sexta-feira, 29 de junho de 2012

Sobre a mesa



Mal consegui dormir. Tinha todas as receitas cozinhando dentro da minha cabeça e a boca salivava como nunca. Mais do que ansiedade, carregava misturada ao sangue aquela doce paixão. Uma mescla de pimenta com canela e grãos de café. 

Tinha prometido um almoço banhado pelo sol e refrescado pela brisa do inverno. Mais fusões. Cozinhar era como pintar uma tela ou compor uma música. Precisava de sensibilidade, antes mesmo de técnica. 

Raspei um pouco de gengibre e coloquei a água para ferver. Separei um punhado de açúcar e algumas folhas de hortelã. Sobre a mesa, massa de batata, tomates, manjericão, salsa e uma garrafa de vinho seco. Sobre meus ouvidos, a voz grave e as letras desafinadas de uma garota que viveu o suficiente. Descalço, pois não há nada melhor do que deixar os pés sentirem a magnitude do chão. A casa começa a receber a fragrância dos ingredientes. Sobre meu rosto, um sorriso. 

Enchi o copo com vodka pura, mas optei pelo conjunto completo do prazer: embriaguez acrescida de um gosto sedutor. Deixei cair algumas gotas de suco de laranja, maracujá e morango. Puxa a boca, os olhos e a atenção. Acertei. 

As panelas se aqueciam no fogão. Vigorosas, transpiravam sem parar. Gemiam timidamente a cada minuto e pareciam impacientes. Quando chegaram ao ponto mais alto da exaltação, clamaram pelo nirvana da ebulição e, após receberem massas, legumes e condimentos, suspiraram tranquilamente.

Escorreguei até a geladeira para retirar o pudim de leite condensado com calda de frutas vermelhas. Rígido, ocupou a tigela com certa dificuldade. Adequou-se ao recipiente e, de pouco em pouco, transbordou sua doçura sem receio. 

A mesa era uma verdadeira declaração de amor. Uma ode ao paladar do meu amado. Tudo o que fiz não passava de um texto sem palavras. De uma declaração sem frases. Do “eu te amo” sem som. O cheiro e o sabor ganhavam ali seu momento de glória. Eram absorvidos pelo corpo, com gosto.

Aquele jantar alimentou minha vida. Acabou com uma antiga fome por afeto e atenção. Foi, sem sombra de dúvida, a refeição que há tempos esperava. Satisfeito, só pude me deitar e deixar que a saúde daquele banquete abençoasse nosso relacionamento. 

Morreria feliz, com o melhor sabor imperando dentro de minha boca. E o melhor sentimento perfumando meu coração. 

Morreria, mas não morri. Sobre o meu peito, seu sorriso.

Nenhum comentário: