Mal consegui dormir. Tinha todas as receitas cozinhando
dentro da minha cabeça e a boca salivava como nunca. Mais do que ansiedade,
carregava misturada ao sangue aquela doce paixão. Uma mescla de pimenta com canela
e grãos de café.
Tinha prometido um almoço banhado pelo sol e refrescado pela
brisa do inverno. Mais fusões. Cozinhar era como pintar uma tela ou compor uma
música. Precisava de sensibilidade, antes mesmo de técnica.
Raspei um pouco de gengibre e coloquei a água para ferver.
Separei um punhado de açúcar e algumas folhas de hortelã. Sobre a mesa, massa
de batata, tomates, manjericão, salsa e uma garrafa de vinho seco. Sobre meus
ouvidos, a voz grave e as letras desafinadas de uma garota que viveu o
suficiente. Descalço, pois não há nada melhor do que deixar os pés sentirem a
magnitude do chão. A casa começa a receber a fragrância dos ingredientes. Sobre
meu rosto, um sorriso.
Enchi o copo com vodka pura, mas optei pelo conjunto
completo do prazer: embriaguez acrescida de um gosto sedutor. Deixei cair
algumas gotas de suco de laranja, maracujá e morango. Puxa a boca, os olhos e a
atenção. Acertei.
As panelas se aqueciam no fogão. Vigorosas, transpiravam sem
parar. Gemiam timidamente a cada minuto e pareciam impacientes. Quando chegaram
ao ponto mais alto da exaltação, clamaram pelo nirvana da ebulição e, após
receberem massas, legumes e condimentos, suspiraram tranquilamente.
Escorreguei até a geladeira para retirar o pudim de leite
condensado com calda de frutas vermelhas. Rígido, ocupou a tigela com certa
dificuldade. Adequou-se ao recipiente e, de pouco em pouco, transbordou sua
doçura sem receio.
A mesa era uma verdadeira declaração de amor. Uma ode ao
paladar do meu amado. Tudo o que fiz não passava de um texto sem palavras. De
uma declaração sem frases. Do “eu te amo” sem som. O cheiro e o sabor ganhavam
ali seu momento de glória. Eram absorvidos pelo corpo, com gosto.
Aquele jantar alimentou minha vida. Acabou com uma antiga
fome por afeto e atenção. Foi, sem sombra de dúvida, a refeição que há tempos
esperava. Satisfeito, só pude me deitar e deixar que a saúde daquele banquete abençoasse
nosso relacionamento.
Morreria feliz, com o melhor sabor imperando dentro de minha
boca. E o melhor sentimento perfumando meu coração.
Morreria, mas não morri. Sobre o meu peito, seu sorriso.
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