Eu só quero te ver novamente quando estiver despido dessa porcaria de vida. Até lá, sou mais um amigo sem nome que serve de exemplo para os seus amores.
Não me importa se alguma vez falou com amor sobre mim. Nunca foi capaz de ir a fundo e penetrar minha pele. Superficial, a fuga de si mesmo não veio como opção, era a ordem máxima.
O que estou fazendo comigo mesmo? Drogas resolvem? Não. Ou melhor, até conseguem amenizar a pressão, mas por poucas horas. E eu não preciso de horas. O que eu quero são anos e mais anos de paz. Que paz tão cara é essa?
Esse vazio. Essa frustração que precede a conquista. A insatisfação crônica. Não sei mais o que fazer. Sinceramente, perdi a mão de mim mesmo. Sou a receita do que não pode dar certo, mas que ainda assim existe e ganha espaço.
A lista das coisas que não posso fazer é quase tão grande quanto aquela que elenca tudo o que não quero ser. Paralelas, dançam no ar e invadem minha mente na busca por um espaço seguro. Quando conseguem chegar ao âmago da minha essência, percebem que o vazio se comporta como um buraco negro. Suga, absorve e se apropria de tudo o que tem vida. É daí que nasce a eterna fome por algo indefinido.
Onipresença é minha inimiga. Querer falar, querer me fazer presente e sempre ter algo escrito para ser enviado, sim, tudo isso me mata. Mas é uma necessidade que grita tão alto a ponto de me ensurdecer. Quando percebo, já estou encaminhando toneladas de lamúrias.
Essas lamentações são como argila, sem forma, que ajuda a construir um muro em torno da razão. Presa, faz-me abandonar o foco e optar pela escuridão do inconsciente. Neste instante, acendi o cigarro do outro e olhei pela sacada, o mundo era mais complexo do que imaginava.
(...)
Era uma sexta-feira. Voltar para casa seria uma boa opção. Frio, fome e pouco dinheiro. Aceitei o convite. Eu queria mesmo era deixar a minha mente tão vazia quanto o estômago e os bolsos. A entrada do prédio estava cheia de vampiros. Seus olhos vidrados em mim deixavam claro que a vitalidade ainda me pertencia. Talvez, os olhos brilhantes entregavam meu estado “sóbrio”. Alguns andares e chego ao apartamento. Lugar legal com pessoas legais. Mas a geladeira era o que mais me interessava.
Aquela garrafa que parecia abrigar um fantasma me chamou a atenção. Transparente e convidativa foi censurada pela minha sede e seu lacre deixou de existir. Três goles e três copos vazios. O mundo perdeu parte de seu peso e eu ganhei o dom de respirar com calma. A pressão do sangue, a coordenação motora e o olhar ágil deram boa noite e então tive a certeza de que estava no lugar (in)certo.
Gosto de conversar com as pessoas. Porém, naquele estado de “metamorfose” tudo o que me atraia era ouvir cada palavra dita pela boca jovial e inconseqüente. Como se fosse da minha natureza, e de fato é, colhia detalhes e mais detalhes escondidos naqueles dentes brancos. Detalhes que, para os mais entendidos, são batizados de palavras. Os cigarros apareciam e sumiam. Acho que estava fumando a si mesmos. Eu era apenas o espectador daquele momento intimista. Fumar a si mesmo, nada mais intimista.
Toca a campainha e o coração passa a bater na porta do peito. Conto até três e respiro fundo. Pessoa errada, hora errada, respiração certa. Ao virar as costas, voltei os olhos para o horizonte. Noite fria e cheia de neblina, chuvisco e gosto de guarda-chuva na boca. Fome e falta de dinheiro? Não, não esta noite.
Depois de horas fui perceber que alguma coisa tocava no som. Bandas chatas e ritmos inapropriados para o momento. De qualquer forma, eu jamais perceberia tal afronta aos ouvidos no estado em que me encontrava. E posso afirmar, encontrei-me de verdade. Várias vezes. Tentei colocar outras coisas, mas a destreza estava limitada. Desisti e comecei a cantarolar qualquer coisa.
Aquela voz me despertou de longe. Entretanto, não estava atrás dela. O que eu queria veio em seguida. O sorriso que recortava meus olhos e os prendia num outro plano. Aquele rosto que se transformava sem medo e abria os braços para me dar o abraço prometido. Larguei o corpo e um pouco da alma, mas o peso do coração não caiu pela metade. Depois o frio voltou e tudo mais. Distância. Paciência. Desisti e fui fumar qualquer coisa.
Neste instante, bebi do copo do outro e olhei o horizonte pela sacada. Realmente, o mundo é bem mais bonito do que parece. Mas meus olhos ardiam e o estômago berrava. Voltei para dentro do apartamento e recolhi meus excessos. Boa noite.
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