O Sempre. Aquele eterno retorno para um presente que se faz mais concreto do que qualquer passado. A vida traduzida na insistência. Resistência. Impertinência. Entre tantas outras formas de dizer “não” à desistência, o Sempre escraviza a existência. É preciso estar para relatar. A ausência torna-se mais rara do que a própria felicidade. E é neste momento que a tristeza ganha destaque.
Diante do poço que dá à alma sua profundidade, não se lança mais ao “nada” aquela esperança fugitiva, que aproveitou da inocência para se libertar. Por milhares de motivos, ninguém irá questionar seu encarceramento. A estadia dentro da caixa repugnante não deve ser colada em questão. Estamos falando da Esperança. A única capaz de combater essa melancolia sem nome. Falsidade para envenenar o coração e fazer com que este pulse mentira pelas veias. Os olhos, pulmões, rins e fígado agradecem. A dose diária de eufemismo amacia as palavras e então podemos dizer “felicidade” com a inverídica sensação de que sabemos do que se trata tal sentimento. Na miséria do próprio ser, a migalha de força alimenta o otimismo anêmico.
Infinita e maculada. Nunca negou sua própria ruína. Faz com que a carne doa. Faz com que a mente se perca no próprio labirinto. Destrói qualquer barreira que a razão venha a construir. Uma mordida tentada na maçã de Eris. Ela surge, repentinamente, e pede licença para entrar. Educada, conforta o coração com um abraço aleijado, sem realmente tocar o envolvido. Sopra em seus ouvidos as verdades ocultas. Não tem compromisso com a mentira, pois não quer ser esquecida. Quer ser lembrada, de tempos em tempos, como aquela parte amarga da verdade que sobrou no prato. Ninguém quis comer. Nem mesmo a fome. Nem mesmo a desgraça.
Penetra por debaixo na unha e paralisa as mãos. Tira de seu bolso um par de algemas e contempla os pulsos com o aço gélido. Impede o corte. Censura a navalha. Sufoca por não abrir passagem para que o desespero percorra a estrada do suicídio. Prisão perpétua que faz querer morrer todas as vezes que um novo dia começa. Um dia que começa morto. Um que nasce morto. Um dia natimorto. Já se sabe como vai ser, o quanto vai doer e qual o tamanho do tempo a sofrer.
O paladar abandona sua morada. Na boca, a secura. Legítima insuficiência da língua que, por tantas vezes, se consumiu. Saboreou a si mesma. Viciada no gosto da vaidade. De tanto lamber a mesma fonte, ficou estéril. Secou. Pariu o insípido. Agora lamenta, sem derramar uma lágrima. O sal já não é mais rei na superfície frígida da língua. Não cura feridas. Inútil.
A opacidade toma conta do velho castanho. Madeira seca trancafiada nos olhos. Não há brilho, nem esperança de chuva. Não há mais lodo ou musgo. Aridez predominante. O par, que antes compartilhava do mesmo resplandecer, já não dialoga mais. Ambos os olhos estavam separados por quilômetros de desgosto. Condenados a viver juntos, faziam vista grossa para tudo que surgia de benéfico. Evitavam qualquer expectativa. Apodreciam sem nenhum pudor, mesmo que suas raízes ainda estivessem fixas no solo irrigado de sangue. Ninguém quem ver a dor, nem mesmo os olhos. Preferem morrer em vida a viver a morte.
Infinita tristeza que se instalou no ser. Não permita nada, por favor. Acabe com toda a farsa e traga ao corpo cansado a bênção de Morfeu. Faça-o dormir. Pois nem a fome é capaz de interromper o sono dos condenados.
Infinita tristeza, não seja escrava do sempre. Se passar a insistir tanto, a semelhança com a vida imposta será inevitável. Acalente aqueles cuja pele se tornou invisível. Que tenham o direito de sofrer como qualquer pessoa.
Infinita tristeza, só você é capaz de transformar todos os humanos em seres iguais. Todos penam. Todos pagam. Todos são reduzidos ao nada que de fato são.
Infinita tristeza retire todos os privilégios que enaltecem o ego, pois vestiram a todos com títulos e sobrenomes pesados. É hora de sentir a leveza do não ser. É hora de não contar. Silêncio.
Infinita tristeza, não resista. Anule-se. Anule-me.
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