Eu tive que deixar o fósforo cair por entre meus dedos e
atingir o chão. Observei o fogo se espalhar pela madeira, varrendo tudo o que
era vivo e cobrindo de cinzas as suas pegadas. Sentei na beira da janela – como
você tanto odiava – e continuei a observar. Eu era o incêndio e a casa, eu era
o incêndio e a casa, ao mesmo tempo, sendo assistidos por mim no lugar que você mais odiava. Foi
o mais próximo de nós que consegui chegar no momento de dizer adeus.
O ranger de cada canto parecia tentar me convencer a tomar
alguma atitude antes que tudo fosse tragado. A cama berrava as frases que você
me disse no dia em que me enganou e tratou meu corpo como corpo, um nada que não se
encaixava ao seu tudo; as escadas pediam para que eu desistisse da paralisia
que me confortava e pisasse nos mesmos degraus que você havia pisado quando me
levou em direção ao quarto; mas eu não me mexia.
Pouco a pouco, o calor começou a me envolver. Lábios secos,
sem lágrimas pra salvar, eu já não sentia muita coisa além do ar a desaparecer.
Acostumado com a fumaça dos cigarros, naquele instante só me restou aproveitar
a chance única de fumar o passado. Aquela casa, o passado. Fumar o que havia
sobrado de você nos móveis, nas paredes, no banheiro.
Da janela, consegui imaginar seu rosto furioso me mandando
descer. Sua raiva vinha do medo de que eu caísse para o lado de fora. Eu achava
graça na sua preocupação e, às vezes, desafiava ela justamente para me sentir
pego pelo seu olhar. Hoje, por mais que o espectro dele esteja diante do meu, a
queda é inevitável. Um pequeno impulso para trás e lá não estava mais eu.
O fogo, a casa, o incêndio, a janela, eu não mais nela,
você, pra sempre confinado nos meus pulmões.
O ar que eu não respiro mais.
O ar que eu não respiro mais.
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