A maldita casa tinha virado cinzas.
No prato, o resto seco da comida que nunca me alimentou. Na cama, o corpo
daquela que nunca me foi mãe, mas cobrava de mim o amor de filho. Mortas. A
madeira e a mãe. Se não tinha mais “bom dia”, só me era bem-vinda a partida.
Parti, partido.
Sem rumo, caminhei com facilidade.
Só me era atraente o que transpirava nebulosidade. Foi assim que me deixei
levar pelo destino. Enevoado pela incerteza da sobrevivência, pegou minha alma
pela mão e a fez querer algo sem nome, tamanho ou cheiro. Vazio o bastante para
sentir o peso do meu próprio vácuo, andei muito e os pés não me cobraram nada.
Estavam de luto.
Os estalos da carne inflamada me
impediam de dormir. A areia do deserto não era macia. Nunca recebeu bem os
forasteiros. Escondeu em seus colchões os espinhos de cactos, ferrões de
escorpiões e as presas das serpentes, sempre famintas. Sempre com rancor.
Mordem pra sentir o prazer de matar. É disso que se abastece o veneno. Do pouco
ódio que deglutimos. Desce pela garganta e vicia o estômago. Vira veneno pra
manter a vida de um e a morte de todos.
Toda a ausência que me rodeava acompanhou
cada segundo imerso na longa estrada. Horizonte era promessa vaga, luzes não
passavam de falsas esperanças e a fome continuava. Costurei a boca para que não
traísse as mãos. Antes de tocar, mordia feito chacal. Podia perder a mulher que
havia me parido, porém, não abria mão do homem que me sustentava as pernas. Eu
me protegia da insanidade.
Quando o corpo pediu para falecer,
neguei-lhe tal dádiva. Até o ultimo grão de sal eu o faria queimar. Já que não
é madeira, passaria a arder com o batismo do sol. Gelaria durante a patrulha da
lua e na blasfêmia do crepúsculo, hora em que deus pode cometer seus pecados
sem que ninguém o veja, encontraria seu algoz. Encontrou. O presente do
ceifador é do tamanho de nossa angustia. Se doeu é porque ainda havia um resquício
de sentimento. Não sei se sorri ou se mordi meus lábios. A boca não entrega
mais nenhuma parte do corpo.
Um comentário:
O mórbido tb é belo, estou me encantando com o seu blog...
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