quinta-feira, 21 de junho de 2012

O coração é o primeiro a dormir




Acordei com fome. Isso não acontece com frequência. Todos os dias meu estômago dorme por mais tempo do que todos os outros órgãos.

A casa vazia. Sem planos para mais este dia. Apenas executar as tarefas cotidianas e não pegar resfriado. Estava sem remédios e os chás também haviam acabado. Talvez este fosse o plano: comprar chás.

Abrir a janela e observar o clima tornou-se ritual indispensável. Meu humor estava ligado diretamente a isso. Se chover lá fora, chove dentro de mim. Se o sol aquecia o solo, meu coração aquecia o corpo. Hoje, eu estou cinza como as nuvens. Não há nada para se observar. Apenas aquele infinito tom que nada revela. Nublado demais para sorrir. Mas está bom. Muito bom. 

Arrumei a cama. Coloquei um cobertor marrom. Essa cor me lembra aconchego. Depois de separar as roupas que precisam ser limpas, caminhei até a lavanderia. Não sei se esse nome faz referência ao ato de lavar ou ao forte perfume de lavanda. Enfim, não precisa fazer sentido agora. 

Minhas mãos tremem, mas não se acovardam. Elas gostam da água, mesmo extremamente fria. Temem o fogo. Não sabem lidar com ele. Mas o verdadeiro amor pertence à terra. Sim, os dedos parecem repousar tranquilamente quando misturo adubo no jardim. Estes pequenos detalhes me trazem a sensação de vida. Plena. Tocar, sentir, querer e não querer. Viver como se tudo estivesse conectado. Como se realmente eu fosse o mundo. 

Alguns biscoitos com requeijão e um pouco de café. Ao mastigar, sentia a língua dançando contente. Olhos se perdiam na mesa, em busca de nada. Os ouvidos estavam confabulando entre si, silenciosamente. E o nariz viciava-se com o aroma do café. Agora sim, o estômago resolveu despertar.
Peguei um pedaço de papel e resolvi escrever. Mais uma vez, sem planejar. 

“Observe quantas folhas secas neste quintal. Quantas delas caíram sem querer? Se eu pudesse, colocá-las-ia novamente em seus respectivos galhos. Mas diante da natureza eu sou estas folhas caídas. Não posso nada. 

Meu querer independe de realizações. Ele se faz na neblina composta por gotículas de frustração, acumuladas a cada madrugada e expelidas ao amanhecer. Sempre que quero, caminho por dentro deste nevoeiro, aguardando que o acaso preencha minhas expectativas. Algumas vezes ele faz isso. Tento não me apegar. 

Eu amo tudo isso a minha volta. A solidão, a casa de madeira, as folhas mortas, o cheiro do café... realmente, eu amo tudo isso. Vejo-me nesses detalhes. E chamo-os de detalhes porque deposito neles o que não consigo realizar com dedicação. Se a lavanderia exala um convite aos campos floridos é porque mal posso sair do quarto. E se a terra aconchega minhas mãos com seu tom marrom é porque já não há mais aquele velho toque que as aquecia com carinho. Não quero lembrar-me de você. Entretanto, sinto que é impossível. Mais um detalhe. Deste, eu não consigo me desapegar.”

Foram muitas linhas e, ao final, usei este mesmo papel para limpar os lábios. Tudo o que escrevi já estava longe demais para ser lido. As palavras se confundiam e as frases deixavam de ter significado. 

Peguei a carteira e contei o dinheiro. Era hora de comprar os chás. Canela, maçã, morango e anis. Detalhes que supririam a falta de sabor na minha vida. Aromas e lembranças que insistem em continuar aqui, dentro de mim. E eu continuo sem me desapegar.

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