A chuva simplesmente parou. No seu lugar, o sol mais
radiante do que nunca. Consegui manter meus pés secos e de quebra ainda
aproveitei duas rodas: a de samba e a de capoeira. Tudo certo. Até que...
Às vezes sinto que meu
coração é feito de papel. Dobra, desdobra, amassa, recompõe o formato, encolhe,
aumenta e no final das contas volta a ser aquela mesma folha em branco.
Cada passo acelerava mais as batidas do coração e no segundo
em que a fumaça adentrava meus pulmões senti como se a nicotina tomasse o lugar
do sangue. As veias enlouqueceram. Traguei com tudo o que tinha – e tudo o que
tinha. Envenenado, tentei manter a pose. Escureci os olhos com as lentes dos
óculos e cerrei os lábios – uma vez que são eles o maior perigo dentre os
muitos perigos.
Às vezes sinto que meu
coração é feito de fumaça. Muda de forma conforme a força do vento. Se a brisa
é morna, ele desliza lentamente pela caixa torácica. Mas se vier fria, então
pesa como nuvem carregada e berra seus trovões a esmo. Berra pra quem quiser
ouvir, mas nunca para quem deveria ouvir.
Impossível controlar as vontades. Só consegui silenciá-las.
Olhava para as árvores, para outras pessoas, para a poça d’água. Olhava para
qualquer lugar que não me trouxesse aqueles olhos. E por alguns bons minutos
senti como se estivesse vivendo minha própria utopia. Um campo verde, uma
criança correndo entre nós... e nós.
Às vezes sinto que meu
coração é feito de perfume. Engana o olfato da razão. Confunde os sentidos e
envolve os pensamentos. Ele dá o “ar e aroma” da graça ao quê, na realidade,
não passa de poeira inodora. Sabe agradar tanto quanto sabe enganar.
Pouco depois, busquei um ponto para firmar minha atenção.
Havia uma linha bem delicada, sempre pronta para arrebentar. O momento foi bom
dentro do seu silêncio. E foi na ausência de som que compus a trilha sonora da
tarde. Tudo o que eu gostaria de dizer ficou confinado dentro da cabeça. Não
vou dizer que foi satisfatório. Mas foi bom.
Às vezes sinto que meu
coração é feito de calcário. Pesa tanto que obrigado meu corpo a se inclinar
diante do amor. Pesa e não deixa que nada o invada. Ele quer invadir. Quer
adentrar o peito dos outros como pedra que estoura o vidro da janela. Quer ser
a rocha que cai do céu e cicatriza a terra sem empatia alguma. Seco, rústico,
mal lapidado, bruto... E quente como uma lasca de magma.
Quando já não havia mais nada a ser dito, desisti da fala e
fui para os olhos. Os meus, no caso. Com as lentes da câmera focadas, deslizei
os dedos pelo corpo da máquina e suavemente aumentei o zoom. Aquela pequena
mão, talhada em madeira recém-nascida encontrou toda a firmeza na outra palma –
que era firme como solo. Unidas, fizeram florescer a mais pura segurança...
fruto do amor sem papel, sem fumaça, sem perfume e sem peso. Amor feito de
gente. Amor, apenas.
Às vezes sinto que meu
coração é feito de carne. Pulsa como quem chora pelo peito que não amamenta
mais. Vermelho como a ferida deixada pela decepção ou pelo joelho ralado no
asfalto. Adoece com o tempo, assim como adoecem os corpos velhos, depois de
anos e anos de vida compartilhada, retratos e netos. E netas. Sinto que meu
coração segura o amor assim como aquela mão segurou a sua. Com a certeza de que
só podemos enxergar o horizonte quando não tivermos mais a ilusão de
alcançá-lo. Meu coração, aquele que deixou de bater e agora só toca. E um
simples toque bastou.
Valeu mais do que mil palavras. Mais do que mil imagens.
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