quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O complexo vem sem medo

Perdi a conta de quantas calçadas eu precisei me perder para te achar, assim, numa esquina, fantasiado de fumaça – todo cheio de graça. Completamente indisponível, como último cigarro do maço, mas pronto pra caber entre os meus lábios. Indispensável.

Amigos e mais amigos perderam a conta de quantas vezes me disseram: “Quando você menos esperar, ele vai aparecer”. E eu passava a esperar mais ainda, com vontade de ter só porque era assim que meu coração dizia que tinha que ser. Passei por filas, vagões, assentos de ônibus, mesas de bar, por tudo o que pude. Mas eu passava e olhava, sem ver nada. Quando vi, parei, pensei e não fiz nada. É assim que funciona: quando eu menos espero, mais me desespero e palavra nenhuma pega carona na fala. Na ponta da língua não sobrou frase feita muito menos perfeita. Na ponta da língua só a boca selada. Então o peito se enche de coragem e pede pra gritar. O berro sai da ponta dos dedos que, sem educação nenhuma pede pra tocar seu rosto e desenhar as quatro linhas do seu queixo quadrado.

Quem dera todas as relações começassem assim, no silêncio. Na simplicidade do olhar que não tem nada de puro e já deixa claro – “ilusão de ótica, cegueira sentimental, miopia racional, astigmatismo estético“. Eu me dei de presente a chance de ser enganado, afinal, é mais simples não viver e interpretar o protagonista da própria vida, decidir - por meio de um falso roteiro – quem vai beber do mesmo copo que a decepção. E o simples se resume em ressaca. O complexo vem sem gelo. Sem medo.

Toque
Respiração
Aperto de mão
Perfume forte
Beijo na barba
Atrição

Golpe
Abraço de alma
Duas costelas
Dois Adãos
Sua mão
A minha sobre ela

Porta aberta, cama bagunçada, cinzeiros no lugar de vasos. Você, eu, minha casa desconhecida - aberta para um conhecido -, no lugar de conversas. Não fiz sala – não havia sala pra se fazer, apenas um sofá disputando espaço com as garrafas -, só mantive o silêncio.

Janela aberta pra rua do céu. Nela, a lua mostrava metade do rosto. A outra metade estava colada no topo da minha boca, de olhos fechados e mordidas cadentes.

Cedo ou tarde um de nós virará a esquina. E não vale a pena esperar. Não vale a pena dizer qualquer palavra.

Perdi as contas de quantas vezes eu achei que duas pessoas somadas se tornariam apenas uma. Perdi a conta, mas não perdi o texto. Nem o desespero. Nem você.

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