A verdade que nunca quer calar. É justamente aquela que
sufoquei durante muitos anos da minha vida. Por me sentir culpado. Por achar
que todos os meus pensamentos eram traiçoeiros e proibidos. Fui meu próprio
juiz e carrasco. Cavei minha cova, ajustei a corda e pulei do banco. Desde o
início, fui envolvido pelo silêncio fúnebre. E a garganta... bem, foi enforcada
pelo cordão umbilical.
Era a vida reivindicando seu posto na existência e a
autonomia abandonando meu corpo. Eu tinha que viver, pois antes de mim outras
pessoas já haviam decidido isso. O parto, momento em que muitos consideram “a
batalha final pelo direito de nascer”, não passa da primeira obrigação a ser
realizada. Religiões e doutrinas milenares tentam amenizar o impacto do cansaço
que faz renegar as dádivas superiores. A vida é o que é porque o trabalho
precisa de mão de obra. A natureza precisa de um câncer.
Mas se não tivesse nascido, estas palavras seriam órfãs. A
existência em si é algo muito integrante. Falar de desistência, suicídio e
desgosto mostra o quanto ainda estamos ligados a este mundo. O desapego só vem
quando não dizemos mais nada e, acompanhados do silêncio, decidimos encenar a
última apresentação.
E eu quero viver. Só não posso abandonar o desgosto que se
misturou ao meu sangue. Renegar as origens ou algo do tipo. Sim, sinto o
descontentamento pulsando nas minhas veias. Realmente, é quase físico. Não amarga
a boca, pior, tira o sabor. Veja, ainda estou vivo. Vivendo.
Mas dias de fraqueza sempre aparecem. Hoje, olhei para as
minhas mãos e vi os pequenos arranhões. Durante alguns minutos, lembrei que
tinham sido feitos pela minha gata de estimação. E com mais alguns minutos,
recordei da época em que eu era o autor de tais marcas.
Bom, preciso partir. Ah, e alguém quer falar. Pediu-me
licença. Com vocês...
“Tenho medo do futuro. Medo de perder meus pais e irmãos. Medo de ficar sem meus animais ou de não ter onde dormir. Crescer é isso? Sofrer ou ter que sofrer para não sofrer mais ainda? A promessa de uma vitória? Mas eu nem queria vencer. Muito menos guerrear.
“Tenho medo do futuro. Medo de perder meus pais e irmãos. Medo de ficar sem meus animais ou de não ter onde dormir. Crescer é isso? Sofrer ou ter que sofrer para não sofrer mais ainda? A promessa de uma vitória? Mas eu nem queria vencer. Muito menos guerrear.
Por isso que estou escrevendo essa carta. Provavelmente, meu
corpo deve estar frio e inchado. Não queria que fosse dessa forma. Mentira, eu queria
sim. Chega de censurar meus pensamentos.
Queridos amigos e familiares, sei que lhes deixem com muita
tristeza no coração. Mas nem mesmo o amor que sinto por todos vocês foi capaz
de vencer essa angústia sem nome. Lutei com todas as minhas forças, porém,
admiti a derrota. Não vou pedir perdão, muito menos que me compreendam. Esta
carta só registra a consciência que tenho que tudo.
Meu estado mental não estava alterado e nem a depressão
seria justificativa para o que fiz. Simplesmente, cansei de viver. Ainda que
considere válida e admirável a gana que muitos têm pela própria existência, eu
mesmo pouco me importei. Vejam, não há mágoa. Fui porque a alma precisava
viajar. Estou em paz.
No momento do parto, todos me tiraram a autonomia e,
conforme fui crescendo, perdi cada vez mais a capacidade de decidir por conta
própria. Então, apelei para a única escolha que ainda me era permitida. Anulei-me.
Parti com amor. E sei que a minha eternidade se fará nos corações
de cada um que entregar aos olhos esta simples carta.
Boa noite.”
Nem tudo se resume no “vencer”. Boa noite.
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