Lanço ao fogo o que ontem foi a profecia dos nossos dias. Giro feito o sopro dos gênios pelas areias ditas do destino. Clamo, peço, busco no fundo da ampulheta algum grão que ainda não tenha passado pela garganta e que me dê mais tempo contigo na lembrança. O sangue ferve sob o banho da Lua. Eu me ofereço mais uma vez à desgraça desse querer que não dorme. É com a voz abafada debaixo do peito que te peço para voltar.
Os temperos, espalho pela mesa. Sinto seus perfumes se misturarem ao de minha pele. Já salguei demais minha visão e agora é hora de preparar um banquete para celebrar seu retorno. O fio da lâmina cai sobre meu rosto, sopro, ele sobe e corta levemente um sorriso. Dos vermelhos, tiro o calor, dos verdes, a consistência, dos amarelos, o peso, do azeite, o toque e das olivas negras, a saudade de teus olhos. Um beijo na boca da garrafa e a bebida traga a tensão dos músculos. Ponho-me à mesa para que coma com as mãos. Farto de mim só posso eu mesmo ficar. Você, não. Você tem que se saciar e sempre querer mais. Porque eu nunca me sirvo por inteiro.
Enquanto a água acaricia minha pele, sussurro algumas poucas palavras. Desejo que o espírito esfrie a cabeça que não para de te invocar. Velas acesas, uma luz fraca e alaranjada, cansaço, passos molhados pelo chão de madeira e a porta do quarto entreaberta. Na transição da tarde para a noite eu encerro mais um dia de nossa história. Deixo que o corpo seque sozinho com a última brisa morna antes que a penumbra arrepiasse os pelos.
Com a coluna a rodopiar, entrego a nuca desnuda às vozes que cantam sem parar. Roubo cada verso que elas me lançam, envio-os a você, busco-te de longe, encaro-te como se estivesse diante de mim, os braços penteiam o vento e as velas se apagam. Coberto pela prata minguante, estico os dedos e alcanço – no criado mudo – as cartas que enviei e que retornaram em silêncio. Não as reli, não foi preciso. O cheiro das minhas mãos ainda estava ali, forte, como pimentão. Ponho-me na cama para que durma por inteiro, da cabeça ao peito. Cansado de mim, talvez só você mesmo. Eu, não. Eu me basto. Porque nunca me descrevo por inteiro.
Eu sempre te escrevi mais. Porque você nunca me serviu por inteiro.
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