cara de "lar" aos cômodos. Há poucas semanas eu não seria capaz de dizer que a mudança fosse acontecer. Nosso primeiro dia morando juntos...


Logo cedo

Dormi demais e cheguei atrasado na estação de trem. Ele não me olhava. Mantinha sua visão presa aos ponteiros do relógio. Sim, eu já havia entendo o recado: "não diga nada, apenas ande e prossiga como se tudo estivesse acontecendo de acordo com o planejado". Mas eu queria falar. Estava morrendo de vontade de conversar com ele. Então não me aguentei e soltei o verbo... Ele sorriu de leve, amanhecendo aos poucos diante de mim e quando reparamos o dia já era meio. Metade para cada um.

Enquanto o mundo passava feito filme pela janela do trem, minhas mãos cochilavam nas dele. Estávamos partindo para um novo lugar afastado de todo o passado. Não se tratava de fuga. Pelo contrário, queríamos encontrar algo verdadeiro. Algo que não tirasse de nós o mais básico dos direitos: o de ser. Depois de algumas boas horas, para o trem e correm as batidas dentro do peito. Chegamos.

Ela era tímida, coberta por folhas secas e pintada de branco. Um branco cansado de ser tão pálido e que tentava a todo custo parecer cinza. Foi paixão instantânea. Eu vi naquela casa um véu de silêncio que cobria de suavemente tudo o que buscamos juntos durante anos. Silêncio para que nossas juras fossem sussurradas.

A tarde chegava com seu laranja inconfundível. Encostei minha cabeça no ombro dele e baixei a guarde. Fiquei totalmente vulnerável. Nada mais me incomodava. Ele desenhava meu rosto com a ponta dos dedos e assoviava "Sea of Love". Olhávamos para o nada -  a utopia de nossas próprias existências - sem esperança alguma. Era tão bom... Era liberdade.

Do alto das sobrancelhas eu via o céu escuro dos seus cabelos a anoitecer minha ansiedade. Ali ficamos, deitados... Sem uma simples palavra... Eu o amo mais do que ele poderia imaginar.

O início do desconhecido. A cama sendo arrumada pelo desejo - cuidadosamente preparada para acordar bagunçada. O carinho tomando conta da sala, deixando as almofadas entre o sofá, já imaginando a chegada do par de corpos friorentos. E o amor. O amor não saiu de nós para ajudar na arrumação. Ele ficou no seu canto e aos poucos tomaria conta dos cheiros, cores, texturas, sons e o que mais estivesse ao seu alcance.

A vida não era nem de longe perfeita. Ela apenas se apresentava bem naquele momento. Como de costume, recebeu-nos de braços abertos dando as boas-vindas aos novos moradores. A vida, nosso lar. A casa que escolhemos e nos acolheu.

O primeiro dia para nós, os dois últimos.

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