segunda-feira, 12 de março de 2012

A morte em tudo

Pessoas em meio ao apocalipse. Mortas. Dinossauros. Mortos. Galhos de "dama da noite". Mortos. Avó. Morta. Animais em páginas de enciclopédias. Mortos.

Hoje, lembrei-me de quando era criança e desenhava o apocalipse na contracapa dos livros. Era sempre a mesma imagem: um tornado gigante sugando tudo à sua volta e meteoros caindo do céu. Pessoas sendo carbonizadas e animais dilacerados. Para mim, a coisa mais normal de todas. Mesmo que não soubesse de onde vinha tal inspiração.

Também recordei dos dias em que eu arrancava pequenos galhos de uma "dama da noite" e os usava como personagens de alguma aventura. Geralmente, eram sereias que tentavam fugir do seu reino. Depois de escaparem eu as congelava em um copo de requeijão. Só as libertava no dia seguinte. Era a primeira coisa que eu fazia ao acordar. Ia até o congelador, pegava o copo, deixava-o debaixo d'água por alguns minutos e depois ficava observando o gelo se desfazer e a sereia ressurgir. Sempre fiz tudo isso sozinho e sem um motivo. Até tinha um. Eu gostava.

Adorava as enciclopédias de mamíferos dadas pelo meu pai. Naquela época eu não sabia ler. Mas observava as ilustrações de animais e ficava deslumbrado. Aos poucos, fui fazendo relações com a posição dos desenhos nas páginas e descobri do que cada animal de alimentava, qual eram os seus predadores e onde viviam. Aprendi o nome de todos, pois pedia que minha mãe os lesse. Em um dos meus aniversários, sentei com os amigos da minha prima - muitos mais velhos do que eu - e comecei a falar de cada criatura que habitava aquele livro de capa dura. Eles riam de mim. Eu não ria, apenas falava sobre alimentação, insetos consumidos, habilidades específicas...

Num dia chuvoso, minha avó me convidou para passear no centro da cidade. Eu adorava aquele lugar. O cheiro era diferente. As pessoas e os sons também. Tudo era enorme e velho. Muito cinza, azul, preto e verde escuro. Cores que gosto muito. O frio era grande e eu estava mais contente ainda. De mãos dadas, passamos por uma praça. Nela, muitas pessoas tentavam vender artesanatos e utensílios. Foi então que eu vi a coisa mais magnífica daquele tempo: um boneco de Tiranossauro Rex. Fiquei paralisado, olhando para aquele brinquedo incrível. Pedi com os olhos. Ela me entendeu. Ela sempre me entendeu, até mesmo no último encontro, quando lhe disse que não estaria em seu velório. Ela sorriu e partiu naquele mesmo instante. Jamais perderíamos a chance de nos despedirmos.

Eu dormia com aquele boneco. Tomava banho com ele. Mas diferente de outras crianças, eu não esqueci dos brinquedos mais antigos. Todos deveriam se reunir quando o novato chegasse para desafiá-lo. Geralmente, o forasteiro vencia a primeira batalha. Mas esta era a única "vantagem". Depois tudo voltava ao normal.

Desde pequeno eu era perfeccionista. Um defeito mínimo na pata esquerda do Rex me fazia gostar bem menos dele. O do meu irmão, como sempre, estava perfeito. E como sempre ele nem ligava para o objeto. Por questão de orgulho eu nunca quis trocar o meu pelo dele. Só por orgulho mesmo.

Depois minha avó me presenteou com fantásticas serpentes venenosas feitas de borracha e com um arame na parte interna. Assim, era possível modelar seus corpos esguios. As bocas eram abertas e pintadas de vermelho. Lembro-me da minha favorita: a coral. Eu simplesmente não permitia que ninguém brincasse com elas. Também tinha uma naja, mas esta passava a maior parte do tempo com meu irmão. Ele as queria apenas para não se sentir fora das brincadeiras. Ainda assim, eu passava meu tempo sozinho.

Certa vez, enquanto passava a noite na casa da minha tia, pensei sobre algo que até então não existira para mim: a morte. Perguntei para ela se as pessoas morriam. Sem pensar duas vezes, respondeu-me com um "sim" natural e tranquilo. Ainda insatisfeito, questionei se eu também morreria. E ela repetiu a resposta, desta vez complementando com a afirmativa de que todos nós morreríamos um dia. Tive certeza que neste instante a tristeza dominava meu ser. Tudo o que eu tinha feito até então estava sujeito à morte. Ao desaparecimento completo e anulação.

Nunca imaginei que hoje a morte já não seria mais um problema e sim a solução. Entendo a tranquilidade que envolveu aquele "sim" tão marcante. O Vinicius havia morrido naquele instante.

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